Ontem, «Dia Mundial por Darfur», cerca de 100 pessoas participaram, numa concentração no Largo de Camões, em Lisboa, para alertar a comunidade internacional para a crise que a região do oeste do Sudão enfrenta.
Manifestações semelhantes realizaram-se em mais de 30 países, para exigir uma acção urgente que ponha fim à violência em Darfur, onde quatro anos de guerra civil provocaram mais de 200 mil mortos e 2,4 milhões de deslocados e refugiados. A concentração em Lisboa foi organizada pela Plataforma "Campanha por Darfur", que congrega sete organizações não-governamentais (ONG), e que está a promover igualmente uma petição para ser entregue à presidência portuguesa da União Europeia (UE).
Nos dias actuais, quando nos debruçamos sobre situação que se vive em vários pontos do globo como no Líbano, no Iraque, no Irão, na Coreia do Norte, na Somália, no Darfur e nos casos por resolver, há muitas décadas, da Caxemira e do Sahara Ocidental, fala-se da impotência da ONU e da ausência de autoridade internacional formal, porque, segundo muitos, a autoridade informal reside no Clube Bilderberg e nas grandes organizações económicas supranacionais. Achei que poderão ter algum interesse umas reflexões que alinhei tempo a propósito da situação no Sudão.
Sudão e ausência de autoridade internacional
O Sudão é o país africano de maior extensão, com uma composição populacional extremamente complexa – 252 grupos étnicos – e várias religiões em que predominam os muçulmanos sunitas, a Norte, seguidos dos discípulos de crenças tradicionais africanas e dos cristãos, a Sul. Estas características humanas, a sua posição geoestratégica e a exploração de petróleo, recentemente iniciada, têm sido factores de uma história acentuadamente conflituosa. Ocupado por egípcios, turcos e britânicos e desejado pelos franceses, acabou por ver proclamada a independência em 1955.
Desde os primeiros dias de Estado independente, ainda não houve uma paz verdadeira devido à luta pelo poder, entre várias facções islâmicas e ao desejo de estas oprimirem os povos do Sul. Desde 1983, está em curso uma rebelião dos povos do Sul, de maioria cristã, contra o regime muçulmano de Cartum. É a guerrilha mais antiga de África que tem continuado, apesar de muitas tentativas de apaziguamento, aconselhadas e mediadas por países ocidentais e africanos. Os combates já fizeram mais de um milhão de mortos.
Após o golpe militar apoiado pela Frente Islâmica Internacional, em 1989, a insegurança passou a ser permanente, com um medo doentio em cada coração. Por pressão daquela Frente Islâmica, foi dado asilo em mansões luxuosas, nos arredores da Capital, a proscritos como Osama bin Laden e a Carlos o Chacal. O poder foi partilhado, de forma informal, pelo Presidente general Omar al-Bashir e por Hassan Turabi, o pai intelectual do movimento islamista do Sudão, antes de este ser colocado em prisão domiciliária.
Em 2002, os rebeldes do SPLA (Exército de Libertação do Povo do Sudão) - que lutavam há 20 anos contra a opressão do Governo no Sul do país - pressionados pelo Ocidente a terminar com a guerra civil, assinaram um frágil cessar-fogo, de curto efeito. Apoiando várias iniciativas para o apaziguamento do Sudão, o Secretário de Estado norte-americano Colin Powell deslocou-se, em Outubro de 2003, ao Quénia para reabilitar as relações com Cartum e dar um impulso às negociações de paz que ali decorriam entre o Governo e os rebeldes do Sul chefiadas pelo Coronel John Garang. C Powell manifestou esperança de a assinatura de um tratado de paz se efectuar em Dezembro seguinte, mas a esperança foi gorada. Outras tentativas posteriores tiveram resultado semelhante. Quando foram assinados acordos, pouco demorou até serem desrespeitados.
Entretanto, agravou-se a situação na província de Darfur, antigo sultanato cuja independência foi esmagada, em 1916, por uma expedição britânica, na zona ocidental, vizinha do Chade. A população, que pretende a autonomia, tem sido muito mal tratada e bombardeada pelos aviões governamentais que, em quatro anos de guerra civil, provocaram mais de 200 mil mortos e 2,4 milhões de deslocados e refugiados lem fuga para lugares onde a falta de água e de outras condições de vida tornam difícil a sobrevivência, sendo mesmo difícil a chegada de socorros de organismos internacionais. As forças islâmicas governamentais apoiam milícias árabes que praticam as piores violências sobre o povo, embora o governo de Osmar al-Bashir desminta. Em Agosto de 2004, foi assinado entre o Governo sudanês e as Nações Unidas, para o Darfur, um acordo contendo sete pontos, mas que ficou letra morta.
Tanto a ONU, como a União Africana, como a UE (União Europeia), como as grandes potências, têm mostrado vontade de ver restabelecida a paz neste grande país, mas a sua boa vontade não tem conhecido êxito e as pessoas continuam a sofrer privações inclusive da própria vida. Interrogamo-nos até quando o mundo, os poderes internacionais se manterão impotentes para pôr termo ao genocídio levado a cabo pelo poder islâmico do Sudão nas partes Sul e Oeste, onde vivem populações que não são muçulmanas. Os títulos da imprensa, embora pouco frequentes, são bem elucidativos do pouco interesse que o mundo tem pelo continente africano e das táctica dilatórias do Governo de Cartum, com desprezo de tudo e de todos. Os próprios funcionários da ONU têm sido obrigados a cessar as suas funções por falta de segurança e por estarem a correr riscos desproporcionadamente elevados.
O conceito geral em que podemos inscrever este e muitos outros casos evidenciam claramente que a humanidade está afastar-se dos bons valores morais e éticos que deviam reger as relações entre as pessoas. Infelizmente, apesar de haver muitas entidades de boa vontade que aconselham o civismo e a solidariedade, como foi o caso de Madre Teresa de Calcutá e é o de Nelson Mandela e do Dalai Lama, o mundo continua em guerra, movido por ambição de poder de riqueza pessoal, de vaidade e de ostentação, sendo difícil que as mais santas palavras entrem nos corações dos poderosos. A grande praga da humanidade nos tempos modernos é o endeusamento dos interesses pessoais traduzidos em bens materiais em vez da prioridade ao pensamento, aos sentimentos e às emoções naturais que as tradições mais salutares colocavam em primeiro plano. Os valores morais e éticos fazem falta aos governantes de todo o Mundo.
El País
Há 2 horas
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