segunda-feira, 12 de maio de 2008

Sinais da área militar - 3

Transcrição do artigo do DN, referindo clivagens entre os chefes máximos das Forças Armadas e com o governo sobre assuntos fundamentais para a Instituição e para o País.

Os três chefes unidos contra Valença Pinto

Manuel Carlos Freire

Texto do Governo permite diferentes interpretações
O ministro da Defesa volta a reunir-se hoje com os chefes militares, para nova tentativa de fazer avançar uma reforma onde os responsáveis da Armada, Exército e Força Aérea traçaram linhas vermelhas ao modelo defendido pelo Chefe do Estado-Maior-General (CEMGFA).

O encontro de Nuno Severiano Teixeira, no Forte de São Julião (Oeiras), realiza-se quase duas semanas depois de um Conselho de Chefes de Estado-Maior (CCEM) que durou mais de 24 horas. A clivagem é tão profunda que, "pela primeira vez" na história recente da instituição militar, "os chefes dos três ramos estão unidos", assinalam todas as fontes que abordam o assunto.

De acordo com o que DN ouviu nas últimas semanas, a reforma das estruturas superiores das Forças Armadas (FA) bloqueou: de um lado estão os chefes dos ramos e, do outro, o ministro e o CEMGFA, general Valença Pinto. Um oficial superior dá voz a uma dúvida que há nos estados-maiores dos ramos: "Que [alegadas] trocas ou promessas é que foram feitas" entre o ministro e Valença Pinto? O que pode concluir-se é que a Resolução do Conselho de Ministros (RCM) feita por Severiano consagra a visão minoritária do CEMGFA - o que explicará eventuais fricções pessoais entre os chefes.

"Vive-se uma situação crítica, pois o conflito é grave e não parece ter saída", garantem diferentes fontes.

O gabinete do ministro não diz, por exemplo, se os anteprojectos de Lei Orgânica do Ministério e da Lei de Bases da Organização das FA ficaram concluídos até à data limite de 30 de Abril, conforme determinado pelo próprio governante. "Os trabalhos estão em curso, a decorrer de acordo com o programa e em estreita articulação com as chefias militares", é o máximo que se consegue saber.

Imagina-se que o Palácio de Belém está, nos bastidores, a esforçar-se por limar arestas entre as partes - um papel ingrato para o chefe da Casa Militar do Presidente, general Carvalho dos Reis: sendo amigo pessoal do CEMGFA, sabe que não se faz nada nas FA em ruptura com os chefes dos ramos.

Conselho de Chefes

Diferentes fontes deixam subentendido que a clivagem já extravasou o nível institucional: "Os conceitos e princípios [da reforma] é que interessam. Quando se perde isso de vista, começa a entrar-se nas relações pessoais."

Os generais e almirantes dos ramos rejeitam "a visão de mandar em tudo" que, afirmam, Valença Pinto tem. "Há que manter os equilíbrios de competências e atribuições" entre os quatro chefes militares, insistem. Ora é esse equilíbrio que parece em vias de se romper: pelo "esvaziamento do Conselho de Chefes", pela criação de um comando operacional conjunto que dá ao CEMGFA poder completo sobre todas as missões das FA, pela colocação do centro de intelligence na dependência directa do CEMGFA.

Os problemas surgiram logo com a leitura da Resolução do Conselho de Ministros (RCM), em Fevereiro, que dá ao CEMGFA a responsabilidade de "harmonizar" os orçamentos militares "em articulação com os chefes de Estado-Maior dos ramos, ouvido o Conselho de Chefes". Para o general Loureiro dos Santos, o CEMGFA "dá directivas e traça objectivos estratégicos". Compete àquele órgão pronunciar-se sobre dinheiros, "pois os orçamentos abrangem também matérias administrativo-logísticas. E estas matérias são tratadas entre o ministro e os chefes dos ramos", defende o general.

Esta é uma das orientações que faz os ramos temerem pela transformação d o CCEM num mero órgão de aconselhamento do CEMGFA - que já não fica vinculado às posições do Conselho. A concretizar-se, alerta o general Silvestre dos Santos, haverá uma consequência imediata: "Os chefes vão discutir para o Conselho Superior de Defesa Nacional [presidido pelo Chefe do Estado] e partir a loiça toda naquele órgão, em frente a todos os seus membros."

Comando Conjunto

Outro factor de discórdia é a criação de um Comando Operacional Conjunto (COC) no futuro Quartel-General das Forças Armadas, com poderes de comando e controlo sobre todo o tipo de operações. Os ramos - em especial a Marinha e a FAP, por terem responsabilidades próprias enquanto Autoridade Marítima e de Defesa Aérea, respectivamente - mostram-se irredutíveis: nas missões onde só são empregues forças navais, terrestres ou aéreas, o COC "não tem de intervir" directamente.

Reis Rodrigues, ex-comandante naval e que esteve na reunião do Grupo de Reflexão Estratégica que o ministro convocou para analisar a reforma das FA, diz: "Se querem que o CEMGFA comande também operações de captura de uma traineira ou de busca e salvamento no mar, ele não terá tempo para fazer mais nada." Silvestre dos Santos adianta: "Se o CEMGFA quiser o comando completo das FA, não faz mais nada e atola-se em papéis e decisões."

No site jornaldefesa.com, o vice-almirante João Ferreira Barbosa lembra que "os comandos operacionais conjuntos que foram aparecendo em vários países (...) destinam-se exclusivamente a comandar as forças nacionais destacadas nos teatros de operações do exterior, o que, para alguns países, significa 20 ou 30 contingentes". No caso português, "a média de forças destacadas tem sido de três ou quatro pequenos contingentes" com menos de 200 efectivos. "Os quase 15 anos de forças nacionais destacadas (...) estão aí para o provar. Porquê, então, mudar?"

Um oficial no activo sublinha, com base na RCM, que a reforma procura dar "mais eficácia e melhor articulação" entre as diferentes estruturas das FA. "É isso que vai suceder, com o que está na mesa? O que existe tem funcionado mal? Vai haver poupanças?", interroga. Note-se ainda que a RCM, na alínea m) da nota justificativa, diz que "a execução dos projectos legislativos resultantes das orientações [da resolução] não requerem meios financeiros e humanos adicionais" - o que faz rir várias fontes.

A RCM deixou antever problemas desde o início. "Entre apresentar papéis e fazer legislação há muitas diferenças", frisa uma alta patente. Reis Rodrigues diz que "a RCM está feita numa linguagem que, em termos técnico-militares, tem erros graves". Por exemplo, "harmonizar [orçamentos] é uma expressão sem conteúdo legal, que dá para tudo". E essa "é uma função política", que o CEMGFA "não pode assumir", frisa.

2 comentários:

Anónimo disse...

É sempre a mesma coisa! Mas como cada vez há menos para dar agora só querem "comprar" o CEMGFA! deixando os outros no "tinteiro"!
Talvez com isto acordem de vez e comecem a exigir mais respeito pelas Forças Armadas e Forças de Segurança.

A. João Soares disse...

Caro Luís,
Este teu comentário vem dar razão às reflexões da parte final do meu comentário em «Sinais da área militar -1». A corda estica apenas enquanto tem elasticidade, depois rompe. E, a partir da rotura, tudo pode acontecer, se não estiverem bem planeadas as acções para todas as hipóteses que possam surgir. O ponto fraco do 25 de Abril foi nada estar preparado para o 26, e ter resultado na bagunça a que chamaram PREC e de que ainda se sofrem as consequências.
Deixo aqui este alerta para os jovens, aqueles que terão de suportar, durante os anos que viverem, o resultado dos erros que agora estão a ser cometidos.
Um abraço
A. João Soares