Este título para apresentar a transcrição do artigo de Mário Crespo, pode parecer anedótico, mas ressalta da NOTA final.
A mensagem
Jornal de Notícias 4 de Janeiro de 2010. Por Mário Crespo
O conselheiro Noronha Nascimento deu-me há dois anos uma entrevista. Falou-se dos problemas gerais da Justiça em Portugal. Numa fase mais intensa da conversa, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça invocou o "Paradigma kantiano" para sustentar a sua tese.
Perguntei-lhe o que queria dizer com isso. "Está a querer fazer-me um exame?", ripostou, irritado com a minha impertinência ou desconhecimento. Ou com as duas coisas. "Não, pergunto-lhe do alto da minha ignorância", disse-lhe deixando que a impertinência perdurasse por si na insistência da dúvida (que era genuína). Noronha Nascimento respondeu-me com uma síntese maravilhosa do modelo filosófico que tem servido para explicar tudo e o seu contrário em campos tão diversos como a astronomia, a ciência política, a teologia. Para o presidente do Supremo Tribunal o Paradigma de Kant significava (entendi eu e anotei para referência futura) que se julga "coisas" (é o termo usado por Kant) diferentes de modo diferente e "coisas" iguais de modo igual. Reside aqui toda a estabilidade do Direito.
É por isto que eu acho digno de atento registo que o presidente do Supremo tenha aposto despachos diferentes nos dois conjuntos de escutas das conversas entre Sócrates e Vara. Se o fez, foi porque considerou que são coisas diferentes. A 3 de Setembro, Noronha Nascimento considera o primeiro grupo de seis episódios de escutas que envolvem o primeiro-ministro como sendo nulas por terem sido recolhidas irregularmente. E por aí se fica. Dois meses depois instado a pronunciar-se sobre um novo grupo de cinco escutas entre Sócrates e Vara, o presidente do Supremo Tribunal adiciona às suas considerações sobre a nulidade das provas recolhidas um elemento novo: Considera que depois de avaliado este segundo conjunto de cinco escutas ele não denotava ilegalidades.
O presidente do Supremo Tribunal julga "coisas" iguais da mesma maneira. E "coisas diferentes" de modo diferente. Logo, o primeiro conjunto de seis escutas que recebeu é diferente do segundo grupo de cinco. Tão diferente que no primeiro conjunto que avaliou se limitou a considerar irregular o modo como tinha sido obtido. Declarando-o nulo por isso. Mas abstendo-se de qualquer comentário sobre valores que poderiam ser "ponderados em dimensão de ilícito penal". Tudo isso ficaria para o segundo conjunto que para Noronha Nascimento era não só inválido mas não era incriminatório. Portanto, o primeiro conjunto de seis conversas entre o primeiro-ministro e o vice-presidente do BCP que o presidente do Supremo Tribunal tinha avaliado era, apenas, "nulo". Mas poderia ter dimensões de crime. De facto, é de concluir que teria dimensões de crime. Porque ao ilibar no segundo Noronha Nascimento acusa no primeiro. A menos que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça tivesse julgado as mesmas "coisas" de modo diferente. O que não pode ter acontecido.
NOTA: Mário Crespo, na sua intenção de pureza de conceitos, tem dificuldade, tal como muita gente séria, em aceitar as politiquices de defender uma coisa e, pouco depois, defender o seu contrário, com igual intenção persuasiva.
Mário Crespo, apesar da sua inteligência muito perspicaz, parece esquecer, por momentos, que entre a bússola e o cata-vento há uma diferença essencial, enquanto na primeira a seta da agulha aponta sempre o Norte magnético, no segundo a seta indica sempre de que lado vem o vento. Interessa, pois, ver de onde este vem em cada momento e que tipo de vento, quais as suas características e força.
A meteorologia tem muito interesse para quem lida com perturbações, instabilidades e tempestades dos elementos.
"Cancelamentos culturais" na América (4)
Há 3 horas
7 comentários:
Eu acho que, tal como o Mário Crespo, é de seguir a bússola. A declinação magnética é corrigivel e obtem-se um rumo verdadeiro. O vento é sempre variável. Procuremos o Norte e naveguemos.
Como Sempre, Meu caro Amigo João, Mário Crespo, na sua análise, coloca-se sempre muito bem na posição de simples espectador, aliás como todos nós, para dar ao seu texto aquilo que falta a muitos outros, a simplificação de ideias.
Nem ele, nem ninguém percebe muito bem estes meandros da Justiça, com coisas que são verdade agora, e daqui a pouco, como o meu amigo diz, vem uma rajada de vento e deixa de ser verdade e passa a ser mentira, e vice versa, ora, convém dizer que o Sr. Dr. Juiz Conselheiro Noronha do Nascimento, estes últimos tempos, a par do Sr. Dr. Pinto Monteiro, tem levado com cada rajada, algumas trazem um quê de tornado, tal é o estado em que deixa as coisas.
Abraços do Beezz
@Beezz
Carlos Rocha
Anónimo,
Seria bom que os políticos seguissem este seu conselho, se orientassem pela bússola e evitassem influências de massas metálicas vizinhas e de outros campos magnéticos. Mas eles próprios são geradores de ventos, por vezes tempestuosos que tornam a própria Justiça um cata-vento, como os «casos» e as «operações» de nomes variados que têm vindo a lume. Fariam bem se meditassem nos casos referidos no post anterior e «tivessem juízo» para evitar que um dia venham a ser estragadas miniaturas dos Jerónimos!
Cumprimentos
João
Caro Carlos Rocha,
Essas rajadas de vento bem justificavam que voltasse a haver portugueses como os de antanho, daqueles para quem valia mais quebrar do que torcer. Hoje em vez de viver de cara descoberta e levantada, preferem ir vivendo, nem que seja preciso engolir sapos vivos todos os dias.
Vale mais morrer com honra do que viver envergonhado. No Governo anterior houve dois ministros que saíram para não serem virados com os ventos, Campos Ferreira e, com evasivas, Freitas do Amaral.
Mas os videirinhos, sem coluna vertebral seguem as suas próprias regras: quem está do lado do Governo come quem não está só cheira. O País está a transformar-se num sítio de vermes, invertebrados, de que se exclui Mário Crespo e alguns outros, infelizmente poucos.
Um abraço
João
Segundo notícia do Correio da Manhã, oO responsável pelas comemorações do Centenário da República, Artur Santos Silva, defende que hoje se acredita que a
“Justiça está pior que no Estado Novo”
João
Caro João Soares:
Sou levado a crer que as respostas do conselheiro Noronha Nascimento têm duas componentes, uma mais pessoal que, no caso em apreciação evidenciou características de cata-vento, e outra mais cultural, iniciada na faculdade de direito, depois treinada na profissão, e que consiste em usar a erudição, bem como os dotes pessoais, para defender qualquer tese que convenha ser defendida, ao arrepio de uma metódica e justa confrontação dos argumentos.
Quero dizer que, quanto me é dado ver, no mundo do direito há muita gente que cultiva a impostura intelectual. Esta é uma porta aberta, por exemplo, para sinédoques perversas, isto é, para arranjos legais, argumentações e conclusões em que a parte, o acessório ou o formal são tomados como mais importantes do que o todo ou o essencial.
Se a maus hábitos intelectuais se juntam ainda outras falhas pessoais de natureza ética, então o resultado é mais do que lastimável.
Um abraço.
Pedro Faria
Caro ?Pedro Faria,
Pode ser tudo o que disse e ghá ainda o tal vento que vira o cata-vento e o torna diferente da bússola, por exemplo as pressões política se eventualmente outras que conduzem a resultados desiguais para situações iguais mas que diferem na qualidade dos arguidos. Não temos visto políticos condenados. Um crime de corrupção relacionado com adjudicação do aeroporto de Macau levou à condenação de dois técnicos representantes de uma construtora alemã, mas a alta entidade a quem entregaram o cheque de 50.000 contos, julgada em processo separado foi absolvida por falta de provas.
E os casos ultimamente aparecidos na imprensa, todos implicando políticos?
Um abraço
João
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