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O regresso ao tempo das malas cheias de notas
Público, 01.05.2009, José Manuel Fernandes
As emendas à lei de financiamento dos partidos, cozinhadas quase em segredo por todos os partidos e aprovadas também por todos, são o retrato fiel da hipocrisia reinante. Quando foram conhecidas as conclusões da investigação do Ministério Público à forma como o antigo líder da bancada do PSD Duarte Lima tinha enriquecido, o dado mais chocante do inquérito - que foi arquivado - era ter-se verificado que o deputado social-democrata, que poucos rendimentos teria para além dos inerentes à sua função, tinha depositado centenas de milhares de contos (vários milhões de euros) em notas nas suas contas bancárias. Porquê? Porque depositar tais quantias de dinheiro não se justifica no tempo dos cheques e das transferências interbancárias, a não ser quando se pretende esconder a origem das notas. O "dinheiro vivo", ao contrário das outras formas de pagamento, não deixa rasto.
É certo que a memória do povo é curta, mas a dos deputados não devia ser e a dos jornalistas tem obrigação de não ser. Por isso há sempre uma campainha de alarme que toca na cabeça de quem se preocupa com a lisura de processos quando se fala em "dinheiro vivo". Quem disso duvide deve ler o texto de Luís Campos e Cunha nesta edição do PÚBLICO onde fica claro como a tonitroante campanha a favor de uma coisa que já existe - o acesso do fisco às contas bancárias dos cidadãos - por regra deixa de fora a verdadeira corrupção. Pois há sempre muitas formas de ocultar a origem do "dinheiro vivo".
É certo também que fui dos poucos a assistir a uma das audiências de um processo em que era réu por causa das notícias que este jornal deu sobre a Câmara de Felgueiras e que ouviu uma das testemunhas dizer, com a maior das naturalidades, que costumava receber os donativos para o PS local em maços de notas embrulhadas em papel de jornal que lhe entregavam no átrio dos Paços do Concelho.
Mesmo assim é incompreensível, é mesmo vergonhoso, a forma como, de forma dissimulada, sem discussão que se visse, com quase tudo a ser resolvido em reuniões fechadas à imprensa, a Assembleia da República aprovou ontem a revisão do diploma sobre o financiamento dos partidos em termos tais que não só escancara as portas à corrupção, como cria inúmeros alçapões por onde podem escapar-se os que estiverem dispostos a abusar das regras.
Não se compreende que o limite ao financiamento em "dinheiro vivo" num dos países do mundo com uma melhor rede de terminais multibanco tenha sido aumentado 55 vezes. Não se compreende igualmente o alargamento às campanhas não presidenciais da possibilidade de donativos individuais, um mecanismo que permite receber grossas maquias e depois "doá-las" ao partido através de redes de militantes arregimentadas por um qualquer cacique. Isto só para dar dois exemplos mais gritantes.
As alterações são chocantes e representam um insulto aos cidadãos eleitores por permitirem que os partidos gastem muito mais em campanha em tempos de crise económica, como mostra a hipocrisia dos falsos moralistas, aqui com destaque para os campeões do comportamento angelical, o Bloco de Esquerda. É fantástico e revelador como, num momento como este, todos estão pateticamente de acordo e não entendem que possibilitar o regresso do tempo das "malas das notas" representa um tremendo retrocesso no que diz respeito à transparência das campanhas eleitorais e do financiamento dos partidos. Mas é também assim que se compreende como nunca foi possível fazer uma lei contra o enriquecimento ilícito. O resto são basófias.
Duas notas mais. Irresistíveis.
Diminuir o valor das multas que as empresas poluidoras têm de pagar invocando as dificuldades das pequenas e médias empresas é criminoso. Quem prevarica tem de continuar a pagar as multas que merece, que já nem eram elevadas. Porquê? Porque perdoar a quem prevarica é distorcer a concorrência e beneficiar as más pequenas e médias empresas que ficam em condições de fazer mais concorrência às que cumprem a lei. Para além de que, antes de abdicar da prevenção do ambiente, há dezenas de outras medidas que aliviaram os problemas de tesouraria do nosso tecido industrial. Mas ao optar por sacrificar o ambiente o nosso primeiro-ministro mostra como é diáfana a sua costela de ambientalista. Já não lhe bastavam os famosos PIN...
Em nome da coerência, o Bloco de Esquerda deverá apresentar em breve no único concelho onde elegeu um presidente da câmara, o de Salvaterra de Magos, uma proposta idêntica à que fez aprovar no concelho de Sintra, onde as touradas passaram a ser proibidas. Se não o fizer, volta a provar que, como aconteceu com a votação da lei de financiamento dos partidos, uma coisa são as suas lições de moral e outra a sua real prática. É pois necessário que Louçã diga rapidamente se vai ou não pregar contra o sofrimento dos touros para Salvaterra de Magos. Temos uma data para lhe sugerir: domingo 10 de Maio, altura da Festa do Melão, que terá como ponto alto o toureio de, citamos, "6 terroríficos touros 6" da "mais antiga ganadaria de Portugal". Era de homem.
Um rei debruçado sobre a lama
Há 3 horas
10 comentários:
Viva A. João Soares,
Não consigo entender esta convergência de todos os partidos é acho-a de uma curiosidade cavernosa. É normal que as organizações humanas, onde se incluem os partidos necessitem de recursos económicos mas sendo os partidos fruto de uma vontade associativa parece lógico serem os seus filiados encarregues de os financiar… ou não? Ou será que o Estado deve pagar aos partidos os (maus) serviços que faz à causa pública? No caso do particulares, quem escrutina a culpa dos maus serviços de um partido ao País quando é financiado com “dinheiro vivo” por eles?
Esta forma de “melhoria de financiamento”, como a designa JMF, não ficam os partidos penhorados às formas clientelares conhecidas? E não ficam penhorados a sectores da sociedade possivelmente contrários a princípios pouco ou nada democráticos. Não irão ajudar a instituir suspeitas e praticas violadoras do bem comum abrindo assim a porta à corrupção? Na minha humildade só me resta perguntar, sobre esta maravilha aprovada, que irá exigir um financiador com “dinheiro vivo” a um partido quando o “dá”? O bem do partido? da sociedade? das pessoas em geral? Ou faz a doação por ser altruísta e benemérito? Se fosse este caso não poderia dar às instituições especialmente vocacionadas? sejamos objectivos QUE RETOMA QUERERÁ?
O unanimidade do voto faz-me lembrar o titulo de um filme da minha juventude " Todos morrrerem calçados"...e vamos ver se não será o caso.
Um abraço e bom
Bom fim de semana
Eis uma questão em que estou de pleno acordo. Dá que pensar essa unanimidade(apenas com oposição de um deputado do PS). Como se compreende que até partidos que se arvoram como vigilantes da nossa conciência moral, caso do BE, tenham anuído em relação a uma matéria que suscita tantas dúvidas? Ou nós, cidadãos comuns, é que estamos equivocados?
Caríssimo João,
Sou de opinião que os partidos só deviam ter como receitas os dinheiritos recebidos dos seus apaniguados e nada mais. A que propósito eu tenho que pagar a partidos que nada me dizem. Isto é falsear, como muitas outras coisas, a força dos partidos, é que se só vivessem das suas receitas não se poderiam apresentar como o fazem cheios de outdoors, panfletos, e outras coisas mais dando uma enfase e uma noção de força aos "papalvos que, de outra forma, o não poderiam fazer. Agora com estes acordos unanimes e obscuros as coisas ainda ficaram mais escuras e falsas. São umas autênticas sanguessugas que tudo levam e não deixam mesmo nada...Com o perigo de me chamarem revolucionário sou de opinião que o povo deve ser esclarecido e movimentar-se no sentido de pôr cobro a todos estes desmandos. Mas acredito que será tarefa muito difícil porque tudo fazem para que ele, povo, fique cada vez mais analfabeto, mas agora ficticiamente encartado! Agora até vão iludir ainda mais pois dizem que vai haver escolaridade obrigatória até ao 12º ano mas não dizem como vão dar os "canudos" correspondentes. É tudo uma falsidade e uma vergonha!!!!!! Mas, como vemos, são todos iguais!!!!! MISÉRIA DAS MISÉRIAS!!!!!!
Caro António Delgado,
A pior malandragem do País ficou assim conluiada contra os Portugueses. Aqueles que enriquecem de forma fraudulenta investem nos partidos com dinheiro vivo retribuindo o apoio que deles recebem. É troca perfeita. «Não há almoços grátis» como diz o lema do economista João Pereira das Neves.
Um abraço
João
Bernardo,
Somos nós cidadãos comuns que estamos equivocados em suportar com o nosso voto esta espécie de gente que como se vê está aliada aos piores caracteres do País.
Faz sentido uma anedota recente. Pai e filho adolescente estavam sentados em frente à TV, o pai olhando distraidamente um jornal e o filho comum cerveja. O filho diz «vou dedicar-me ao crime organizado» e o pai pergunta de imediato «na privada ou no Estado?».
Eles estão aliados.
Cumprimentos
João
Caro Luís,
Até parece que não estamos em crise. As próximas eleições são de país em tempo de vacas gordas com a palhaçada de elevados custos a que iremos assistir. Deve reparar-se como se preparam jovens incompetentes e sem esperanças de futuro digno, darem os primeiros passos na carreira política. agitam a bandeirinha, gritam os slogans do partido dizem umas loas ao chefe, mostram-se muito obedientes e lambe-botas e em breve serão escolhidos para assessores, onde têm um grosso ordenado imerecido, depois irão a deputados e por aí acima. Não precisam de se preocupar a estudar, porque depois o diploma aparece ou pelas «novas oportunidades» ou por uma universidade amiga a quem fazem uns favores, etc. Entram num mundo em que os favores são retribuídos com atenções e «dinheiro vivo.
Se não for bem assim diz-me para ajustar o meu ponto de vista. Não gosto de exagerar.
Um abraço
João
Este post foi publicado há uma semana, mas não previa que o assunto nele focado viesse a ter as repercussões que tem. Hoje, o Jornal de Notícias refere-se a ele no artigo Aumentam as críticas à lei do financiamento
Caro João,
A unanimidade na aldrabice diz tudo acerca do carácter das pessoas envolvidas.
A questão das touradas, acredite que também a vou acompanhar com atenção.
Mas acredito, e não vou errar, que a esquerda modernaça vai abrir uma excepção na sua querida autarquia, invocando as tradições e o carinho da população pela festa brava.
Ou seja, precisamente aquili que critica aos vizinhos.
Modernos mas pouco coerentes, já todos percebemos isso há muito tempo.
Um abraço,
Pedo Coimbra
Caro Pedro Coimbra,
Dificilmente haverá unanimidade quando existe inteligência porque nem os números das probabilidades com que os políticos gostam de jogar na sua propaganda justificam que todos os raciocínios possam convergir numa mesma solução única, universal absoluta.
Nem vala a pena pedir coerência a cata-ventos em região de tempestade, com ventos de interesses variados, desde universidades novas ou modernas ou independentes a satisfazer para receber em troca diplomas de fim de semana. As touradas e outras «tradições», quando defendidas por confrades do Poder são defensáveis, ao contrário se situações idênticas defendidas por adversários (de outro sector da bancada). E em vez dos interesses nacionais autênticos, o que move os «representantes do povo» sáo as tricas entre os diversos clubes do hemiciclo, para se denegrirem com os piores insultos que, ditos por eles, devem ser verdadeiros e bem aplicados, embora não gostem que o povo por eles explorado lhos diga.
Por isso, a minha grande admiração pela valentia do António José Seguro que mostrou ser honesto e não ser mais uma ovelha daquele rebanho parasita.
Abraço
João
Os nossos partidos mostram bem que estão esgotados e que não têm vontade de se regenerar. É preciso encontrar uma alternativa a este modelo e é preciso que os cidadãos saibam punir este regabofe que é o financiamento dos partidos, mais do que manhoso.
A hipocrisia dos nossos políticos é vergonhosa.
Cumps
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