terça-feira, 28 de agosto de 2018

O FUTURO É UMA INCÓGNITA

O futuro é uma incógnita
(Publicado no semanário O DIABO em 28 de Agosto de 2018)

Na vida tudo muda e nem a Natureza nem o clima se mantêm imutáveis, mas a democracia surpreende-nos a cada passo. E o que não é agradável é que há grandes males que as mudanças não curam, parece que cada mudança é apenas um gesto enganador para que tudo continue na mesma.

Agora aparece um artista a usar a marca de um industrial de vinhos, Aliança, que, antes de criar o partido, já está a plagiar o programa de outro criado recentemente, Iniciativa Liberal. O seu objectivo parece ser o desejo de liderar um partido, e não ser propriamente melhorar a situação interna e externa do País. Pois, no partido a que pertencia e de que saiu voluntariamente, podia colaborar com o seu amigo Rio que está no topo, por forma a ser escolhida uma estratégia bem definida para avançar num rumo seguro para uma boa gestão dos interesses nacionais e criar uma melhor qualidade de vida para os portugueses, que tão abandonados têm sido.

A criação de mais um partido à direita do PS pode acabar por reforçar a vantagem eleitoral deste. Mesmo admitindo que todos os abstencionistas se convençam a ir às urnas e que a maioria deles vote na área da direita, se com dois partidos já era difícil um deles ter a maioria, quando houver divisão dos votos pelos quatro, dá a cada um uma fatia que pode ser menor do que a do PS. E lá vai continuar o País a viver num clima de soporífera realidade, numa atmosfera de sucesso ficcional, num marcar passo sem as decisões necessárias. Mas, nisso, pode surgir alternativa à actual geringonça em que haja um encosto à direita aproveitando a simpatia de Rio. Esta poderá ser uma consequência do aparecimento de mais um partido na área da social-democracia. E Portugal ganhará muito com isso? Serão dois indecisos a marcar passo mais ou menos juntos.

Será que veremos o pântano referido por Guterres, agora ficar a ser agitado por dois indecisos, em quem alguns portugueses depositaram esperança, a marcar passo sem avançar, e soprando palavras bem sonantes, com esperanças enganadoras, mas sem concretização real? Curiosamente, perante a opinião generalizada de que a pior doença de Portugal é a corrupção epidémica criadora de novos milionários à custa do Estado e da desvirtuação da função pública, não se vê intenções claras de a combater activamente, dando à Justiça legislação que permita aos tribunais julgar rápida e correctamente os casos mais gritantes, todos relacionados com os mais altos cargos do Serviço Público e que passam ao abrigo de imunidade a beneficiar de impunidade. Quem rouba uma carcaça para matar a fome é preso, mas quem se apodera de milhões fica em liberdade, como se vê em nomes bem conhecidos.

Atrás foram alinhavadas hipóteses possíveis, dentro das hipóteses permitidas pelos mistérios do futuro. Mas, com elas, perpassou o desejo de que os nossos eleitos, governantes e de outros altos cargos, se concentrem com alta prioridade, nos essenciais interesses nacionais, para melhorar a imagem de Portugal e a qualidade de vida dos cidadãos.

Os políticos não são apreciados pelos cidadãos mais atentos, não inspiram confiança e não geram esperança em melhor futuro. “Os actuais partidos na AR defendem mais o Estado a meter-se nas nossas vidas do que as nossas vidas a serem facilitadas pelo Estado”. Se a democracia é o poder do povo, as decisões devem partir das vontades e das necessidades dos cidadãos e não da política autoritariamente imposta aos cidadãos.

É desejável que o sistema político-partidário e o sistema eleitoral sejam revistos por forma a que o País entre numa rota de desenvolvimento com uma convergência de vontades obtida por consultas populares, para felicidade de todos e para que extremistas e radicais sejam contidos na proporção e na lógica que lhes é adequada.

António João soares
21 de Agosto de 2018

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terça-feira, 21 de agosto de 2018

APRENDER COM OS ERROS

Aprender com os erros
(Publicado no semanário O DIABO em 21 de Agosto de 2018)

Para viver a vida não é necessário conhecer grandes teorias e filosofias, bastando a simples sensatez de ir aprendendo com os pequenos erros e acidentes do dia-a-dia. Em criança aprendemos a andar, com os ensinamentos obtidos em cada queda. De cada erro devemos retirar lições para evitar a repetição de acidentes. A sensatez, a perspicácia e a persistência na procura de melhores soluções, constituem uma ferramenta essencial para a vida.

O que se tem aprendido com os grandes fogos florestais? Parece que foi aprendida alguma coisa, mas muito pouco. É gritante o caso do «plano de intervenção florestal por aprovar há sete meses» apresentado pela Associação dos Produtores Florestais do Barlavento Algarvio (Aspaflobal), com um projecto estruturante para a Zona de Intervenção Florestal de Perna Negra, em Monchique, onde começou precisamente o incêndio que durou vários dias com a destruição de grande área de floresta e o abandono das residências por muitas centenas de moradores.

Tal demora demonstra grande desleixo, inconsciência e ausência de sentido de responsabilidades de meninos burocratas do Instituto de Conservação da Natureza (ICNF) que não fazem ideia dos perigos que uma demora mesmo que pequena pode causar. Houve enorme falta de respeito pelos direitos da população que espera dos Poderes protecção e prevenção de grandes males. É grave uma organização como o ICNF, um pilar da Protecção Civil, sem ter capacidade de actuar na supervisão das medidas de prevenção e incêndios nas florestas do território nacional.

Antes que incêndio deflagre deve ter sido aplicada uma prevenção que deve ir do ordenamento do território ao tipo de árvores plantadas, passando por outros pormenores como a criação de faixas de descontinuidade ou asseiros (caminhos entre o arvoredo com largura adequada ao efeito desejado) que sirvam de corta-fogo, impedindo o seu alastramento por grandes áreas e facilitando o deslocamento dos meios motorizados de ataque. Principalmente, quando se trata de território de orografia complicada, deve ser evitada a todo o custo a continuidade de vegetação na serra, sendo indispensáveis as faixas de descontinuidade de largura adequada. Após um incêndio em Tavira em 2012, um técnico categorizado concluiu que, dos 120 quilómetros que deviam existir destas faixas de descontinuidade, apenas existiam 30 quilómetros. É um aspecto que deve ser corrigido com eficiência em todo o território nacional.

Quanto ao tipo de árvores, os eucaliptos têm sido alvos de muitas acusações. É certo que esta árvore, originária de climas muito diferentes tem tido bom comportamento quando plantada de forma muito regular pelas empresas de celulose, em condições que evitam incêndios graves. Mas tornou-se uma praga, expandida por forma completamente descontrolada, plantada sem os cuidados que lhe devem se inerentes. Para controlar e reduzir tal praga, é indispensável uma cuidadosa gestão do Estado com supervisão efectiva em todo o espaço rural nacional. A área de eucalipto deve sofrer uma diminuição acentuada e haver substituição por outras espécies como carvalhos, castanheiros, sobreiros, nogueiras, etc.

Quanto à necessidade da limpeza das matas que, pelos vistos, foi muito negligenciada e há pormenores que não podem ser deixados a desmaselos de pessoas sem preparação a fim de não contribuírem para que Portugal seja um deserto dentro de poucos anos, por não haver novas árvores que substituam as actuais quando a idade as derrubar. Sobre isto, já disse o que penso, no artigo «sem ponderação, a limpeza pode destruir o pinhal» publicado no semanário O DIABO em 3 de Abril.

Convém reflectir sobre esta assunto, com profundidade, a fim de se evitarem erros semelhantes aos anteriores.

António João Soares
14 de Agosto de 2018

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terça-feira, 14 de agosto de 2018

COMO VAI O MUNDO?

Como vai o Mundo!
(Publicado no semanário O DIABO em 14 de Agosto de 2018)

Há muito que venho criando a convicção de que a maior parte das palavras proferidas por políticos são para esquecer, pelo menos quando fazem propaganda que pretende iludir os ouvintes com promessas que asseguram, que garantem, que vão ser cumpridas mas que, na realidade, eles esquecem de imediato. Pretendem criar esperança e optimismo que não passa de ilusão. Com isso, esperam melhorar os resultados de sondagens e colher mais votos em eleições posteriores.

Mas agora aparece o conceito de “jogo de loucos” que, a princípio, considerei uma invenção desrespeitosa, mas que aparece demonstrada para ex-Presidentes americanos e com continuidade no presente. Trata-se de ameaças altamente belicosas feitas com divulgação pública, destinadas a amedrontar o rival, por forma a ele se dispor a aceitar negociação em condições que lhe sejam pouco convenientes.

Isso está sendo visível na situação actual entre EUA e Irão, com fanfarronices de ambos os lados. A pequena Coreia do Norte levou o jogo ao ponto de ameaçar com arma nuclear o gigante EUA e Trump prontificou-se a sentar-se à mesa com Kim Jong-un para o levar a desistir de tal acto insensato. Não desistiu de tomar a sua parte no jogo e, poucas horas antes da hora marcada, disse que a reunião não teria lugar. Mas não demorou a parar o jogo e a sentar-se à mesa.

Com o Irão, o jogo deve ser muito ponderado, para evitar que a guerra que foi iniciada no Iraque por um jogo mal jogado gerando uma guerra que ainda fere o Médio Oriente, não vá agora alargar-se ao centro da Ásia ou a todo o mundo. Outra partida deste jogo foi o lançamento da bomba “mãe de todas as bombas” (MOAB), em 12-04-2017 no Afeganistão, com a finalidade de calar o Estado Islâmico, mas que não resultou, pois os ataques e outros atentados terroristas continuaram.

Mas se o jogo de loucos pode gerar um conflito mundial, como Trump referiu a propósito de Montenegro, há o jogo nacional de procurar controlar a afectividade das pessoas através de promessas de projectos desejáveis e ilusórios impossíveis de realizar dadas as carências financeiras do Estado. É o caso, entre outros, da notícia acerca de obras de intervenções na rede ferroviária “Ministério anuncia 58 quilómetros de obra quando na verdade são apenas 16”, apenas 27% do prometido, e mesmo isso pode falhar. Mas há casos em que o prometido tem sido muito superior a 3,6 vezes do realizado. E assim, vemos o Ensino em carência, o Serviço Nacional de Saúde com muitas dificuldades, a Justiça sem condições para parar a epidemia da corrupção generalizada em todos os sectores, as forças de Defesa e de Segurança a perderem credibilidade e sem capacidade de obterem a eficiência que merecem e de que precisam com urgência.

E, perante estes jogos “habilidosos” praticados por políticos, das potências mundiais e dos Estados de qualquer dimensão, seria bom que os que se consideram líderes de regimes democráticos, reflitam serena e profundamente sobre a moralidade dos seus actos, em respeito pelos seus cidadãos, e revejam os valores éticos a que devem obedecer. Só com uma maior honestidade perante os que dependem das suas decisões, o Mundo em que vivemos será mais civilizado.

Mas, infelizmente, no nosso caso, as condições estão a ser melhores para imigrantes do que para quem trabalha seriamente, como se vê nas notícias “Mais de 14 mil enfermeiros pediram para emigrar nos últimos sete anos” e “Mais de 17 mil médicos e enfermeiros emigraram nos últimos oito anos”. “Emergências. Central 112 com menos de metade do número ideal de operadores”.

E o ensino deve ser melhorado por forma a deixar de haver razão para notícias como “gente que trabalha bem: uma espécie em extinção” em que é defendida a afirmação de que “vivemos na era do pacto da mediocridade”.

António João Soares
7 de Agosto de 2018

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terça-feira, 7 de agosto de 2018

ESTRATÉGIAS DIFERENTES

Estratégias diferentes
(Publicado no Semanário O DIABO em 7 de Agosto de 2018)

A Natureza, com as suas diferentes e variadas nuances, oferece beleza. Mas a Humanidade apresenta extremismos e radicalismos preocupantes e chocantes, muitas vezes, em consequência de caprichos, de desrespeito pelos direitos dos outros e de arrogâncias e autoritarismos indesejáveis.

Dois casos merecem a atenção dos poderosos. A China, sendo o maior país da Ásia Oriental e o mais populoso do mundo, com quase um quinto da população da Terra, desde os tempos históricos do «Império do Meio», tem usado de pacifismo e de respeito pelos outros povos. Com a intenção de impedir a invasão dos mongóis, iniciou antes de 221 a.C. a construção de uma forte muralha com 3.000 Km de extensão mas, mesmo assim, não evitou ser invadida pelos mongóis no início do séc. XIII, apenas os expulsando em meados do séc. XIV. Depois disso, sofreu a guerra do ópio e, mais recentemente, a invasão japonesa, durante a II Guerra mundial.

Nos tempos mais recentes, evidenciou de forma bem visível o seu pacifismo, no restabelecimento de relações amigáveis entre as duas Coreias, na desnuclearização da Coreia do Norte, no relacionamento desta com os EUA e no apaziguamento dos atritos no mar meridional.

Há dias, o Presidente chinês, Xi Jinping, fez uma visita de Estado ao Senegal para assinar dez acordos de cooperação e afirmou que o continente africano "promete um futuro radioso" pelo "grande dinamismo" que demonstra. Já antes tinha afirmado que a China está a preparar apoios ao desenvolvimento dos Estados africanos, respeitando as suas culturas e tradições. Pelos vistos, a promessa foi baseada em intenções devidamente ponderadas, como agora ficou claro.

No outro extremo, encontra-se Trump, a querer mostrar que é dono do mundo e, em cujas palavras, se encontra ódio e agressividade. Não respeita os acordos e tratados assinados pelo seu Estado, como o acordo de Paris, as posições do Grupo dos Sete, o acordo com o Irão. Usa modos pouco corteses com os seus dois vizinhos, México e Canadá e até já disse que a União Europeia, a Rússia e a China são inimigos da América.

Ao referir-se ao Montenegro, pequeno Estado europeu com apenas 640.000 habitantes disse que é um país pequeno com pessoas muito agressivas que podem iniciar a Terceira Guerra Mundial! «Diz coisas» que, por vezes, desmente de forma infantil. Quando do encontro com o Presidente da Coreia do Norte, desmentiu o local e a data poucas horas antes de o realizar como inicialmente tinha decidido.

A ameaça de empregar a força militar é quase constante e, por vezes, concretizada, como na explosão da «mãe de todas as bombas» no Afeganistão e o bombardeamento na Síria com um pretexto não comprovado. A «mãe de todas as bombas» lançada no Afeganistão em 13 de Abril era destinada a exterminar o EI, foi considerada muito eficaz pela propaganda americana, mas o seu efeito foi o oposto. Com efeito, 7 dias depois, militantes talibãs mataram 30 soldados afegãos e capturaram uma base militar, um atentado suicida causou 31 mortos e 54 feridos, 8 dias depois duas explosões na capital causaram 25 mortos e 45 feridos. Ainda não se convenceu de que a violência pode gerar mais violência, numa escalada incontrolável.

Não tem prudência, nem diplomacia, para negociar com frontalidade e franqueza qualquer ligeiro conflito. Além do caso de Montenegro, merece ser referido o modo como está a enfrentar o Irão com quem os EUA tinham um acordo sobre a energia nuclear que decidiu romper em desrespeito pelo compromisso aceite pelo seu País, fixou sanções económicas e ameaçou que reagiria com a máxima força a qualquer atitude hostil. Só conhece a força não gosta de diálogo.

António João Soares
31 de Julho de12018

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domingo, 5 de agosto de 2018

CHINA ASPIRA A PRIMEIRA POTÊNCIA...

A China está a aproveitar para comprar países europeus inteiros e, nalguns casos, a preço de saldo. Portugal é um bom exemplo desse tipo de investimento
Transcrição de entrevista de Pedro Baños, espanhol, Coronel, na reserva, especialista em Geopolítica e Terrorismo publicada na VISÃO de 2 de Agosto de 2018

Entre 2001 e 2004, foi chefe de Contrainteligência e Segurança do Eurocorps, em Estrasburgo. Recentemente, durante a formação do Governo de Pedro Sánchez, o nome do espanhol Pedro Baños, 58 anos, chegou a ser dado como certo para diretor da Segurança Nacional. No entanto, a oposição protestou, atribuindo a este militar simpatias pró-Putin. A editora Clube do Autor acaba de lançar, em Portugal, o seu livro Os Donos do Mundo.

Em Espanha, o Partido Popular e o Ciudadanos acusaram-no de simpatias pró-Rússia. A que atribui essa suspeita?

Tenho defendido, e continuo a defender, que a União Europeia (UE) deve fazer o possível por manter muito boas relações com a Rússia. Esta tem tudo o que nos falta, a nós, na UE: recursos, energia e minerais estratégicos. Acho um erro o atual clima de confronto que pode até desembocar, nem que seja por acidente, num conflito armado. Há que evitar isso a todo o custo. Devemos ter relações económicas e comerciais mais fluidas com a Rússia. É importante para a segurança europeia, do ponto de vista não só militar, mas também da prosperidade de que necessitamos.

Entre 2001 e 2004, foi chefe da Contrainteligência e Segurança do Eurocorps. Os problemas de segurança que se punham à Europa eram muito diferentes dos de hoje?

Estamos a viver situações muito complicadas, entre outras razões, porque dá a ideia de que os EUA estão, de certa forma, a abandonar a segurança europeia, que até aqui garantiam. Donald Trump enviou recentemente aos presidentes ou aos primeiros-ministros de vários países da UE uma carta, na qual dizia que terão de aumentar, no caso de Espanha mais do que duplicar, o orçamento da Defesa, se querem que os EUA continuem a defender a sua segurança. É uma mudança de paradigma muito importante.
A Europa devia estar a fazer um esforço para desenvolver a sua própria segurança. No entanto, os países têm perceções muito diferentes das ameaças, o que impede um exército único. Hoje pensa-se em criar uma Europa a duas velocidades em termos de Defesa, um sistema em que um conjunto de países aceite as regras do jogo, dotando-se de Forças Armadas comuns. Só que isso implicará que outro grupo de países fique à margem dessa defesa, o que também mostra a debilidade da UE atual.

Quais seriam as consequências dessa Europa a duas velocidades?

Há um risco evidente, porque incluiria os países mais poderosos, como se vê pelos que assinaram o acordo de princípio, mas deixaria à margem países importantes, que também terão o seu peso na UE. Quando se fala em exércitos, não se pode avaliar só a parte do PIB destinada à Defesa; tem de se ter em conta também a vontade política, as missões. E nisto há uma profunda disparidade dentro da UE.

Escreve, no livro, que a Europa já manda pouco e tenderá a mandar cada vez menos. Isso sente-se em quê?

Estamos a retroceder na capacidade de influenciar o contexto mundial. Em contrapartida, outros países afirmam-se, muito centrados na Ásia, sobretudo a China, mas não devemos esquecer a Índia, com os seus 1 300 milhões de habitantes, muito boa tecnologia, e onde as elites falam inglês, o que permite maior penetração nos mercados internacionais. Estamos numa guerra económica claríssima, em que a Europa perde competitividade. Até há pouco tempo representava 25% do PIB mundial, hoje anda pelos 17% e, por volta de 2030, prevê-se que não seja mais de 7% ou 8%. Se não formos capazes de reinventar a UE, teremos um futuro realmente incerto.

Até que ponto a vinda de refugiados levanta problemas reais de segurança à Europa?

Quando se fala em segurança, há novamente que ter em conta a nossa diversidade. A principal preocupação dos países do Leste ou do Centro da Europa é com a Rússia. Já na faixa mediterrânica, Itália, Malta, Espanha ou Grécia, o problema são os movimentos migratórios em massa descontrolados, até pelo perigo de terrorismo de recorte salafita e jihadista. Esta diversidade faz com que também não sejamos capazes de chegar a acordo quanto a políticas comuns para combater os riscos de segurança. É uma grande debilidade.

O declínio da Idade do Petróleo que consequências geoestratégicas trará?

Na Europa, somos absolutamente dependentes do exterior em energia, seja em gás ou em petróleo. Isto não vai mudar assim. Ainda que amanhã todos os automóveis particulares passassem a ser elétricos, o petróleo continuaria a ter muita importância, pois grande parte do que nos rodeia provém de derivados do petróleo. No Médio Oriente, coexistem vários fatores, mas um importante é obviamente o domínio dos poços de petróleo, porque na Arábia Saudita, no Kuwait ou no Iraque estão os poços mais rentáveis do mundo, tanto pela qualidade do crude como pela facilidade de extração.

Portanto, não influirá muito na evolução do Médio Oriente?

Todos os problemas do Médio Oriente se repercutem no conjunto da UE. O mesmo sucede com o Magrebe, os países do Sahel e, cada vez mais, com a África Ocidental. A intervenção na Líbia, absolutamente errada, trouxe grande desestabilização. Voltando ao Médio Oriente, travam-se ali guerras sobrepostas, como no caso da Síria, onde há uma guerra civil, uma guerra regional e uma guerra de política mundial, a do confronto entre a Rússia e os EUA.

Como perito em contrainteligência, de que forma prevê que evolua o terrorismo jihadista?

Continuará a existir, porque não se eliminaram as suas raízes. Porém, preocupa-me muito mais o fundamentalismo salafita que está a instalar-se na Europa, ao qual se presta menos atenção.

Surpreendeu-o o encontro entre Trump e Kim Jong-un?

Sim. Creio que se insere um pouco na política de Trump que chamo “a estratégia do louco”, para nos manter numa incerteza permanente. De repente, Jong-un passa de ser o mais monstruoso do planeta a quase candidato ao Nobel da Paz, por chegar a acordo com Trump. Falta saber muito do entendimento que terá realmente existido. Provavelmente, um dos fatores por detrás do secretismo será a quantidade de dinheiro que os EUA darão à Coreia do Norte para a contentar e para que abandone, ainda que só parcialmente, o projeto nuclear. Não estou nada otimista, pois creio que se tratou mais de um gesto do que de algo que vá frutificar. O resultado passará pela relação entre os EUA e a China. Esta não pode permitir que a Coreia do Norte passe a ser um país, não digo aliado, mas, ao menos, não inimigo dos EUA.

No livro, diz que a “estratégia do louco” se aplica também a Kim Jong-un.

É verdade. Porém, ele acabou por demonstrar que a arma nuclear funciona. Um país pequeno, e dos mais pobres da Terra, conseguiu sentar-se à mesa de negociações, pelo menos teoricamente, com o país mais poderoso do planeta. Ele bem dizia que os países não se invadem por terem armas de destruição massiva, como alegadamente o Iraque em 2003, mas por não terem. A Coreia do Norte conseguiu um grande êxito, sobretudo em termos de política interna.

Como vê a fase atual das relações entre os EUA e a Rússia?

Desde o desaparecimento da URSS, os EUA tornaram-se o país mais poderoso. A sua Marinha é maior do que todas as outras juntas, designadamente em número de submarinos nucleares. Mas desde 2000, quando Putin chegou ao poder, a Rússia quer recuperar, se não todo, pelo menos parte do peso político que tinha nos tempos da URSS. E os EUA não estão interessados, no mínimo, nessa partilha de poder.

No entanto, diz que Trump e Putin têm muita afinidade ideológica. É possível isso existir entre um magnata e um ex-quadro do KGB?

Tanto um como outro querem instaurar um novo conservadorismo, o regresso aos valores tradicionais que eles achavam corretos e que estariam a perder-se. Putin, que era tenente-coronel do KGB, é muito astuto e dá muita importância à economia, pois sabe que sem isso não é possível ter umas boas Forças Armadas, um bom serviço de Inteligência ou um bom serviço diplomático. E Trump, que vem do mundo dos negócios, quer recuperar a capacidade económica dos EUA, o domínio que estava a perder. Isto não significa que tenham o mesmo entendimento político. No entanto, como decisores têm grande afinidade ideológica.

Como vê a China na sua relação com os EUA e com a Europa?

A China, de forma mais astuta e a longo prazo, quer também dominar o mundo, e igualmente através da economia. Isto não é novo, pois, já em finais dos anos de 1970, Deng Xiaoping reinventara o país deixado por Mao, para poder reforçar a sua capacidade económica.
E a China está a aproveitar para comprar países europeus inteiros e, nalguns casos, a preços de saldo. Portugal é um bom exemplo do investimento chinês, seja no porto de Sines, nos transportes aéreos, na Banca ou na eletricidade estatal, seja através dos Vistos Gold, quase todos adquiridos por chineses.
A penetração da China em setores estratégicos do continente europeu é um dado relevante.

O embaixador norte-americano em Portugal disse recentemente que os EUA estão preocupados, sobretudo por os negócios envolverem empresas estatais chinesas. Assim, tratar-se-ia de uma parceria política e não económica.

É perfeitamente compreensível essa preocupação do embaixador. E poderíamos falar também de África ou da América Latina. Há alguns confrontos, como na Venezuela, a que não é alheia essa disputa política entre EUA e China. Quase toda a dívida externa da Venezuela está nas mãos da China, que não quer um governo que deixe de lhe pagar. Os EUA estão muito preocupados, veem a China cada vez mais como o principal inimigo. Claro que, quando esta se tiver consolidado do ponto de vista económico, o próximo passo será dotar-se de um exército mais poderoso, não só em número de efectivos mas também qualitativamente.

Dedica parte do livro à guerra pelo Espaço. Em que ponto estamos?

O domínio do Espaço é um novo campo de confronto entre as grandes potências. Não só porque, se a população continuar a crescer ao ritmo atual, serão necessários novos destinos para a Humanidade mas também pelos recursos naturais, a energia, os materiais que existem em asteroides e planetas. A China e a Índia também estão nesta corrida. Em janeiro, Trump deu ordens à NASA para tratar do regresso de seres humanos à Lua, seguindo depois dali pelo menos para Marte. E crê-se que se têm instalado armas a laser em alguns satélites.
O Espaço está de novo a ser militarizado.

Quais são as grandes evoluções geoestratégicas previsíveis para os próximos tempos?

Preocupam-me vários temas que são transversais. Os países, sobretudo os pequenos, devem estar atentos às tentativas de controlo económico por parte de grandes grupos investidores, de grupos de capital de risco ou de fundos soberanos de outros países. Senão, estaremos a vender os nossos países a preços muitos baixos, o que terá consequências no futuro.
Outro problema é a degradação do meio ambiente, incluindo as alterações climáticas. Recursos naturais como a água vão adquirir um valor enorme. Grandes multinacionais já estão a investir em água, o que se relaciona com outro desafio estratégico que é a demografia. Nalguns países, o problema será a baixa natalidade, como já acontece na Europa. Ao contrário, em África a população vai duplicar (até 2050). Outra ameaça importante é a disputa que se trava no ciberespaço, na internet e nas redes sociais, com toda a manipulação e todo o controlo dos meios de informação. Lamentavelmente, creio que os políticos não prestam a devida atenção a isto, que será uma grande vulnerabilidade para toda a Europa.

Mas há maneiras de conseguir realmente mais segurança no ciberespaço?

Muito mais. Um ataque importante no ciberespaço pode bloquear um país inteiro. Tudo é controlado pela informática, seja o fornecimento de água e de eletricidade seja o funcionamento dos bancos. Os grandes países têm verdadeiros exércitos neste tipo de tarefas.
Os EUA elevaram o seu comando de ciberguerra, já nem lhe chamam ciberdefesa, ao nível de comando estratégico, tal é a importância disto para a segurança dos cidadãos. Há que prestar toda a atenção a este tipo de risco.
visao@visao.pt

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