Transcrição de texto recebido por e-mail do autor, Barroca Monteiro (ex-ajudante de campo do PR Ramalho Eanes em 1981-83).
Porquê um conflito institucional disfarçado (?), entre dois dos mais altos dirigentes do Estado, Presidente da República e Primeiro-Ministro?
Sendo estes atritos recorrentes em Portugal, desde o início do regime, mas raros nos regimes democráticos aliados, pergunta-se qual o seu contributo para um melhor governo do país?
Qual o significado das faltas de sintonia entre dois dirigentes da cúpula do Estado, como? Porquê? e até quando?
Sem a cristalização mental dos filiados em partidos políticos, tenta-se encontrar uma explicação a dois tempos: política (de organização) e pessoal (de personalidades).
Explicação política: Sendo o Presidente eleito por sufrágio directo que leva ao estabelecimento de um elo de ligação particularmente forte com o eleitorado (o seu eleitorado, embora numa perspectiva supra partidária) e sendo dotado de um poder limitado, é estranho que se cerque de um staff de propensão presidencialista, cuja composição permite ter ali um pequeno governo sombra. Para quê?
Tirando o caso do primeiro PR eleito (general Eanes), vindo de fora do sistema partidário e no período de consolidação do regime, que vantagens resultaram dos conflitos políticos dos posteriores PR (Soares, Sampaio) com os sucessivos governos do país?
Careciam tais governos da vigilância e correcção pontual do PR?
Será o PR de um regime democrático a entidade mais ajustada para essa correcção?
No actual mandato presidencial, foi notório o PR a corrigir Governo e AR no caso do estatuto dos Açores, além de outras atitudes semelhantes.
Isto parece proveniente de uma dinâmica pouco salutar desenvolvida desde o início do regime, para satisfação fácil das corporações, sejam profissionais (no Estado) ou políticas (partidos), ou autárquicas (continente/ilhas), traduzida em algumas atitudes a destoar no sistema. Têm-se verificado da parte do PR tomadas de atitudes e decisões, desagradando a partidos e interesses há muito habituados a satisfazer aspirações políticas ou outras, por uma questão de simpatia (dividendos/votos).
Também ocorrem alguns reparos à dinâmica do governo no campo da economia e finanças (investimentos e endividamento públicos, obras públicas), como as referências por vezes tímidas no caso do futuro aeroporto de Lisboa, do natural consequente desagrado do PM e outros interesses.
Com tal dinâmica, em vez de um regime político adulto, com órgãos de soberania vivendo sob o clima de confiança que se encontra na generalidade dos países europeus, temos um regime onde o PR parece destinado a vigiar, controlar e corrigir o governo. Esse efeito acaba por surgir espontaneamente devido ao facto de a Presidência da República estar dotada de um pequeno governo sombra (casa civil), cuja existência seria aliás difícil de admitir, se não servisse para nada.
Será de admirar que a Presidência da República, dotada de tal «governo sombra» se julgue destinada a vigiar, corrigir ou emendar iniciativas governamentais, particularmente quando com origem em governos de partidos de cor política oposta (Soares, Sampaio, Cavaco)? Não servirá essa estrutura para o emprego de apoiantes das candidaturas presidenciais, do candidato a PR e dos partidos apoiantes?
Explicação de ordem pessoal: Os atritos são prováveis quando acontece como agora o Presidente ter personalidade diametralmente oposta à do seu/nosso PM, agravada pela diferença de idade, pelo percursos académicos, profissionais e políticos, partidos de origem e teimosia irredutível.
São dois actores cultural, profissional e politicamente antagónicos, nomeadamente na perspectiva económica e financeira para o futuro. Embora com papeis constitucionalmente delimitados, nem por isso imunes a que os PR se permitam surgir perante o eleitorado em posições antagónicas em relação aos PM. Daí, a necessidade de criar um estilo que passe pela «cooperação estratégica» do PR ou pela «cooperação institucional» do PM.
De entre os termos usados pelo PR na tomada de posse do Governo, que veio posteriormente a reutilizar, a chamada de atenção para o «carácter» na conduta dos actores políticos, diz muito do que se pode suspeitar das relações entre os actores políticos do momento.
E perante isto, a Assembleia da República existe? Será que, cumpre o seu papel de fiscalização do governo, quando as oposições desaprovam as políticas do governo, porque sim, sem apresentarem alternativas para bem de Portugal?
As últimas tomadas de posição das oposições são significativas ao questionar o governo sobre decisões de há anos, como compras militares; processo do computador Magalhães; venda das prisões, etc. Mas tinham estado mudos e calados quando o governo tomou tais opções, tal como outras: futuro aeroporto de Lisboa na Ota; rede de auto estradas ou de comboio de alta velocidade.
Num parlamento sem controlo e com deputados dados a demasiado «trabalho político» fora da AR, falta naturalmente o tempo: para estudar, investigar, criticar denunciando más opções e propor alternativas consistentes.
Com deputados absentistas, em part time e pouco dados ao trabalho de casa, permitindo soluções abortistas como a da Ota ou a sementeira de auto-estradas do governo, quem sobra no sistema senão o PR?
Como chegou o governo à conclusão de que iria haver no TGV Lisboa Madrid, 25 mil passageiros por dia, 12 mil em cada sentido?
P.S.: o vigente sistema semi-presidencial (híbrido), poderia começar desde já a ser pensado para inserir na próxima revisão constitucional. Naquilo que é tão habitual no país, a AR já se manifestou, aprazando a revisão da CRP para mais tarde. Entretanto, a crise institucional, a par da económica, podem continuar!
A bem do Regime.
Barroca Monteiro
NOTA: Acho muito interessantes estas reflexões de quem viveu estes problemas por dentro do palácio, com as quais em grande parte concordo, depois de ter feito parte do gabinete civil da presidência em 1975-76. Depois dessa data conturbada muita coisa mudou, como é lógico, mas houve distorções e indefinições que são altamente nocivas para o País, por acabarem por se reflectir no desempenho das funções das mais altas instituições do regime. A Constituição da República Portuguesa precisa de uma revisão muito profunda, sem paixões partidárias mas com o pensamento em Portugal, para clarificar a estrutura do Estado e assegurar um futuro mais tranquilo e de progresso.
DELITO há dez anos
Há 3 horas
6 comentários:
Caro João,
Partilho das tuas ideias a Contituição precisa de ser revista pois é por demais evidente que enferma de erros e vicios que devem ser extirpados e quanto mais cedo melhor!
Texto bem fundamentado por quem viveu esses problemas por dentro!
Infelizmente os "partidos" preferem estas "águas pôdres" para irem sobrevivendo nas confusões e nas corrupções!!! Há que ter coragem política para acabar com este estado de coisas!
Um abraço amigo.
Caro Luís,
Como é que uma Constituição defende a democracia mas impõe uma via ideológica?
Esta é mais estúpida ainda do que a Revolução Francesa que, ao defender a igualdade em simultâneo com a liberdade fez cair a grande potência europeia para um lugar secundário, enquanto ao mesmo tempo a Revolução Americana, dando primazia à liberdade de cada um ser feliz conforme os seus méritos, transformou uma colónia na maiorm potência mundial.
A actualização da CRP é uma decisão colectiva de grande responsabilidade em que é preciso muito sentido de Estado e capacidade de esquecer por uns momentos os interesses partidários e pessoais.
Um abraço
João
Caro João Soares.
Nesta questão dos actuais atritos entre Belém e S. Bento inclino-me mais para motivações de natureza pessoal do Presidente da República e do Primeiro-Ministro do que para causas com origem em insuficiências da CRP. Lembro dois exemplos.
Primeiro, o do Estatuto dos Açores. O PR, a quem assistia uma forte razão para rejeitar o diploma, resolveu tratar a matéria de forma aparatosa e enviesada, nunca se tendo percebido porque escolheu o caminho que tomou, a menos caprichosas razões pessoais de afirmação. Por seu lado, o P-M e o PS, enviesados também, no que concerne a sentido de estado e ao respeito pelos cidadãos, entenderam por bem forçar a matéria até à última, em dispensáveis e ridículas afirmações de poder. A CRP, neste caso, fazia parte da solução.
Segundo, o problema das escutas. Talvez nunca venha a saber-se por que motivo a Presidência da República começou por trazer para os jornais a sua eventual suspeita nem se consiga descodificar a incompreensível comunicação final do PR. Certo é que o PR, pela acção, e o P-M, pelo fingido alheamento, andaram a brincar com os portugueses enquanto dirimiam problemas pessoais. Neste caso a CRP também ajudaria, permitindo até ao PR despedir o P-M, se a suspeita viesse a ser provada.
Isto não quer dizer que não seja bem preciso rever a CRP, que tem coisas desnecessárias e é omissa quanto a outras bem importantes, nomeadamente as que permitam responsabilizar e penalizar os mais altos agentes políticos por actos de mistificação, como aqueles que se entrevêem nos dois exemplos anteriores. Julgo que entre nós, Nixon e Bill Clinton, em que o facto de terem mentido foi muito relevante, não sofreriam mais do que algum escândalo levantado pelos meios de comunicação social, nunca tendo de se demitir ou retractar.
Um abraço.
Pedro Faria
Caro Faria
A Constituição foi imposta aos portugueses num período conturbado, de compreensível insensatez e só admira não ter ainda sido ajustada a uma democracia mais madura. A estrutura do poder também devia ser acautelada, pois a Presidência não precissa de um staff tão pesado. Alguma coisa acabam por fazer, o que pode trazer complicação para a engrenagem.
Quanto a questões pessoais, começa a haver razão para concordar com quem diz que são uns adolescentes imaturos a brincar com coisas sérias e que afectam a vida de todos os Portugueses. Todos aconselham «juizinho» aos outros e todos merecem ser aconselhados nese sentido. Perdem tempo a falar de ninharias, talvez por falta de capacidade e competência para olharem para os problemas graves do país e procurarem soluções válidas.
As coisas não melhoram por milagre mas sim por esforço bem aplicado e bem orientado. Uma força define-se por um ponto de aplicação e um sentido. É preciso ver bem onde vamos aplicar o nosso esforço e em que sentido o vamos orientar, para qual objectivo vamos lutar.
Não desperdicemos recursos em acções não produtivas. Não criemos nada que seja apenas de ostentação e que depois vá originar despesas de manutenção e de funcionamento que não sejam cobertas pelo resultado deste.
Caro Faria, O seu comentário é um texto cuidadoso com conteúdo, ao contrários das palavras dos políticos que falam muito sem nada dizerem. O que dizem é pura água destilada. Precisamos de gente que quando fala diga algo de útil, importante. Se o que querem dizer vale menos do que o silêncio prefiram este.
Um abraço e votos de Bom Ano
João
CAro amigo João, este exemplo é o de que realmente temos em Portugal a mandar, a conduzir os destinos do País. Parece-me sensato que as palavras do autor do texto, conhecedor profundo dos meandros, seja de esclarecimento e não de acutilamento. Eu, no entanto, quanto a esses dois senhores retratados no post, tenho uma ideia muito própria, mas que por respeito a si, e ao seu espaço, não a vou aqui transcrever.
Creio que a maioria, informada ou não, dos Portugueses já estão a assobiar pró lado qaunto às triquices destes dois, ou de outros dois quaisqueres no lugar destes, isso vê-se na adesão às urnas de voto.
Um excelente ano novo para si e para a Família.
@Beezz
Carlos Rocha
Caro Carlos Rocha,
Obrigado pelos seus votos de Bom Ano Novo.
Quanto a dizer o que se pensa, realmente, por Amor a PORTUGAL, não devemos dizer tudo o que pensamos e nem empregar as palavras que merecem.Mas repare que nem é preciso, pois basta estar atentos ao que se diz na AR, perante os olhos da TV, para vermos os maus representantes que alguns portuguses elegeram. E quanto ao desprezo que o povo lhes dedica, os números de que os políticos tanto gostam, mostram friamente que o partido que governa teve o voto de apenas vinte por cento (20%) doe eleitores inscritos Representa a vontade de apenas um em cada cinco. Numa equipa de futebol, em média, menos de três o apoiam!!!
É pena o Ricardo Rodrigues não olhar para essa realidade.
Um abraço
João
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