A corrupção é um negócio ilegítimo, e por isso secreto, entre duas partes, ambas beneficiadas, e em que, por trás, há um terceiro, normalmente o Estado, que é directa ou indirectamente prejudicado.
Desenvolve-se num caldo de cultura que lhe é propício e que deriva da burocracia asfixiante nascida de uma legislação pouco prática, demasiado restritiva e condicionante, quase sempre de interpretação difícil. O cidadão, mais vulgarmente o que tem negócios com o Estado ou as autarquias, para obtenção de licenças, alvarás ou elaboração de contratos de índole diversa, a fim de ultrapassar as dificuldade e vária ordem com que depara, procura obter a boa vontade de um funcionário «amigo» que compensará em dinheiro ou espécie conforme combinação prévia. Na sociedade materialista em que vivemos nada é gratuito, tudo se troca e tudo se paga.
Tanto o corrupto activo, o que pede o favor e dá a compensação, como o corrupto passivo, o funcionário que faz o favor, usa o seu poder de influência e recebe o «pagamento», têm consciência da ilicitude do seu acto o que os leva a tratar de tudo «entre eles» sem provas nem testemunhas. Com este secretismo, a luta contra a corrupção é difícil, pois seria necessário que um denunciasse o outro, o que, como ambos são beneficiados, só será possível quando um não concorde com o valor da compensação e não chegarem a acordo e o acto não tenha lugar.
Quem se encontra metido nisto são, de um lado, pessoas com suposto ou reconhecido poder de influência e, do outro lado, empresas ou indivíduos com capacidade financeira e do antecedente tornados «amigos» dos detentores de poder, através de pequenas «atenções». Sempre houve trocas de favores, hoje mais designadas «tráfico de influência», sendo difícil definir o que é uma simples prova de amizade e o limiar onde começa a corrupção. Daí ser fácil compreender as hesitações do legislador ao querer elaborar um corpo normativo com um sistema de controlo e de investigação que torne eficaz o combate a esse cancro que prejudica o Estado tanto no seu património, como na sua imagem e credibilidade. Os legisladores pertencem ao conjunto de cidadãos em que se inserem os tradicionais suspeitos de corrupção passiva. Convergindo com esta nos seus efeitos, há uma outra moléstia, a do «enriquecimento ilegítimo», estando uma e outra englobadas nas propostas do deputado João Cravinho que, sintomaticamente, foi afastado do Parlamento para um «degredo dourado», como é de bom uso fazer aos detentores de vozes incómodas quando política e socialmente bem colocados.
Quanto às dificuldades de definição e de provas, tem havido actos públicos suspeitos em todos os níveis, poucas autarquias estando isentas de suspeitas, assim como partidos e governantes. Foi criticado o facto de um governante ter aceitado o convite de se deslocar ao Brasil e permanecer uns dias de férias numa praia privada propriedade de um grande empresário português também dono do avião que o transportou, tal como é insinuado o facto de o PR condecorar no 10 de Junho cinco dos seus apoiantes na campanha eleitoral. Outra notícia de hoje diz que a PJ está a relacionar despacho do anterior Governo com donativo a um partido, na sequência de um projecto turístico que afectaria o ambiente.
Mas, se é difícil afirmar que num dado caso houve corrupção, é-o muito mais e até impossível afirmar que não houve. Por isso soa estranhamente que dois autarcas de Lisboa «não demonizam» uma empresa de construção civil em que recaem suspeitas de corrupção activa ligadas a obras de vulto na cidade.
El País
Há 19 minutos
1 comentário:
A ver as novidades,
bom fim de semana.
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