Alcobaça em linhas gerais
Por António Delgado
Nos últimos 10/11 anos, Alcobaça desceu em termos de emprego, empresas activas, rendimento per capita, população, natalidade, investimento público, para níveis percentuais a que não estava habituada.
Em paralelo, vemos concelhos vizinhos caminharem com mérito em sentido inverso, provando que o problema não é da crise global, nem do governo, mas essencialmente de quem lidera o concelho. Alcobaça tem-se afastado em termos económicos da norma distrital com um forte desemprego com tendência a aumentar e a perder habitantes e empresas: umas fecham e outras emigraram para os concelhos vizinhos mais competitivos.
Este cenário desolador está a provocar uma desertificação sem precedentes e não são medidas voluntaristas nem semânticas de pífaro como “novas centralidades”, “Novas Alcobaças”, “Campos de Golfe” ou anglicismos do tipo “Resorts” que invertem a situação. Esta enfrenta-se com fundamentação e conhecimento para virar a agonia de um concelho, agravada nos últimos anos pelo grupo que o tem liderado. Para agir sobre as principais causas, cujos aspectos se associam ao envelhecimento da população, à perda demográfica, à falta de medidas económicas, aliciantes tanto para empresas e pessoas se instalarem.
Vivemos numa era predominada pela tecnologia em que os estudos mostram que quanto mais conhecimento tenha um trabalhador e quantos mais trabalhadores com conhecimento tenha uma economia, mais rapidamente esta aumentará o seu rendimento. Um dos elementos centrais para o incentivo de Alcobaça e o seu princípio orientador essencial deveria ser estimular tudo aquilo que a faça mais inteligente e atraia mais gente inteligente ao nosso concelho. Só assim se pode fazer uma aposta por Alcobaça actualizada, expansiva, critica e capacitada para enfrentar o presente e o amanhã nesta era global.
Construir esta nova realidade deverá ser de forma participada e numa óptica moderna possibilitando incorporar esforços convergentes de todos os que decidem trabalhar, actuar e viver no concelho, envolvendo-os numa estratégia comum. Alcobaça serve muito mais que os seus munícipes; são os que trabalham por cá e aqueles que visitam o concelho: estrangeiros e nacionais. Há quem gostaria de morar no município, mas não encontra habitação condigna a preços acessíveis optando por irem viver para os concelhos vizinhos, apesar das muitas casas devolutas e em venda. Só no centro histórico de Alcobaça, há centenas de casas vazias e em ruína transformadas em desperdício urbano e num escândalo social e cultural sem precedentes, mas que não causa a menor indignação aos seus governantes. E não se entrevêem medidas para que estas habitações possam voltar a ser ocupadas, desempenhando a sua função na cidade. A reabilitação com fins sociais e culturais é absolutamente desconhecida pelo actual elenco camarário. Mais do que grandes projectos e requalificações sem sentido, Alcobaça precisa de intervenções cirúrgicas que permitam curar as feridas urbanas de que padece e isso não exige grandes meios. No entanto, é necessário fazer um diagnóstico preciso dos pontos nevrálgicos para actuar com precisão. Deve recuperar-se e melhorar o espaço público existente ao invés de se tomarem medidas delirantes com gastos exagerados, funcionalidade nula e consequências trágicas e imprevisíveis. Em vez de se cuidar aquilo que há e inovar a partir do existente, respeitando a fisionomia da cidade, altera-se de forma desnecessária espaços com o único propósito de deixar a marca pessoal e criar supostas simbologias por parte de quem autoriza a intervenção, iludindo assim as soluções necessárias e que urgem, de carácter social, cultural e político. Alcobaça já tem carácter simbólico que baste e tem-no essencialmente no património edificado emblemático e de séculos. Dar nova vida e novas funções a espaços que fazem parte do imaginário colectivo dos Alcobacense devia ser um dos maiores desafios políticos e culturais a colocar a esta terra. No entanto, nenhum projecto devia ser aprovado sem dar voz e conhecimento aos alcobacenses e não apenas depois dos actos consumados como tem sido a prática nos últimos anos. Inovação e cidadania não são antagónicas e, em sociedades modernas e desenvolvidas e nas que querem prosperar, estas duas realidades andam de mãos dadas.
É rara a semana que não nos surpreendam notícias de crimes perpetrados no concelho. Devo dizer que uma terra não é mais segura simplesmente por ter mais meios policiais. Não são eles que garantem a segurança, mas é o combate à solidão e em especial a dos idosos nas aldeias, criando nas freguesias do concelho e em todos os lugares, condições para que se possam restaurar as relações de vizinhança. Qualquer comunidade vive mais segura quando há olhos de sobra na rua. Mas para isso as terras devem ter melhor qualidade de vida, melhores infra-estruturas e acessibilidades: Há excesso de barreiras arquitectónicas, falta de protecção viária e pedonal para quem vive nas freguesias e suas aldeias As freguesias e, sobretudo, as suas populações foram abandonadas pelo actual elenco camarário. Estes lugares, outrora com encanto, hoje estão decadentes e algumas fortemente desertificadas. As barreiras arquitectónicas que prosperam na cidade de Alcobaça e por todas as suas freguesias, além de ilegais são imorais. Pessoas deficientes, idosos e mães com os seus carrinhos de bebés não podem ser sistematicamente impedidos de usar o espaço público. Este deve ser integrador: é um direito que assiste todo o cidadão o direito ao passeio e o lugar dos peões nas estratégias de acessibilidades e mobilidade. Realidades que não se respeitam em Alcobaça e até se demonstra desprezo, como está patente na recente requalificação da zona em torno do Mosteiro. Esta tem ainda graves problemas técnicos onde se juntam as manutenções e reparações constantes que são uma despesa adicional e durável do erário público em ralação ao custo final da obra. Parece que tudo é permitido e impune perante a lei.
A capital do concelho deve ser atraente para as pessoas. Só assim pode suscitar novas oportunidades para o comércio, o emprego e uma maior fruição turística e cultural, além do interesse habitacional como indicador preponderante de uma cultura urbana sã.
Apesar de este empenho pertencer aos cidadãos, faria todo o sentido a Câmara ter um papel estratégico na definição de horizontes, tanto para a cidade como para o concelho, o que infelizmente não acontece. Só com novas ideias, produtos inovados e inovadores, mentes criativas e críticas, se poderá ultrapassar a estagnação a que está votada também a capital do município.
Nos dias de hoje, a criatividade e massa crítica são fundamentais para o progresso de qualquer cidade, concelho ou país. A míngua destas realidades acentuou-se nos últimos anos com a actual liderança concelhia e a colaboração voluntariosa de oposições assépticas, vereadores emigrantes e certa imprensa e jornalistas descaradamente tendenciosos. Não prospera uma terra que deixa partir a sua massa crítica e criativa e é ainda complacente com a perseguição política feita aqueles que ousam criticar quem a (des) governa. Deste modo, permite que se instalem visões monocromáticas ou a preto e branco, além do amiguismo, o clientelismo político e a subversão do direito legitimo pelo favor. Perdem-se pessoas e empresas e amputa-se a inovação, social e cultural e uma terra assim dificilmente sairá do desassossego.
Com a população desmotivada, Alcobaça caminha para o insustentável e perante a gravidade da situação aturde a indiferença daqueles que a dirigem. Um concelho insustentável é um concelho impossível de governar. Ambiente, economia, desenvolvimento social e cidadania são os quatros grandes pilares da sustentabilidade de uma terra e nenhum deles pode ser descurado. É necessário reconciliar a Alcobaça construída com o sistema vivo que a suporta e alimenta em moldes diferentes aos que se tem praticado. Cuidar dos rios, das águas subterrâneas, da estrutura verde, das aldeias, da qualidade do ar é cuidar da saúde e da sobrevivência do concelho. O défice de Alcobaça não é apenas financeiro – é sobretudo de liderança e de participação. Mesmo sendo um espaço com potencialidades singulares, Alcobaça também tem regredido olhando para as terras vizinhas, por não arriscar como espaço global. Os seus recursos, naturais, paisagísticos, históricos, patrimoniais culturais e sociais continuam aí e ninguém os soube rentabilizar até hoje, no sentido de tornar o concelho um espaço verdadeiramente singular e atractivo no âmbito focado.
Os sucessivos desnortes governativos, acentuados nos últimos anos pela falta de planificação, de regulação imobiliária e arquitectónica, a desertificação, os índices de qualidade de vida baixos, agravados com impostos municipais elevadíssimos, viraram Alcobaça contra as pessoas, desmotivando-as. Grande parte dos alcobacenses e muito dos que trabalham no concelho vivem em stress pela má organização espacial da capital e de todo o seu espaço concelhio.
A reorganização ou requalificação das freguesias não existe, quando estes espaços deveriam de ser um dos indicadores da plena vitalidade e qualidade de vida e desenvolvimento do concelho. Apesar disso, estes espaços são tratados por critérios opacos assentes na suspeição, no tacticismo partidário e na sindicância dos votos. Algumas freguesias são selectivamente discriminadas para eliminar delas qualquer lógica de proximidade e sobrevivência, seja no comércio ou no acesso a serviços sociais elementares. O objectivo de quem está a governar o concelho é manter este estado de injustiças e sustentar o poder.
Há idosos a fazerem cinco quilómetros e mais, do lugar donde moram ao centro da freguesia para receberem consultas médicas sem terem transportes públicos e os existentes carecem de conforto. Exige-se um quotidiano mais fácil, menos burocrático e agreste, com transportes públicos cómodos, acessíveis e eficientes onde as pessoas e, sobretudo, os idosos e pessoas com mobilidade reduzida não sejam considerados de segunda.
É tempo do governo do concelho ser partilhado tanto por homens como por mulheres em que o saber, a experiência e a capacidade de gestão das mulheres não continue a ser desvalorizado nem tornado invisível. Em Alcobaça há um défice de democracia participativa e que contrasta com os meios cosmopolitas e desenvolvidos. O poder local, aquele que por natureza é o mais apropriado para as experiências inovadoras, infelizmente em Alcobaça não tolera ou conhece a participação cidadã. Tudo ou quase tudo é feito sem consulta, de forma prepotente ou com mentiras pelo meio. Os orçamentos excedem as previsões, as decisões urbanísticas não têm regras, a regulamentação de tráfego é ad-hoc, os grandes projectos são decididos longe dos cidadãos quando não nas suas costas. A seiva da sociedade civil não é convocada com a urgência devida no governo do concelho. A vida política concelhia não pode estar concentrada nas mãos de quem tudo decide e em partidos onde boa parte dos militantes é assustadoramente impreparada e estão mais interessados em fomentar guerras internas no intuito de lograr protagonismos manhosos e empregos partidários do que realmente trabalhar em favor da terra e suas populações.
Para haver qualidade de vida e satisfação dos munícipes, tem de haver também transparência nas contas do município e na gestão dos recursos humanos, nas decisões urbanística que devem de ser previamente conhecidas, bem como os seus efeitos sobre o valor dos terrenos abrangidos, cujos titulares também devem de publicitar. Não há uma avaliação de desempenho dos funcionários da Câmara (ou parece não haver), a começar por todas as chefias, para levar a sério o controlo de custos. Devia de se saber o que são despesas a mais e receitas a menos para agir sem hesitações. Só assim se controla o deficit camarário e as pessoas ganham confiança nos políticos.
António Delgado
Professor Universitário
NOTA: Esta transcrição feita a partir do artigo de opinião publicado em «Tinta fresca» não representa interesse específico em relação a Alcobaça, mas deve-se apenas ao facto de os pressupostos e os factores analisados poderem ser aplicados aos métodos de governança aplicáveis às diversas autarquias. A qualidade de vida das populações e o desenvolvimento económico dos conselhos dependem da forma como forem equacionados os diversos problemas e das prioridades relativas atribuídas aos diversos sectores de actividade. Gerir os interesses da população concelhia exige critério cuidadoso do género do que foi referido em Pensar antes de decidir.
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