Portugal e o futuro
Diário de Notícias. 20100621. João César das Neves
Acaba de ser divulgado o último relatório da Fundação Richard Zwentzerg, instituto internacional dedicado aos estudos lusitanos. Como sempre, o texto só é acessível através do DN e não deve ser procurado por outros meios. Desta vez, o tema é o grau de sustentabilidade do desenvolvimento português. Seguem-se extractos relevantes do texto.
"Uma questão inicial que alguns espíritos mesquinhos colocam é a de saber como pode analisar-se o grau de sustentabilidade do desenvolvimento de um país que não está em desenvolvimento. A maioria dos analistas não liga a este pormenor, mas em nome do rigor devemos então dizer que o relatório considera a sustentabilidade do desenvolvimento que Portugal teria se estivesse em desenvolvimento.
"Uma outra questão prévia tem a ver com o facto de, dado o número de óbitos ser maior que o de nascimentos, o país não só não está em desenvolvimento como se encontra em vias de extinção. Durante uns anos, isto foi disfarçado pela forte imigração, mas ultimamente o fenómeno inverteu-se, e não só a atracção de estrangeiros se esfumou como começou uma intensa e acelerada emigração. Dado a taxa de fertilidade ser a mais baixa da Europa Ocidental e das mais baixas do mundo, um dos nossos especialistas afirmou mesmo que, em vez de um relatório de sustentabilidade, o que Portugal precisa é de uma comissão liquidatária.
"Isto seria suficiente para criar enorme preocupação, ou até depressão e pânico na maior parte dos países civilizados. O mais curioso é que a sociedade portuguesa se mantém alheia a estas questões decisivas, que não preocupam minimamente os indígenas. Estes encontram-se envolvidos em enormes debates acerca de comboios, escutas, futebol e homossexuais. Pode dizer-se que o melhor factor de sustentabilidade em Portugal é a inconsciência.
"Passando à análise concretas das políticas de sustentabilidade, os nossos peritos constataram com surpresa e prazer a profusão, profundidade e qualidade dessas intervenções em Portugal. O país tem regulamentos, portarias, decretos e requisitos que condicionam, promovem e orientam todas as dimensões de sustentabilidade que constam dos nossos manuais do tema, e até algumas em que nem tínhamos pensado. Além disso, cada um desses articulados dispõe de um pequeno exército de fiscais que inspecciona, espiolha, julga e pune os cidadãos, com vigor e exuberância. Pode não haver desenvolvimento, mas há uma imposição esmagadora das regras de sustentabilidade.
"Claro que, no meio de tanta actividade, não pode pedir-se coerência entre essas medidas. É verdade que as exigências de equilíbrio ambiental chocam com os direitos dos trabalhadores, a defesa do consumidor impede a emancipação da mulher e a biodiversidade, a eficiência energética perturba a promoção da produtividade e da justiça social, o desenvolvimento da cultura e a defesa do património bloqueiam o combate à obesidade, tabagismo, desertificação e absentismo. Com tantas restrições e exigências, é fácil de ver que a única hipótese que a sustentabilidade permite é o desenvolvimento nulo. E tem sido precisamente no sentido desse vácuo que a política nacional se tem orientado nos últimos anos.
"Os sinais de contradição são miríade.
- Portugal é campeão de energias renováveis mas os custos, mesmos disfarçados, mostram porque é que mais ninguém quer tê-las. Multa-se o corte de sobreiros, mas subsidiam-se os abortos.
- Dificultam-se os despedimentos e facilita-se o divórcio.
- Perseguem--se fumadores e excesso de velocidade, mas promove-se pornografia e promiscuidade.
- Profissionais, com formação que custou milhões e ainda mais 20 anos de vida útil, reformam-se no pleno das capacidades.
- Os portugueses têm muito cuidado com o que metem nos pulmões e no estômago, mas não ligam ao que metem no cérebro.
"Este relatório dá nota máxima a Portugal em todos os requisitos de sustentabilidade. Não pode exigir-se mais de um país que até dá lições a outros mais ricos. Seguindo este caminho, Portugal não tem futuro. Mas, enquanto existir, é exemplo para o mundo."
Imagem da Internet
4 comentários:
Caro João,
Este texto reflete em pormenor o FAZ-DE-CONTA em que vivemos!!!
Difilmente se poderia dizer coisa mais acertada e de forma tão clara e sucinta... Portugueses abram os olhos e saibam o que devem fazer quando forem chamados às urnas!!!
MAIS DO MESMO É QUE NÃO!!! JÁ CHEGA!!!!!
Um abraço amigo.
Caro Luís,
Não vejo que isto se resolva com a troca de cabeças pensantes, porque estão todos viciados num sistema de comportamentos sem ética.
A solução passa por mudar tal sistema e, para isso, há que adoptar e oficializar um Código ou compromisso alargado e duradouro, como tem sido aqui preconizado por diversas vezes e com diversos títulos, mas sempre com a mesma ideia.
Os políticos precisam de evidenciar a cada momento mais sentido de Estado e sentido das responsabilidades.
Um abraço
João
Seremos um exemplo, mas um mau exemplo. O Estado intervém demasiado mas deixa impunes todos os que causam verdadeiro mal ao conjunto de cidadãos, detruindo o país, explorando o próximo e sobrecarregando a maioria com impostos , apenas para satisfazer clientelas.
Demasiadas regras confundem e deixam escapar os tubarões.
Cumps
Caro Guardião,
É mesmo isso. Mas eles é que fazem as leis e têm o cuidado, na sua falta de ética, de as fazer à medida dos interesses deles e das sua claque. Agem com procedimentos parecidos com os que definem um bando. São eles quem aprovou a Lei do financiamento dos partidos. Foram eles que aprovaram o comportamento do autor da «Acção Directa» que surripiou os gravadores dos jornalistas. São eles que têm anulado o funcionamento das comissões parlamentares de inquérito. Etc. etc.
Um abraço
João
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