Não «há senso» no trânsito
O Natal é, por tradição e por excelência, festa de reunião das famílias. Mesas a que, durante o ano, se sentam dois idosos a curtir a sua solidão, reúnem nesta festividade para cima da dezena de pessoas de várias gerações. A alegria, as cores das ornamentações, as luzes da árvore e do presépio, a abundância da refeição e a variedade dos acepipes, a distribuição das prendas, são factores de superação das dificuldades e dos sofrimentos de todo um ano que chega ao fim. Muitos dos convivas chegaram de longe, viajaram muitos quilómetros, alguns vindos do estrangeiro, para confraternizar com os demais familiares.
Mas algumas mesas (sempre muitas, demasiado numerosas) ficaram intactas, porque a tristeza, a dor, o choque emocional tirou o apetite, a vontade de rir e conviver. Um ou mais familiares, na viagem para o encontro festivo da família, encontraram a morte ou ferimentos graves num acidente, estúpido porque podia ter sido evitado. O ambiente de festa, transformou-se, de repente, em luto e sofrimento. E tudo devido à distracção de alguém, a uma pressa insensata, a um excesso de alegria, de vinho, de comida, de medicamentos, de droga, de alguém que não teve senso, não respeitou a própria vida, a dos seus companheiros de viagem e a dos outros utentes da estrada.
Também pode ter sido devido a um sinal errado ou ausente, uma curva mal sinalizada, etc. Além dos mortos há os que ficam deficientes para toda a vida, dependentes de familiares ou da Segurança Social.Mas o mais chocante, e que justifica o título deste texto, é ler nas palavras do jornais o «raciocínio» frio e desumano, o jogo com os números das estatísticas como se os acidentes e as suas vítimas fossem poucos, ou como se fosse tranquilizadora a comparação com estatísticas de anos anteriores. Tanta desumanidade, tanta falta de senso, tanta frieza, tanta falta de respeito pela dor e o luto de imensas famílias com a alma em farrapos, confrange. Se fosse apenas uma família já era de lamentar. Mas infelizmente foram muitas. Imagine o Sr Ascenso que uma das vítimas era um simples «secretário de estado» ou um dirigente do seu partido. Isso, para si, seria uma séria tragédia, apesar de se tratar apenas de uma pessoa, número insignificante! Não «há senso» Sr Ascenso. Não se esqueça que durante 2006 morreram na estrada mais pessoas do que todos os deputados e governantes, portanto uma verdadeira tragédia, não acha?
A dor pela morte de um familiar, de forma tão trágica, não se atenua com as estatísticas. Há que fazer tudo para acabar com as mortes na estrada. É responsabilidade daqueles que o povo escolheu para governar.
Postado por A. João Soares
7 comentários:
deprofundis disse...
Penso que o problema do trânsito tem muito a ver com a tremenda falta de civismo dos portugueses. Com a agravante de os maus exemplos virem de cima. Os governantes são sempre os primeiros a prevaricar. Sentem-se acima da Lei.
A. João Soares disse...
Olá Amigo de profundis,
Sem dúvida, que a falta de civismo é uma característica da sociedade portuguesa. Isso e a falta de maturidade são um terreno muito fértil para os vícios. O poder, tal como a droga, é um vício típico de personalidades débeis. As pessoas mal formadas, ao cheirarem o Poder, ficam ébrias, abusam, perdem a noção das proporções e cometem os maiores exageros e dislates. Isso acontece aos jovens quando se encontram «protegidos» pela chapa de um carro e aos políticos quando se sentem acima da lei que eles próprios elaboram à medida dos seus interesses. Mas se nos submetemos indiferentes a esta realidade, nunca dela sairemos, e, por isso, temos de nos rebelar e lutar com todas as armas contra os defeitos tradicionais da sociedade. No mínimo, devemos alertar o povo para estes problemas, a fim de o sensibilizar, acordar do seu sono hipnótico, para que reaja. Não podemos esperar pacientemente que um milagre resolva isto, nem que venha alguém do estrangeiro fazer isso por nós.
Desejo um 2007 melhor do que o 2006 aos amigos que visitam este espaço, principalmente aqueles que aqui deixam o um comentário.
Um abraço
A. João Soares
deprofundis disse...
Caro João Soares
Hoje ouvi na SIC Notícias um comentador desportivo da nossa praça a falar sobre o assunto. Das suas declarações, que se aproximavam muito mentalidade de "chico-esperto", deduzi que o grande mal do trânsito deriva do facto de a quase totalidade dos condutores portugueses pensar que o Código da Estrada só se aplica aos outros...
MRelvas disse...
Caro amigo João Soares,
um texto bonito e sério!É para reflectir!Fala-se em x homens na estrada da GNR,mas nós sabemos que esse é o efectivo da mesma.
Simplesmnte mais no terreno devido ao corte de folgas neste período. No outro dia um militar da GNR dizia ao CM que nunca gozou um Natal em família (desde 1989) nem a passagem de ano... Simplesmente estavam autorizados a passar pelo posto a meio do turno para beberem um cálice de vinho do Porto!Será que não temos efectivos suficientes? Não há possibilidades de alternar o natal com o ano novo?Será isto PESSOAL SUFICIENTE? Caro amigo,os números são frios e saturantes pois não se tratam efectivamente de MEROS NÚMEROS,mas de pessoas que "partiram",que ficaram feridas,de famílias destroçadas,que merecem um tratamento DIGNO,de quem GOVERNA!É necessário EDUCAR,nas escolas,os instrutores,os agentes de trânsito para a questão da civilidade! Aqui faz falta a intervenção do MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO em conjunto com o MAI! A PRP faz o quê? Coordenado com quem? Um tema que merece a nossa reflexão e dos GOVERNANTES, pois há décadas que ouvimos e lemos números catastróficos que matam muito mais que toda a guerra do ultramar!Leia sobre a anorexia no Arômas de Portugal!
Um abraço e um ano de 2007 cheio de genica e crescimento para o Do Mirante.
Mário Relvas
Antonio Delgado disse...
Caro amigo João Soares,
As suas postagens além de pertinentes têm a poesia e a eloquência da sabedoria. É um verdadeiro problema a circulação, nas estradas portuguesas. Além das responsabilidades dos nossos governantes na falta de tentativas para apaziguar um problema grave, uma parte das responsabilidades encontra-se igualmente no excesso de velocidade que muitos praticam. Um condutor na faixa da esquerda a conduzir módica velocidade de120 Km/h (velocidade permitida pela lei) candidata-se a um forte buzinão ou a sinais de luz para encostar à direita quando está a fazer uma ultrapassagem. Se tem matrícula estrangeira, além disso ainda tem direito a sinais de mão. Depois as estradas, tanto as nacionais como as municipais e as auto-estradas, salvo algumas excepções, quando não estão em obras carecem de pisos adequados e sinalizações convenientes. Isto misturado com o anterior faz com que uma pequena viagem se possa candidatar a um enorme drama... e parece que não há intenção de por cobro.
Um abraço bem fraterno e desejo, ao João, um EXCELENTE 2007 bem como aos postadores do blog MIRANTE e todos os seus leitores.
António Delgado
Luisa disse...
Vim aqui através do Jorge Guedes. Acho que tens toda a razão no que se refere à sinistralidade nas estradas portuguesas.
A culpa não é do Governo nem das escolas de condução nem das estradas. A culpa é dos condutores que são os mais mal educados da Europa. Falta de civismo, falta de cultura, falta de civilização...
A. João Soares disse...
Olá Luisa,
Obrigado pela visita e pelo comentário. Espero que gostes do estilo do bogue e que voltes mais vezes. Se não gostas, diz as razões, para ajudares a melhorar este espaço de reflexão. Infelizmente, tenho de te dar razão. Mas é o governo que tem a responsabilidade de criar condições para que o povo, os condutores, adquiram mais civismo.Votos de bom ano.
Beijinhos
A. João Soares
A Decisão do TEDH (396)
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