domingo, 2 de maio de 2010

E se o País chega à bancarrota?

Apesar do meu esforço para alimentar o optimismo, transcrevo este texto porque não se deve continuar indiferente à gravidade da crise. É preciso começar a aprender, muito a sério, a gerir os problemas que estamos a enfrentar, a viver com o quase nada de que dispomos. No fim do artigo aparecem alguns conselhos úteis.

Portugal endividado. E se o país chegar à bancarrota?
Jornal de Notícias, 202-05-2010. Cláudia Luís

Chovem pedidos de socorro de famílias sobreendividadas na Deco. E se Portugal falir? O que fazer?

Só este ano, 833 pedidos de ajuda de famílias sobreendividadas chegaram à Deco - Associação de Defesa do Consumidor. O número de processos é progressivamente maior desde há dez anos, quando a crise actual começou, e (quase) ninguém deu por nada. Hoje, é (quase) tarde de mais. Desemprego, doença e deterioração das condições laborais são as três grandes causas que levaram estas famílias a escrever, em Março, à Deco.

Numa dessas cartas, lê-se: "Há meses que supero, pois vou a tudo. Muitas vezes até dou serventia em obras. Vale tudo. Mas, ultimamente, estou desesperado, pago as contas com atraso, o que me tira o sono e me dá vontade de abandonar tudo. É só ameaças, ofensas nos telefonemas das concessionárias de crédito". O desespero mantém-se numa outra missiva: "O que posso fazer para conseguir que o banco analise o meu processo? Podem ajudar-me? Estou um pouco desesperada, porque sempre que encontro uma solução, fecham-me as portas e já não sei o que fazer".

Crédito à habitação, crédito automóvel, cartões de crédito para pagar cartões de crédito. A espiral não tem fim.

Portugal é notícia no Mundo, porque, alegadamente, corre risco de entrar em bancarrota. Enquanto políticos e governantes ensaiam manobras de confiança para os mercados internacionais, a classe média portuguesa suplica por ajuda. E se o país falir? Como será se Portugal entrar em bancarrota?

Há histórias assustadoras de países que abrem falência e de famílias de classe média que tinham quase tudo e ficaram sem quase nada. Mas até parece que essas histórias acontecem só - lá longe - aos outros países. Será que Portugal pode, mesmo, falir? O que é isso de falir um país inteiro? Não passará tudo de mais um caso de alarmismo? O economista Pedro Santa-Clara responde: "Não é só alarmismo, não. A situação é verdadeiramente séria".

Avancemos, então - e sem medos - para o mundo das finanças. Seremos guiados por peritos que nos explicarão tudo o que está a acontecer ao nosso país e às nossas vidas. Se tem uma aversão natural aos temas económicos, está a ler o texto certo, no momento certo. Avancemos.

Então, como pode um país falir? Pedro Santa-Clara, docente na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, explica: "Um país entra em falência quando consome mais do que produz. Enquanto tiver quem empreste, pode continuar neste esquema. Quanto deixar de ter, ou passa a consumir menos e a produzir mais ou não cumpre e abre falência".

No caso de uma empresa, quando abre falência é "decretado o seu fim". Mas os países não são empresas. Segundo o economista João Loureiro, "um Estado pode entrar em incumprimento, mas isso nunca implicará o fim do país. Os países não acabam pelo facto de os respectivos governos entrarem em incumprimento".

Tal e qual uma família falida

Como funciona um país, cujo Governo entrou em incumprimento? "O país fica com muito má reputação e deixa de ter crédito. Mesmo que continue a haver algum, passa a ser a taxas de juro muitíssimo elevadas". João Loureiro, docente da Universidade do Porto, alerta ainda para "um contágio a todos os agentes económicos do país" - bancos incluídos -, que "também perdem acesso a crédito nos mercados internacionais". Enquanto isso, os clientes dos bancos, todos nós, também não conseguem os seus empréstimos.

Ora, daqui se conclui que o factor credibilidade é muito importante nesta matéria. Os países precisam de ser credíveis para serem saudáveis. Pedro Santa-Clara, confirma que é mesmo "essencial". E explica que "o mesmo se passa com uma família em falência: perde credibilidade para o futuro, o que torna difícil voltar a conseguir um empréstimo". E lembra o caso da Argentina, que, passados tantos anos, ainda não tem acesso aos mercados internacionais.

Com o euro, tudo é mais sentido

Fala-se em bancarrota. E na possibilidade da bancarrota portuguesa. Na realidade, quando se usa a expressão bancarrota, "pode interpretar-se como sinónimo de falência, mas também pode ser um sinónimo de incumprimento: uma situação em que quem deve não honra os compromissos". Contudo, frisa, João Loureiro, "incumprimento não é, necessariamente, falência".

A actual situação não é uma estreia para os portugueses. E talvez o caso mais semelhante tenha ocorrido nos anos 70 e 80 do século passado. Na época, o Governo também entrou em incumprimento; logo, "o estrangeiro cortou o crédito ao Estado, às empresas e aos bancos", lembra o docente do Porto.

Só que, na época, havia o escudo. Então, o Fundo Monetário Internacional (FMI) emprestou dinheiro ao Governo português, impondo uma série de condições. Uma delas era a "desvalorização da moeda, o que facilitava a venda dos nossos produtos no estrangeiro, mas tornava mais caras as nossas importações", ressalva o investigador.

Hoje, com o euro, tudo é diferente. "Tudo é mais sentido pelas pessoas", defende Santa-Clara. "O mesmo bem custa mais 30% em Portugal do que na Alemanha. É imperativo aumentar a produtividade. Ou isso ou diminuir os salários". Por isso, o economista sublinha a necessidade de sensibilização dos sindicatos, aproximando-os aos modelos do Norte da Europa.

Com o euro, "os países deixam de poder emitir moeda, pois esse poder está confiado ao Banco Central Europeu, cujos estatutos impedem o financiamento monetário dos défices públicos", acrescenta o economista Pedro Bação, professor na Universidade de Coimbra.

Onde fica a saída, p.f.?

Siga as placas da boa reputação. Dizem os peritos que, enquanto o Governo, as empresas, os bancos e as famílias mantiverem credibilidade, os credores mantêm os seus empréstimos. E, enquanto assim for, Portugal não corre risco de insolvência.

Mas todo este processo de manutenção da credibilidade de um país leva anos e sustenta-se num frágil conceito de "expectativa". Santa-Clara insiste: "Quando deixa de haver expectativa, deixa de haver credores. As pessoas têm tendência a perceber mal o facto de tudo poder mudar de forma repentina".

Assim, há placas a apontar vários caminhos para a saída. A via do aumento de impostos é uma delas, mas isso "poderá estar limitado pelos efeitos políticos e sociais", previne Pedro Bação. Pode escolher-se o caminho do apoio de outros países e instituições como o FMI, tal como fizeram a Islândia e a Grécia. Ou pode, "pura e simplesmente", seguir-se a placa sem saída e "não conseguir ter os meios para cumprir as obrigações", conclui o especialista. De qualquer forma, há um imperativo: "Um país falido tem que reduzir drasticamente o nível de consumo e investimento".

Que consequências nas nossas vidas?

Imagine-se agora que Portugal faliu, em bom rigor, que entrou em incumprimento: o que acontece a uma família de classe média já sobreendividada?

Para começar, explica o docente de Coimbra, "as famílias com dívidas ao banco sofrerão, certamente, um aumento dos juros". Depois, comprar casa será um desafio maior para "conseguir o crédito desejado". De forma mais simples: seja um Estado, uma empresa ou uma família, a única forma de agir neste cenário é "passar a gastar só o que se tem", diz João Loureiro.

Por sua vez, Santa-Clara ressalva a existência ainda de cenários possíveis. Um dos mais favoráveis será "a renegociação com os credores, diminuindo o plano de pagamentos para algo suportável, o que não é fácil. O pior dos cenários passa pela perda de confiança generalizada. Haverá corrida aos bancos; incumprimento desordenado; restrições do sistema financeiro; grandes custos para o país; desemprego".

Pedro Bação generaliza: haverá uma "perda de bem-estar", que, tal como farão as famílias, obrigará o "Estado português a diminuir a sua dimensão". Na prática, e segundo o docente de Coimbra, o Governo terá que "cortar nos empregos do sector público, nos salários ou mesmo no fornecimento de serviços públicos e prestações sociais. Ou aumentar os impostos". Em suma: do emprego aos rendimentos, "é possível que tudo piore significativamente".

3 comentários:

Luis disse...

Caro João,
Post que obriga a uma profunda reflexão coisa que os nossos (des)governantes não sabem fazer!
A classe média afundou-se e com ela o nosso País terá igual fim!
As consequências de tal situação são imprevisíveis para as familias que já estão afogadas. Acredita que fiquei sem palavras, ainda estou a mastigar o que li...
Um abraço amigo.

A. João Soares disse...

Caro Luís,

Como dizes, a coisa mais grave é a ausência de capacidade de reflexão dos governantes, a sua impreparação reforçada por uma teimosia na asneira e na irresponsabilidade arrogante.

Um ministro muito influente de Sócrates disse que nos anos 30 os EUA saíram da crise com investimento e, por isso, teima no esbanjamento de fortunas no TGV.
Ignora ou finge esquecer que investir como os americanos fizeram é empregar o dinheiro em actividades de que resultem benefícios para o povo, para a Nação, que tenha rentabilidade e desenvolva no melhor sentido o bem-estar do povo. Não é deitar dinheiro na sarjeta.

Este artigo tem interesse para as pessoas, as empresas e o Estado: Há que «reduzir drasticamente o nível de consumo e investimento» principalmente quando isso é feito à custa de recurso ao crédito e ao aumento da dívida ao estrangeiro a juros colossais. Tem que se «passar a gastar só o que se tem».
Tem que se reduzir o pessoal supérfluo que enche os gabinetes, reduzir a burocracia, parar com as tarefas não essenciais, encerrar empresas públicas que foram criadas só para empregar «boys». Reduzir ao mínimo os quadros superiores das empresas que ficarem e moralizar os gastos com salários de nababos e respectivas mordomias.

Para o pagamento da dívida, em vez do crédito externo a mais de 5% recorrer aos certificados de aforro e obrigações do tesouro a um juro um pouco inferior para cativar as poupanças dos portugueses.

Enfim, há muitas medidas a tomar mas, para isso, é preciso que os governantes coloquem os interesses nacionais acima dos interesses próprios, o que, compreendemos, lhes será difícil dado os vícios exagerados que os levaram a criar esta situação.

Um abraço
João
Saúde e Alimentação

A. João Soares disse...

Sobre o tema deste post, indicam-se links de interesse para uma análise mais abrangente

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