Ontem vi na TV o engenheiro José Sócrates ser vaiado e ofendido verbalmente por numeroso grupo de cidadãos, quando, em funções do alto cargo de nosso Primeiro-ministro que desempenha, chegava a Setúbal para a cerimónia das comemorações do 10 de Junho. Fiquei chocado porque cresci com a noção do respeito pelos símbolos nacionais e pelas entidades que representam os órgãos da soberania. Devem ser objecto de deferências próprias das suas funções e é grave que o não sejam. É certo que em muito países ocorrem casos muito mais graves do que simples apupos e assobios, pois não podem ser esquecidos os tomates e ovos, e os assassinatos de John Kennedy, de Olof Palm, de Indira Gandi, de Itzahak Rabin, de Anuar Sadat, etc. Mas, felizmente, Portugal tem sido um País de brandos costumes alheio a violências, em que até «o 25 de Abril foi feito sem sangue», como repetia o falecido Vasco Gonçalves, e, por isso, ficamos chocados quando vemos a bandeira nacional a forrar assentos de motas e bancos de carros ou grupos de populares a desrespeitar os nossos representantes democraticamente eleitos.
Mas o caso de ontem que deixou o Primeiro-ministro com uma cara infeliz, tão diferente dos seus melhores momentos, merece ser devidamente meditado, porque algo se tem passado de grave nas relações do Governo em relação aos cidadãos para que, num País tão ordeiro e cordato, tenha ocorrido tal desacato. Os governantes não podem esquecer-se, por um simples momento, de que são servidores do povo, juraram pela sua honra desempenhar com lealdade essas funções, não podem considerar-se senhores ditatoriais dos destinos da Nação. Foram eleitos perante a sua proposta eleitoral, depois transformada em programa de governo que constitui um contrato com o povo. Qualquer desvio a este, por motivos de força maior, deve ser devidamente justificado à Nação. Deve haver respeito pelo dinheiro público e pelo património nacional. Os assuntos devem ser equacionados tendo em vista os interesses nacionais e não os interesses partidários ou os de alguém ligado à oligarquia. Estou convicto de que, se houver sentido de servir e lealdade para com o povo, detentor primário da soberania nacional, e se a qualidade de vida dos mais carentes não sofrer injustificadas degradações, não haverá faltas de respeito aos governantes nem a qualquer alto funcionário público. «O povo é sereno» como disse Pinheiro de Azevedo num momento difícil, e como se verificou no decurso desse caso.
Desejo que os nossos políticos, em geral, e os responsáveis por cargos públicos, em particular, sejam sempre merecedores do respeito e da veneração dos cidadãos para que não tenhamos o desgosto de ver mais actos como o de ontem em Setúbal.
A Decisão do TEDH (397)
Há 2 horas
5 comentários:
...."os nossos políticos"...
Parecem pertencer a uma classe diferente e destinada a ocupar posições na área do poder.
Na República não há lugar para isso.
Ou não devia.
No fundo são todos monárquicos!
Em resposta a um comentário no outro blog escrevi o seguinte:
É certo que hoje não se respeita nada. Mas, neste caso, não se trata de desrespeitar um símbolo nacional, o primeiro-ministro, mas sim o engenheiro Sócrates que não está a respeitar as promessas e o juramento de lealdade que fez. Na manifestação ouvia-se chamar-lhe mentiroso. Os detentores de altos cargos têm que merecer respeito.
O povo começa a abrir os olhos e a reagir aos erros dos governantes.
Quem anda a pé e nos transportes públicos e olha para as lojas vazias de clientes e conversa com comerciantes conhecidos, sabe muito bem que a pobreza tem aumentado e o poder de compra é preocupante em muita gente. Pelo contrário, vêem-se muitos carros de topo de gama e o Diário da República continua a trazer reformas escandalosamente altas, principalmente de ex-políticos.
O povo tem razão para mostrar o seu desagrado, seguindo os conselhos de Mário Soares quando fala no direito a manifestar a indignação e de Cavaco Silva quando aconselha a não nos resignarmos.
Um abraço
Tudo isto é muito bonito se os nossos políticos, quando se sentam na cadeira do poder, esquecessem os interesses particulares e partidários e penssasem só nos interesses nacionais.
PdC
Seria realmente muito bonito. Afinal são seres humanos como todos os outros, embora se considerem deuses, muito acima de qualquer mortal.
Abraço
Caro Mentiroso,
transcrevo para aqui o comentário que deixei no Do Mirante, para que aqui o dossier fique harmonioso:
A sua clarividente visão da situação e a frontalidade com que a expõe merece a minha consideração. Infelizmente poucos têm a im+parcialidade e clareza de raciocínio para avaliar o que tem sido feito e continua a fazer-se neste rectângulo, com interesses obscuros que pouco ou nada têm a ver com o autêntico interesse nacional, mesmo quando este possa beneficiar um pouco, por tabela.
Mas já há sinais que o povo quer manifestar a sua indignação e quer deixar de se resignar. E o respeito «apenas pela cadeira» está a passar de moda, sendo indispensável que quem nela se senta mereça ser respeitado. O acordar do povo vai suceder, embora demasiado lentamente.
Um abraço
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