Na passagem de Agosto para Setembro, reentramos na tragédia da realidade nacional. Depois de um mês de alívio, de distanciamento, caímos esmagados pela variedade de notícias que, por entretanto nos termos desabituado, nos parecem dramáticas.
Como diz o sociólogo Paquete de Oliveira, «reabrem as escolas, os tribunais, as repartições, as fábricas. Toca o gongo para o trabalho e todas as obrigações. Os políticos recomeçam nas suas disputas. As querelas futebolísticas sustentam grandes discussões. Voltam os julgamentos em atraso de anos. Dá-se conta do aumento da gasolina em 7,8 %, dos cursos de Engenharia e outros tantos que existem a mais, que metade dos seguranças da vida nocturna está ilegal, que os portugueses usam cada vez menos protecção contra a sida, que 80% das doenças mentais ficam por tratar (ui!), que nem com escola a tempo inteiro há lugar para muitos daqueles que do ensino faziam a sua profissão, que pelas estradas portuguesas, este Verão, deixámos dezenas e dezenas de mortos. Eu sei lá, é um rol de coisas que por Agosto passavam desapercebidas. Com a acalmia da estação quente, quase não se toma consciência do que significam na cooperação estratégica os vetos do presidente da República e quase se esquece que a presidência europeia está cá no burgo. Setembro é, de facto, um mês com certa crueldade. Tira-nos a ilusão que Agosto criara.»
Também o advogado José Luís Seixas, dá umas pinceladas nesta tela: « Os acontecimentos da madrugada de domingo no Campo Grande replicam, de forma trágica, um qualquer filme de gangsters. As balas, porém, foram a sério e o sangue jorrou pela rua.
Associando o que se passou com as reportagens publicadas sobre o funcionamento de muitas discotecas de Lisboa e do Porto fica-se com a preocupante ideia de que a "noite" e os seus negócios vivem numa situação de marginalidade consentida. As denúncias são tantas e tão graves que ninguém entende a passividade das polícias e a ineficácia do Estado.
- Podem crianças com 12, 13 ou 14 anos frequentar estes estabelecimentos? Não podem, mas frequentam aos magotes.
- Podem-lhes ser vendidas bebidas alcoólicas? Não podem, mas são vendidas.
- Podem estas discotecas e bares exercer o seu comércio sem uma autorização especial denominada por licença? Não podem, mas grande parte permanece aberta não a tendo, sequer, requerido.
- Podem funcionar sem horário, até às seis ou às oito da manhã? Não podem, mas funcionam.
Ou seja, o Estado não fiscaliza, não age, não zela pelo cumprimento da lei e não pode garantir a segurança e a tranquilidade públicas. Assim sendo, estão criadas as condições necessárias para que a criminalidade organizada se estabeleça, domine o negócio e estabeleça territórios. A tiro, se tal for necessário.»
Segundo Isabel Stilwell, «denominam-se bens não-rivais aqueles que não se gastam e podem ser usados, simultaneamente, por quem quiser. Por exemplo, se contemplar uma paisagem fantástica, não roubo nem um bocadinho da sua magia a ninguém. É um bem público, colectivo, de todos sem ser de ninguém em especial.
É preocupante a pouca importância que o Estado, e cada um de nós, dá a este tipo de bens fundamentais. Logo a começar pela desvalorização da sabedoria, do mimo, da educação. E do espaço em que vivemos. O caos das nossas cidades, a falta de um planeamento urbanístico que satisfaça os olhos e facilite o nosso dia-a-dia, as escolas a cair aos bocados, ou as paredes inundadas de tags nojentos são provas do nosso desprezo por aquilo que, não estando cotado em bolsa, contribui, de forma incalculável, para a nossa qualidade de vida. Ou para a falta dela. Viver numa grande cidade é uma fonte acrescida de stress, sobretudo, para quem não tem poder e dinheiro.
Se entendêssemos que as sardinheiras da nossa janela são um bem não-rival, uma epidemia boa, entenderíamos que tomar conta das nossas cidades, dos nossos bairros, dos nossos cantos, era um investimento que valia a pena. Temos o direito, e o dever de exigir, que os políticos cumpram as suas promessas, e, se entendêssemos mesmo esta ideia, desconfio que a felicidade chegava mais depressa.»
Após palavras vindas de tão doutas origens, a tela ficaria completa se o caudal dos acontecimentos não continuasse a fluir. Mas ele não pára. É a notícia de que muitos fogos florestais foram iniciados a meio da noite, certamente por razões estranhas ao calor solar, a continuação das mortes na estrada para estragar as estatísticas do Governo, a superabundância das infracções detectadas pelos radares em Lisboa, indo muitas ficar impunes devido a incapacidade burocrática, o aumento escandaloso dos preços dos combustíveis, ao lado do aumento escandalosamente pequeno dos salários mínimos, ao contrário da evolução nos parceiros europeus, a fome que nos espera se deixarmos de poder comer os transgénicos, o fecho de valências hospitalares, como a oncologia, o combate ao défice orçamental à custa de sucessivos aumentos de impostos. E, por outro lado, a basófia governamental a ostentar uma riqueza que não possuímos.
El País
Há 2 horas
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