quarta-feira, 9 de junho de 2010

Desertificação do interior

O «Portugal profundo» está a ser deixado aos bichos ou servirá de campo de treino de grupos terroristas internacionais, onde viverão calmamente a sua vida ascética no intervalo das missões. O problema já é velho e, na NOTA final, estão links para posts aqui publicados desde há mais de três anos. Vejamos o artigo transcrito:

O teatro do abandono
Jornal de Notícias. 09-06.2010. Por Paula Ferreira

Em Setembro, milhares de alunos não regressam à sua escola. Migram, como certas aves, para outro estabelecimento de ensino. A razão é simples. A escola que frequentaram tinha menos de 21 estudantes. A medida, anunciada pela ministra da Educação, pode ter a melhor das intenções. Isabel Alçada argumenta com o sucesso das crianças. Algo que nos interessa a todos. O sucesso delas será o sucesso do país.

A titular da Educação alicerça, com certeza, a sua decisão em estudos sérios: a taxa de insucesso das crianças integradas em turmas com menos de 21 alunos é superior à das que frequentam turmas maiores.

Até aqui, tudo bem. Mas o problema é mais basto. Começou a definir-se há décadas. Esta última medida do Governo - há poucos anos fecharam as escolas com menos de 10 alunos - é apenas mais uma a contribuir para a criação de dois países diferentes, até antagónicos. O país do litoral, densamente povoado, demasiado até; e o outro, o país dos velhos, que resiste até ao dia em que esses velhos conseguirem resistir.

Um país por muitos de nós já esquecido, onde nada existe: fecharam as urgências hospitalares, os serviços de atendimento permanente, maternidades, as comarcas, as escolas. Alguém terá a veleidade de acreditar que isto é um país igual para todos, um país democrático? Será, quando muito, um sítio pitoresco, onde os portugueses, cansados da vida das cidades, mostram aos filhos como era antigamente. Com um pequeno senão. As crianças encontrarão uma espécie de teatro do abandono, só as pedras e os campos por cultivar parecem reais. Tudo o resto será criado por personagens, importadas, muitas delas.

Não venham, então, dizer-nos que é preciso combater a desertificação. Ninguém acredita. Se de facto a intenção existisse, a Administração deixaria de ser tão centralista e começaria, de verdade, a travar o despovoamento. E em vez de fechar serviços, abria-os. Alguém acredita ser possível convencer um jovem casal a ir viver para o interior se não encontrará um sítio para dar à luz um filho, nem escola para aprender as primeiras letras?! E isto é o básico, o resto é a paisagem.

NOTA: Este, como todos os problemas, principalmente os que condicionam a vida de muitas famílias, deve ser bem ponderado, com achegas de pessoas sensatas (no estilo utilizado pelo actual PM britânico) que compreendam as realidades. Fechar todas escolas com menos do que 21 alunos e obrigar essas crianças a deslocarem-se diariamente à sede do concelho, nem sempre será a melhor solução, pois podem passar a frequentar a escola de uma aldeia próxima, de forma a que a rede escolar cubra de forma geométrica e geograficamente aceitável o interior do País. O Rei D. Sancho I iniciou o povoamento do país e os actuais governantes não se devem mostrar menos inteligentes e patriotas do que ele foi há mais de oito séculos.

Não se pode ter uma coisa e o seu oposto: combater a desertificação e fechar escolas e outros serviços de apoio à população.

Eis os links referidos na introdução:


- O interior português está ostracizado
- O Interior abandonado pelo Governo
- Desertificação do interior - 1
- Desertificação do interior - 2
- Desertificação do interior - 3
- O interior precisa de atenção
- Encerramento de Escolas

6 comentários:

Compadre Alentejano disse...

Este artigo de Paula Ferreira está muito bem feito. Eu próprio, no Papa Açordas, já tinha chamado a atenção para a problemática da desertificação do interior, por culpa deste governo e não só.
Qualquer dia, apenas temos megas escolas nas grandes cidades do litoral e, quanto ao resto, é paisagem...
Abraço
Compadre Alentejano

Pedro Faria disse...

Caro João Soares:
Muitas das chamadas de atenção para o problema da desertificação, como o presente artigo de Paula Ferreira, emocionam-me um pouco mas devo confessar que não me convencem. São artigos em que se apontam causas do problema, como a falta de maternidades e escolas, mas que parecem querer esconder a óbvia pergunta que levaria a outras respostas. E a pergunta é esta: por que é que as pessoas abandonam os campos e vêm para as cidades? Atalhando explicações, eu diria que o fazem por motivos que, a maior parte das vezes, não têm a haver com algumas das condições referidas, até porque o abandono se tem verificado onde já se apostou em postos médicos, saneamento público, comunicações e escolas.
Julgo que o problema radica em questões de estratégia nacional, ao nível da economia e da segurança, e também, por via de uma melhor definição estratégica, na avaliação mais realista do povoamento necessário para um justo equilíbrio, povoamento esse que poderá não ser tão elevado como se pensa. E há, ainda, uma verdade que nem sempre se refere quando se fala da desertificação do interior: o menor investimento, comparado com o interior, que afecta grandes franjas populacionais da orla marítima.
Um abraço.
Pedro Faria

A. João Soares disse...

Caro Compadre,

A desertificação do interior já vem de há muitos anos, mas os governos de Sócrates aceleraram o processo com medidas contraditórias. Um dia ele na cidade da Guarda esteve na abertura de uma nova empresa e defendeu que era precisi dinamizar o interior e evitar a desertificação, mas mais ou menos ao mesmo tempo a Saúde fechava centros de atendimento e a Justiça fechava serviços de apoio à população.
O processo veio se desenvolvendo com pequenas achas, quase imperceptíveis mas que foram acumulando os efeitos e o resultado está à vista.

Um abraço
João
Saúde e Alimentação

A. João Soares disse...

Caro Pedro Faria,

Tem muita razão. É sempre redutor num fenómeno tão complexo atribuir as culpas a um factor. Há várias condicionantes que se foram interligando, numa sinergia tipo circulo vicioso, em que umas ampliam os efeitos das outras.

Por exemplo, falta a nível governamental uma estratégia de desenvolvimento económico do todo nacional. No interior, além de minas e outras explorações de recursos locais (os espanhóis entraram em Trás-os-Montes para explorar granito), a agricultura, floricultura e pecuária e indústrias com elas relacionadas, poderiam estar mais desenvolvidas.

Mas há factores que não contribuem para esse desenvolvimento. Dos numerosos engenheiros agrónomos e técnicos do ministério da Agricultura, nenhum tem sido visto em várias aldeias desde há muitas dezenas de anos. Ninguém informa o agricultor sobre os melhores produtos a produzir em função das características dos seus terrenos, e a melhor forma de fazer agricultura. Por isso, o agricultor tem vindo a trabalhas nos mesmos moldes artesanais dos avós e mais antigos antecessores. Se alguém lhes dá conselhos é o vendedor de fertilizantes, pesticidas e insecticidas, mas esse o que pretende é vender mais, mesmo que isso vá prejudicar a qualidade alimentar do produto por excesso de químicos tóxicos.

As escolas técnicas que contribuíam para o desenvolvimento prático da população desapareceram e as escolas normais nada ensinam de prático e realmente útil para tais efeitos. Nota-se no interior, com mais gravidade, o mal do País que está a deslizar ao sabor de teóricos que poderão ser muito sábios mas que nada realizam. Chamam-lhes políticos, assessores, consultores, mas que nada contribuem para uma melhor gestão dos interesses nacionais, das pessoas, dos cidadãos em geral.

A nível local as autarquias são o que todos sabemos, jogando para a própria imagem e dando satisfação às suas ambições e dos seus amigos. E se algum indivíduo tem uma ideia que poderia contribuir para o desenvolvimento da economia local, são lhe levantadas mil dificuldades quer da burocracia doentia habitual, quer da inveja de ele poder ir colher dividendos da sua iniciativa. Por erros culturais, que as escolas não têm combatido, cultiva-se atavicamente o «nivelar por baixo» dificultando a vida a quem pretende fazer algo de bom e diferente.

Com estes e outros factores, não é fácil combater a desertificação do interior, mas é erro crasso aumentá-la. Tudo tem contribuído para que do interior as pessoas mais válidas migrem para o litoral e para o estrangeiro à procura daquilo que não encontram localmente.

No centro do País, em Vila de Rei houve uma autarca que convidou uma quantidade de famílias brasileiras para povoarem o concelho, mas não lhes deu pistas para actividades produtivas que as beneficiassem e à região, e elas não tiveram as esperadas iniciativas. Foi um fracasso, um investimento falhado. Pelo contrário, têm-se instalado no Alentejo, voluntariamente, famílias estrangeiras que têm conseguido uma vida desafogada, com actividades menos vulgares e bem remuneradoras. Podiam servir de exemplo a portugueses, mas a nossa cultura da ignorância tradicional impede que façamos experiências que depois de analisadas mostram que são rentáveis.

Portanto, o encerramento das escolas não é uma causa determinante da desertificação mas vai agravá-la, principalmente se, em vez de agrupar as crianças de três ou quatro aldeias numa das escolas ali existentes, as levarem para a sede do concelho.

Também parece que está passada a época de existirem muitas aldeias com pouca gente em cada uma, sendo preferível criar poucos aglomerados populacionais em cada concelho dando a cada um boas condições de vida, mas isso não se resolve concentrando tudo na sede do concelho.

Um abraço
João
Só imagens

Luis disse...

Caro João,
No post e agora no teu comentário estão muitas das razões da desertificação do interior, a saber:
Começo pela última proposta que fizeste. A criação de polos no interior com boas condições de vida levaria a que as pessoas aí se radicassem em vez de irem para as grandes cidades. por outro lado chamaria aos jóvens licenciados a procurar aí o seu emprego.
Não gastando enormidades em TGV's, autoestradas desnecessária, pontes, aeroportos que poderiam esperar melhores oportunidades e com esses dinheiros procurarem desenvolver em diversos níveis esses polos, conseguiriam consolidá-los. Com isso poupavam-se muitas autarquias (e centenas de autarcas) desnecessãrias e os dinheiros dessa poupança reverteriam em melhoramentos dos polos em causa. Uma regionalização bem planeada encontraria aí o seu principio para um Portugal mais homogéneo e mais produtivo.
Esses polos poderiam incentivar a agricultura, a indústria, etc.,etc. e com isso inverter a ida para as grandes cidades que já não comportam mais população. Diminuiria o desemprego e com tais medidas evitar-se-iam os custos que tal concentração acarreta (subsidios de desemprego, construção de bairros económicos, construção de cidades satélites que não passam de dormitórios, aumento de infraestruturas de apoio, aumento dos meios de transporte urbanos, etc.)
Por todo o mundo civilizado estas medidas estão a ser equacionadas com bons resultados, porquê então nada se faz por cá nesse sentido?
Talvez porque isso obrigaria os governantes a pensar coisa que duvido saibam fazer...
Um abraço amigo.

A. João Soares disse...

Caro Luís,

Fizeste aqui um texto esmerado, uma análise muito interessante que bem a podes publicar no teu blog. Os gastos que o Estafo faria nesses pólos, seria um investimento muito rentável cujos dividendos seriam traduzidos num melhor aproveitamento do solo para agricultora, silvicultura floricultura (em estufas) produção de carne e leite, etc, ao que se seguiria a industrialização dos produtos colhidos.

Mas como dizes, ou sugeres, os políticos carecem de inteligência bem exercitada pata fazer planos coerentes e realistas. Aqueles que parecem ser criativos, não são praticantes. Não têm capacidade de concretização. Pelo menos os resultados mostram que assim é.

E, para cúmulo, cercam-se de assessores que apenas servem para elogiar os chefes em vez de suprirem as suas incapacidades.

Um abraço
João
Sempre Jovens