Recebi agora por e-mail este artigo que se refere a um nenúfar no meio do pântano. É oportuno que esqueçamos apenas por uns minutos a Face Oculta e meditemos neste exemplo, do outro extremo, de decência, seriedade, honradez, sentido de Estado.
Seres decentes
Por Fernando Dacosta, na revista Tempo Livre, nº 82 de Outubro de 2008
Quando cumpria o seu segundo mandato, Ramalho Eanes viu ser-lhe apresentada pelo Governo uma lei especialmente congeminada contra si.
O texto impedia que o vencimento do Chefe do Estado fosse «acumulado com quaisquer pensões de reforma ou de sobrevivência» públicas que viesse a receber.
Sem hesitar, o visado promulgou-o, impedindo-se de auferir a aposentação de militar para a qual descontara durante toda a carreira.
O desconforto de tamanha injustiça levou-o, mais tarde, a entregar o caso aos tribunais que, há pouco, se pronunciaram a seu favor.
Como consequência, foram-lhe disponibilizadas as importâncias não pagas durante catorze anos, com retroactivos, num total de um milhão e trezentos mil euros.
Sem de novo hesitar, o beneficiado decidiu, porém, prescindir do benefício, que o não era pois tratava-se do cumprimento de direitos escamoteados - e não aceitou o dinheiro.
Num país dobrado à pedincha, ao suborno, à corrupção, ao embuste, à traficância, à ganância, Ramalho Eanes ergueu-se e, altivo, desferiu uma esplendorosa bofetada de luva branca no videirismo, no arranjismo que o imergem, nos imergem por todos os lados.
As pessoas de bem logo o olharam empolgadas: o seu gesto era-lhes uma luz de conforto, de ânimo em altura de extrema pungência cívica, de dolorosíssimo abandono social.
Antes dele só Natália Correia havia tido comportamento afim, quando se negou a subscrever um pedido de pensão por mérito intelectual que a secretaria da Cultura (sob a responsabilidade de Pedro Santana Lopes) acordara, ante a difícil situação económica da escritora, atribuir-lhe.
«Não, não peço. Se o Estado português entender que a mereço», justificar-se-ia, «agradeço-a e aceito-a. Mas pedi-la, não. Nunca!»
O silêncio caído sobre o gesto de Eanes (deveria, pelo seu simbolismo, ter aberto telejornais e primeiras páginas de periódicos) explica-se pela nossa recalcada má consciência que não suporta, de tão hipócrita, o espelho de semelhantes comportamentos.
"A política tem de ser feita respeitando uma moral, a moral da responsabilidade e, se possível, a moral da convicção", dirá. Torna-se indispensável "preservar alguns dos valores de outrora, das utopias de outrora".
Quem o conhece não se surpreende com a sua decisão, pois as questões da honra, da integridade, foram-lhe sempre inamovíveis. Por elas, solitário e inteiro, se empenha, se joga, se acrescenta - acrescentando os outros.
"Senti a marginalização e tentei viver", confidenciará, "fora dela. Reagi como tímido, liderando".
O acto do antigo Presidente («cujo carácter e probidade sobrelevam a calamidade moral que por aí se tornou comum», como escreveu numa das suas notáveis crónicas Baptista-Bastos) ganha repercussões salvíficas da nossa corrompida, pervertida ética.
Com a sua atitude, Eanes (que recusara já o bastão de Marechal) preservou um nível de dignidade decisivo para continuarmos a respeitar-nos, a acreditar-nos - condição imprescindível ao futuro dos que persistem em ser decentes.
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Um Homem honrado, como poucos
Publicada por A. João Soares à(s) 09:24
Etiquetas: honradez, sentido de Estado, seriedade
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Ya en su momento se elogió la actitud del gran Ramalho Eanes.
realmente, um raio de luz, neste pais mergulhado na penumbra!
Recebi. por e-mail, este comentário
«Neste pobre País em que campeia a corrupção intocável, há abusos e “orientanços” imorais e são afastados da vivência os valores da honradez e idoneidade, volta e meia surge uma atitude que deveria ser devidamente posta em destaque nas estações de TV e restantes órgãos da comunicação social.
Mas tal não acontece, pois tal difusão seria considerada como um mau exemplo e vinha pôr em cheque o miserável grupelho dos políticos e jornalistas comprados!
O exemplo ímpar do General Ramalho Eanes, honra, antes de mais, as Forças Armadas de Portugal e deveria ser mostrada como padrão a seguir!
Mas não, nada disto aconteceu!
Não interessa a quem está no poleiro, que tão “maus exemplos” sejam conhecidos!
José Morais da Silva»
Obrigado Caro Morais da Silva
Feliz Natal
João
Enviar um comentário