Célebre e violento discurso do general Gomes da Costa, pronunciado perante o ministro da Guerra, em Agosto de 1925
No dia 15 de Agosto de 1925, a guarnição militar de Lisboa foi ao Terreiro do Paço, com o General Gomes da Costa à frente, apresentar cumprimentos ao novo ministro da Guerra, Sr. General Vieira da Rocha. Reunidos os oficiais superiores no gabinete do ministro, pronunciou o general Gomes da Costa o seguinte discurso:
“Sr. Ministro: - Impõe-me a minha graduação o dever de dirigir a V. Ex.ª algumas palavras em nome dos oficiais aqui presentes e se presume representarem todo o Exército.
Não tendo, porém, conversado previamente com eles, eu desconheço o que eles pensam acerca desta convocação que a repartição do gabinete se não esquece de fazer sempre que um novo ministro toma posse do cargo e que pela sua frequência e imposição não tem outro significado mais que o simples cumprimento duma ordem banal.
Creio bem que, por isso mesmo, deve V. Ex.ª, que sempre tem sido um soldado, sentir como todos nós a inutilidade e até mesmo o ridículo de uma cerimónia que só se justificaria, pelo entusiasmo suscitado após um alto feito militar, mas que em circunstâncias normais tão vexatória é para V. Ex.ª como para nós.
V. Ex.ª, que não é a primeira vez que exerce o cargo de ministro da Guerra, deve saber do miserável estado do Exército, desprovido de organização, desprovido de instrução, desprovido de material, absolutamente incapaz de oferecer uma resistência séria.
V. Ex.ª deve conhecer como nós a impossibilidade de mobilização imediata de uma simples divisão e da carência de armas, munições, cavalos, viaturas, etc. Deve V. Ex.ª conhecer a desorganização dos diversos serviços militares e o desleixo que para aí vai.
Não me proponho detalhar agora toda a nossa miséria; mas, convém acentuar que não a desconhecem as nações que têm representantes em Lisboa, representantes que não são cegos nem tolos e têm por dever informar-se para saber informar os seus governos. Para lamentar é que sejamos nós, os que do Exército fazemos parte, quem menos conhece a verdadeira situação militar de Portugal, devido à norma das repartições superiores que envolvem tudo num véu de mistério, a coberto do qual nada fazem e gozam duma reputação nebulosa de saber e austeridade.
Não há muito que achando-me à testa da 4ª Divisão do Exército e querendo inteirar-me do problema da defesa do território que comandava, eu pedi à estação competente para me confiar o plano de mobilização e defesa para o estudar: responderam-me que os planos de defesa eram secretos e portanto me não podiam ser enviados!
Pasmei, e considerei esta resposta tão ridícula que preferi crer que não passava de uma simples forma de encobrir a ausência de qualquer plano; e até hoje continuo com a mesma convicção.
Cito apenas este caso, entre muitos outros assaz curiosos, para demonstrar a V. Ex.ª a necessidade de alterar todo este estado de coisas, introduzindo uma reforma radical nos usos e costumes do Exército, por forma a acabar com a mentira que nele reina e faz a fortuna a muita gente. E é destas e doutras causas análogas que vem a indisciplina provocada pelos de cima também com as suas faltas de tacto, de saber e de critério e, sobretudo, pela sua ausência de espírito militar. Escuso de acentuar a necessidade de preparação, pois hoje com a complicada ciência que é a guerra, não se improvisam exércitos e quem os não possuir bem preparados e organizados desde o tempo de paz será irremediavelmente batido ao entrar nela.
Poderá parecer estranho que tendo nós recebido ordem para apresentar cumprimentos a V. Ex.ª, cumprimentos que a tradição impôs como afirmação da passividade imbecil e conformação com o estado de inércia mental a que nos têm reduzido, eu quebre essa norma chamando a atenção de V. Ex.ª para a falta de preparação militar do País; mas, senhor ministro, eu entendo que o meu dever como soldado, que me orgulho de ser, consiste precisamente em dizer o que penso, para que ao derrocar-se esta nacionalidade se não diga que tendo uma oportunidade de chamar a atenção do Governo para a miséria militar da Nação eu a deixei escapar por comodismo ou cobardia. Fazendo justiça às qualidades militares de V. Ex.ª, a quem conheço há cerca de 30 anos, desde que servimos sob as ordens desse grande soldado chamado Mouzinho de Albuquerque, que teve a coragem de se meter na sepultura quando começou a derrocada que conheceu e não pôde suster, fazendo justiça a V. Ex.ª, repito, eu convenço-me de que V. Ex.ª saberá preparar o Exército por forma a que ele ocupe o lugar de honra que na nacionalidade lhe pertence, e sirva efectivamente para a defesa da Pátria.
Aljubarrota, Exmº. Sr., não é um facto isolado na História de Portugal e pode repetir-se sempre que haja um Governo consciente da sua missão e saiba pôr acima dos interesses particulares o interesse nacional e não faça da cobardia uma virtude cívica.
Organize V. Ex.ª, como é seu dever, os serviços militares, influa, como é também seu dever, para que o Governo de que faz parte ponha em ordem a administração civil e financeira, cortando as cabeças a todos os chefes das quadrilhas que com a maior desvergonha e impunidade andam há anos a esta parte comprometendo a honra da Nação, e pode V. Ex.ª estar certo que todo o Exército o apoiará entusiasticamente nesse trabalho.
Tem V. Ex.ª o coração colocado bem no seu lugar e de forma a poder encarregar-se dum tal papel?
É o que resta ver”.
A Decisão do TEDH (397)
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Da Wikipedia:
Manuel de Oliveira Gomes da Costa (Lisboa, 14 de Janeiro de 1863 - Lisboa, 17 de Dezembro de 1929), oficial do exército e político português, décimo presidente da República Portuguesa e o segundo da Ditadura Nacional.
Enquanto militar, destacou-se nas campanhas de pacificação das colónias, em África e na Índia, e ainda na I Grande Guerra.
Enquanto político, foi o líder que a direita conservadora encontrou para liderar a Revolução de 28 de Maio de 1926, com início em Braga (isto após a morte do general Alves Roçadas, que deveria ter sido o seu chefe).
Não assumiu de início o poder, que foi confiado a Mendes Cabeçadas, o líder da revolução em Lisboa; como os revolucionários julgassem a atitude deste um pouco frouxa, Gomes da Costa viria, após sucessivas reuniões conspirativas mantidas no quartel-general de Sacavém, a alcançar o poder, após um golpe ocorrido em 17 de Junho de 1926.
No entanto, o seu Governo não durou muito mais que o de Mendes Cabeçadas; em 9 de Julho do mesmo ano, uma nova contra-revolução, chefiada pelo general Óscar Carmona, derrubou Gomes da Costa, incapaz de lidar com os dossiês governativos.
Carmona, agora Presidente do Conselho de Ministros, enviou-o para o exílio nos Açores, e fê-lo Marechal do Exército português.
Em Setembro de 1927, regressou ao Continente, tendo falecido em condições miseráveis, sozinho e pobre.
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