quinta-feira, 5 de março de 2009

«estórias» da guerra, de audiências - II

Transcrição de uma carta (que recebi por e-mail às 03:12 de hoje) ao CM, por Abreu dos Santos, que não conheço, que merece ser lida, por revelar uma salada de ficções e realidades que baralha o espírito dos incautos menos sabedores dos factos. Procurei aqui manter os realces da carta.

Exmo(s) Sr(s) Director(es) do Correio da Manhã,

Sob a epígrafe «Tratados com os pés» e subtítulo «Guerrilha contínua», um artigo publicado na imprensa, vai para 13 anos, começava assim:
– «Uma nova classe profissional, apadrinhada por ressabiados saudosistas do PREC, emerge e singra enquadrada no que se poderá chamar jornalismo de investigação. Insistindo em desrespeitar tanto os vivos como os mortos – reescrevendo a História –, perfilha a tese do pai dos sovietes segundo o qual "quando os factos se tornam lendas, imprimem-se as lendas e não os factos".»

De então para cá, o que mudou, o que melhorou?
Nada mudou, pelo contrário, a insistência – na agit-prop esquerdina – continua. É a luta contínua, abrilista, situacionista, pc, politicamente correcta.

Se não, vejamos.

O vosso tablóide CM insiste nas estórias de guerra das audiências e, para apresentação dos vossos novíssimos «Anos da Guerra Colonial», louvam-se em subtítulo de que «não havia uma obra assim sobre a história recente de Portugal».
Pois não. Pelo menos, com tanta fantasia entremeada por dislates vários, desde logo visíveis (e risíveis, porque ridículos) no opúsculo de abertura e do qual, a título de exemplo, se reproduz:
«A cegueira do regime. [...] Na manhã de 4 de Fevereiro, uma quinta-feira, a torrada generosamente barrada com manteiga, como gostava, estremeceu-lhe na mão. Bastou um relance pelos jornais da manhã e o pequeno-almoço ficou irremediavelmente estragado. Ajeitou a manta de lã por cima dos joelhos e assentou os pés na escalfeta. O gabinete de trabalho do Presidente do Conselho, em S. Bento, estava mais frio que o costume.»

Aqui chegado, o leitor, sério, também fica "mais frio que o costume". Porque, ao fim e ao resto, foi levado ao engano. "Isto", não é um opúsculo dedicado a divulgar «As Grandes Operações da Guerra Colonial»: de modo diverso, ali estão subliminarmente presentes as mais avulsas e post-justificadas "opções" do abandono-rapidamente-e-em-força, desde já entremeadas com palpites sobre vida(s) alheia(s); e, por mera "coincidência", em tempo e lugar diverso se anuncia a retoma do seriado televisivo, com variações sobre o mesmo tema; (tudo muito "casual", tudo muito neste preciso "ano multi-eleitoral").

Mas, adiante...

«Leu o excerto do discurso feito na véspera [sic] pelo primeiro-ministro britânico, Harold Macmillan, no parlamento sul-africano, na Cidade do Cabo: "O vento da mudança sopra através deste continente e, quer gostemos quer não, o crescimento de uma consciência nacional é um facto político". Salazar seguia há um mês com inquietação a prolongada viagem do chefe do Governo de Londres pelas colónias [sic] britânicas de África - e todos os dias tinha razões para ficar alarmado. As declarações de Macmillan em Acra, na Costa do Ouro, prenunciavam a transformação daquele território na futura República do Gana. E a passagem por Salisbúria foi, para desgosto do primeiro-ministro do território, Roy Wellensky, a liquidação da Federação das Rodésias e Niassalândia. [...] O mensageiro da tempestadde que se aproximava fora justamente Macmillan, o discípulo de Churchill que, no último Verão, conquistara uma importante vitória eleitoral para os conservadores britânicos. [...] O ministro francês da Cultura, André Malraux, em Outubro de 1960, deixou escapar uma verrinosa frase durante um almoço oficial: "Adoro Portugal, porque é um País de irrealidade política". Estavam presentes o ministro português do [sic] Negócios Estrangeiros, Marcello Mathias, e o director-geral dos Negócios Políticos, Franco Nogueira - que se contorceram incomodados nos cadeirões. [...] Trouxeram para Lisboa o remoque de André Malraux sobre a natureza do regime que sufocava Portugal. Prestes a completar 71 anos [mais adiante, o mesmo escrevinhador (des)informa que "o presidente do Conselho, a três meses de fazer 72 anos"... ], António Oliveira Salazar chefiava o Governo com mão de ferro há 28. [...] Expressões como "o vento da mudança" ou os "ventos da história" causavam-lhe engulhos.»

Ora, aqui chegados, a coisa fia mais fino.
Ó Manel Catarino, tem a certeza dos "factos" que relata? Não terá bebido de fonte(s) inquinada(s)?
Vamos por partes; mas só por hoje, porque, de ciência certa, não mais será gasta cera com tão ruim "obra".

1. A aludida «manhã de 4 de Fevereiro», nada tem a ver com os "incidentes" ocorridos em Luanda na madrugada "do" 4 de Fevereiro. Sendo aquela uma infeliz efeméride, de 1961 e de muitos conhecida, por isso mesmo associada ao «início da guerra colonial» (tanto mais que é data celebrada, como tal, pelo MPLA), trazer para "tema de abertura" tal data, mas do ano de 1960, só por deformada interpretação extensiva... e historicista, que se pretendeu dar ao "enquadramento" (pseudo) erudito da "obra".

2. A célebre discursata dos "winds of change", multicelebrada e parafraseada por tudo quanto é gauchiste, terá sido mesmo pronunciada no parlamento de Capetown, em 3 de Fevereiro de 1960, «pelo primeiro-ministro britânico, Harold Macmillan»?
2.1 Não terá sido, por um outro Harold, o líder trabalhista de sobrenome Wilson que, no supracitado parlamento de Capetown e na circunstância «de visita à União Sul-Africana, na esteira do recente 'tour' feito pelo adversário conservador PM Harold MacMillan, manifesta o seu inequícovo apoio ao bloco dos Não-Alinhados com um discurso sobre a existência de "uma consciência nacional africana" - que reflecte as recentes resoluções anunciadas em Tunes pela II Conferência dos Povos Africanos -, e cria um "facto político" ao afirmar que "um vento de mudança sopra através do continente"»?!

3. Tem a certeza de que «as declarações de Macmillan em Acra, na Costa do Ouro, prenunciavam a transformação daquele território na futura República do Gana», querendo com isso situar tais declarações como proferidas no início de Janeiro de 1960, em Accra, capital do Ghana?
3.1 Ora, considerando que no preciso dia 6 de Janeiro de 1960, momento em que o PM britânico Harold MacMillan desembarcou no aeroporto de Accra para visita oficial ao Ghana – de onde seguiria para a Nigéria, Rodésias e União Sul-Africana –, já aquele país, Ghana (antiga British Gold Coast and Togoland) era independente, desde 6 de Março de 1957 (!), mantendo-se contudo ligado à British Commonwealth.

4. E tem a certeza de ter sido aquele mesmo Harold «Macmillan, o discípulo de Churchill que, no último Verão, conquistara uma importante vitória eleitoral para os conservadores britânicos», com isso querendo referir-se ao "último Verão" como o de 1959?
4.1 Não teria sido antes, em Outubro (mês que - mesmo na Grã-Bretanha - não faz parte do "Verão"), que o líder conservador Maurice Harold MacMillan, chefe do governo britânico já desde 10 de Janeiro de 1957 (em substituição de Anthony Eden caído em desgraça na sequência da "Crise do Suez"), e que naquele 8 de Outubro de 1959 viu confirmada, em eleições parlamentares, a continuidade da sua chefia política da Grã-Bretanha?!

5. Será que «o ministro francês da Cultura, André Malraux, em Outubro de 1960, deixou escapar uma verrinosa frase durante um almoço oficial: "Adoro Portugal, porque é um País de irrealidade política".»?
5.1 Não terá sido, pelo citado Malraux "herói da resistência à ocupação nazi" e escritor comunista, «no final do almoço» ocorrido em 6 de Outubro de 1960, a meio de poética discursata e «dirigindo-se aos seus convidados MNE português Marcelo Mathias e director-geral dos Negócios Políticos, Franco Nogueira», propositadamente proferido o exacto e acintoso à-parte «Adoro Portugal porque é o país da irrealidade política»?!; (curiosamente, decorridos pouco mais de 15 anos, será o mesmo Malraux a considerar o "25Nov75" como «a primeira vitória dos mencheviques sobre os bolcheviques»).

E para fechar o supra citado opúsculo – especificamente dedicado ao «Início dos Combates - Angola, Fevereiro e Março de 1961» –, na contracapa pode o dis-traído leitor encontrar esta pérola de "enquadramento" historiográfico:
«Massacres em Angola. Desde o esmagamento da revolta negra na Baixa do Cassange, em Fevereiro de 1961, os colonos do Norte de Angola vivem inquietos. Continuam, porém abandonados pela tropa, inseguros, entregues à sua sorte.»

Ó Manel Catarino, desde o «esmagamento»? da «revolta negra»?, os «colonos»? «vivem inquietos»? «abandonados»? pela «tropa»? e «inseguros»? Mas qual "esmagamento", qual "revolta negra", qual carapuça; quais "colonos inquietos abandonados" pela "tropa" e "inseguros", qual carapuça! A população, branca e negra e mestiça – e aqui (lá) a "côr da pele" para nada interessa(va) –, que habitava e trabalhava no "Norte" de Angola, ao longo dos meses de Janeiro e Fevereiro e (mesmo até meados de) Março de 1961, soube coisa nenhuma do que se teria passado "lá para os lados de Malanje" (telemóvel e internet ainda não haviam chegado aos confins do Congo Português..., território muito maior que a então Metrópole); e quanto à expressão «abandonados pela tropa», isso é que por aí vai uma síntese "interpretativa" e sobre a qual, por manipulativa qb, nem vale a pena gastar mais cera.

Ora adeus, e até ao meu regresso...!

Cumprimentos,
Abreu dos Santos

2 comentários:

Anónimo disse...

Caríssimo João,
É com estas patranhas que se vai enganando o povinho que por desconhecer ou por as não ter vivido acredita nestas balelas!
O pior de tudo é os orgãos de informação não fazerem a triagem necessária para evitar estas situações. O que eles querem é vender "papel" a qualquer preço desde que isso lhes dê rendimento.
Continuamos no "FAZ DE CONTA, CÔR DE ROSA"!!!!!

A. João Soares disse...

Caro Luís,
Estamos numa sociedade em que não há valores éticos, não se respeita a verdade, não há competência para destrinçar o que é ficção e o que é realidade.
Recebi de um leitor, por e-mail, esta mensagem com uma opinião interventiva, que transcrevo

Exmº Senhor
Há muita mistificação, muito distorcer da Historia para servir a propaganda.
Sempre foi assim. Só que com esta guerra nós somos testemunhas. Temos o direito (e mesmo o dever) de falar, de escrever, de não ficarmos calados, de escrever para os jornais a corrigir o que virmos que está mal. Temos as Cartas ao Director, podemos usá-las.
Acho que devia fazer-se um encontro de testemunhas (militares) da guerra de Africa, isentos, para apresentarem comunicações sobre o que de facto se passou e desfazerem tanta fantasia.
Ainda agora morreu o Nino Vieira. Foi um grande combatente, que lutou contra Portugal, a minha unidade foi atacada por ele. Mas quando o Spínola morreu veio a Lisboa com todo o seu estado maior para lhe prestar homenagem.
Isto é bonito.
NÃO PODEMOS DEIXAR QUE NOS ROUBEM A HISTÓRIA.
Melhores cumprimentos do
F. V.


Os portugueses têm de acordar e exercer o seu dever e direito de cidadania e saírem da apatia, do coma induzido em que o Governo e alguns jornais os querem afundar.
Um abraço
João Soares