As couves de Bruxelas
Jornal de Notícias 21 de Dezembro de 2009. Por Mário Crespo
Uma coligação acomodada em Estrasburgo incomodou-se com a actividade parlamentar do CDS-PP.A esquerda portuguesa no Parlamento Europeu uniu-se contra Nuno Melo por uma questão de etiqueta.
PS, PCP e BE acham que não foi de bom-tom interpelar o Procurador Lopes de Mota no plenário em Estrasburgo sobre a sua tentativa de manipulação da justiça.
De lado ficaram as históricas diferenças das Internacionais catalogadas por números. Acabaram-se as subtis variantes do que deve ser um matrimónio entre dois homens ou duas mulheres. Foram-se as vibrantes divergências programáticas dos enunciados de Engels, Bakunin e Trotsky. Tudo porque estão envergonhadíssimos com o ultraje às boas maneiras que foi o questionamento do CDS-PP ao Presidente do Eurojust.
Estranha a coligação, perigosa a deriva para o comodismo das conveniências que, simultaneamente, Ilda Figueiredo (PCP), Correia de Campos e Edite Estrela (PS) e Miguel Portas (BE) denotaram ter.
Todos puxaram pelos galões de apparatchiks instalados para, com o olho crítico de conhecedores da inacção prolongada, lançar uma excomunhão conjunta sobre Nuno Melo por ter levantado o tema.
Traduzida por miúdos, a reacção do grupo expedicionário da Esquerda Portuguesa foi: aqui não se fazem ondas. Come-se e cala-se.
Correia de Campos achou a interpelação a Lopes da Mota "parola e reveladora de atraso cultural". O antigo Ministro de Sócrates sentia-se confortável com um alto magistrado de Portugal com poderes condicionados pelo seu comportamento no Freeport à frente do Eurojust. Mas acha mal que o assunto, já do conhecimento de toda a Europa, seja abordado no Parlamento Europeu.
Isso, para Correia de Campos, é atitude que "prejudica a posição e o prestígio do País", rematando com um notável "no estrangeiro somos todos descendentes de Vasco da Gama".
Certo. Seremos isso. Mas essa estirpe ilustre não nos obriga a ser cúmplices de Lopes da Mota nas irregularidades que o Conselho Superior do Ministério Público detectou. Pelo contrário. A distinção dessa linhagem manda que se usem todos os meios para não deixar que o nome de Portugal e a dignidade das suas instituições sejam melindrados às mãos de terceiros.
Compete a portugueses interpelar, julgar e condenar Lopes das Mota. Ilda Figueiredo e Miguel Portas alinharam com paixão no Auto de Fé dos zelotes deste PS de boas maneiras. Para Portas, o Deputado do CDS-PP fez tudo para ter direito a "10 segundos de glória nos Telejornais" (teve muito mais. Só eu dei-lhe 2' e 11"). Para o Partido Comunista Português as denúncias de Nuno Melo seriam "fenómeno passageiro" de político habituado a São Bento mas desconhecedor das diferenças com Estrasburgo, disse a repetente comunista em Bruxelas.
Para usar a terminologia de Correia de Campos: que "entendimento parolo" das suas funções e dos seus deveres na Europa terão adquirido estes veteranos da acomodação política? Será que a vegetativa existência de que desfrutam há tantos anos lhes destruiu o bom senso? Será que não vêm que ter um jurista suspeito (e agora culpado) de pressões ilegais à frente de um órgão judiciário internacional exige interpelações parlamentares sempre que possível? Será que não vêm que foi melhor e mais digno serem portugueses a fazê-las do que outros que as fariam de certeza, mais cedo ou mais tarde?
NOTA: Mais um artigo a condizer com a imagem já conhecida do seu autor, português atento, perspicaz, frontal, sem se deixar manietar pelo «comodismo das conveniências», sem se vergar perante «estes veteranos da acomodação política». Precisamos de homens como este, «descendente da geração de Vasco da Gama», que tenham a coragem de dizer que «o rei vai nu».
"Cancelamentos culturais" na América (4)
Há 7 horas
6 comentários:
É de facto notável a lucidez deste senhor. Jornalista respeitado, e com grande sentido de estado. Julgo em Portugal não haver quem consiga por em causa o que escreve, porque o que escreve é tão somente a VERDADE.
Abraços amigo, do Beezz
Caro Beezz,
São precisos mais portugueses inteligentes e corajosos para formarem uma elite intelectual, isenta, com sentido das responsabilidades e muito amor a Portugal, que se esforcem para acordar os cidadãos e os levar a pensar pela própria cabeça para analisarem as realidades sem se deixarem condicionar por propagandas falaciosas.
Para começar, é preciso transparência e verdade, por forma a deixarmos de viver com suspeitas de pessoas que, pela sua função, deviam ser merecedoras de total confiança.
As dúvidas e as suspeitas corroem a confiança. As atitudes dos eurodeputados aqui referidas, retiram-lhes toda a confiança que neles devíamos depositar. Afinal em que ponto da escala das suas prioridades estão os interesses nacionais que devem estar acima de qualquer ambição partidária?
Abraço
João
Amigo João;
Eu não perco o Mário Crespo no JN às primeiras horas de segunda-feira.
Bj
I.
Caríssimos Amigos,
Eis um Jornalista sério que se está a arriscar uma vez mais por dizer Verdades. Já uma vez foi exilado para os EUA para o calarem, mas ele regressado que foi tem mantido a sua Verticalidade dando mostras que não teme as pressões a que o sujeitam! Belo artigo de opinião e muito acertado. Que bom seria que os responsáveis pela nossa "governação" aprendessem com ele as lições que ele transmite continuadamente!
Um abraço amigo.
Amigo João Soares,
Já tinha comentado este texto e, provavelmente, não fiz "enviar". É as pressas ... Mas eu repito, pegando nesta parte do texto de Mário Crespo:
" ... rematando com um notável "no estrangeiro somos todos descendentes de Vasco da Gama". Certo. Seremos isso. Mas essa estirpe ilustre não nos obriga a ser cúmplices de Lopes da Mota nas irregularidades que o Conselho Superior do Ministério Público detectou. Pelo contrário. A distinção dessa linhagem manda que se usem todos os meios para não deixar que o nome de Portugal e a dignidade das suas instituições sejam melindrados às mãos de terceiros".
Bem, meu amigo, estou muito de acordo com o que escreveu Mário Crespo, especialmente nesta parte. Se não estamos atentos, perderemos completamente essa dignidade de sermos descendentes de Vasco da Gama ...
Um abraço.
Maria Letra
Este artigo coloca-nos perante uma realidade muito triste: Os nossos políticos não estão mentalmente preparados para «governar» Portugal e defender os portugueses, por isso, não têm ideias bem definidas, coerentes e ora defendem uma coisa que parece defensável, ora defendem o seu contrário com argumentos que nem ao diabo lembram.
Os interesses do partido estão sempre acima dos dos portugueses, dos interesses nacionais. E os interesses do partido raramente coincidem com os do País, são sempre contra os outros partidos. As tricas, as intrigas são a sua estratégia e, por isso, navegam em zigue-zague, para estarem sempre contra os outros, contra as iniciativas dos outros mesmo que elas sejam altamente convergentes com os interesses nacionais.
Porém, há momentos em que eles falam verdade: é quando no Parlamento ou em campanhas eleitorais chamam os piores nomes aos seus rivais. Eles conhecem-se e sabem porque o dizem. São todos, salvo eventuais excepções, uns pulhas.
Beijos
João
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