No mesmo espírito do post Investigar é mais saudável do que abafar, transcrevo o texto de José António Saraiva, com o mesmo título agora recebido por e-mail.
Tive a sorte de nascer numa família em que as pessoas não têm medo de dizer o que pensam. Já algumas pagaram por isso. Mas nunca se vergaram.
Também por esta razão tive pena de ver António Vitorino, na segunda-feira, na RTP.
Quando soube que ele ia falar do caso Face Oculta – e da revelação, pelo SOL, da existência de um plano para controlar vários órgãos de comunicação social –, pensei que iria dizer: «Perante as suspeitas que se levantaram, acho que deve esclarecer-se tudo para não ficarem a pairar dúvidas sobre um assunto tão delicado».
Seria fácil dizê-lo, não comprometia ninguém – nem o comprometia a ele.
Mas António Vitorino disse outra coisa.
Começou por dizer que havia que distinguir a questão política da questão judicial.
E que a questão judicial estava encerrada depois da decisão tomada pelo procurador-geral da República e pelo presidente do Supremo.
Só restava, pois, a questão política.
Sobre esta, explicou que as escutas eram parcelares e podiam estar descontextualizadas.
Adiantou que o facto de nelas se falar no primeiro-ministro não significava que este estivesse envolvido, pois qualquer pessoa pode invocar o seu nome.
Lembrou que a compra da TVI pela PT foi travada pelo próprio Governo, utilizando a golden share.
E que o caso estava a ser objecto de aproveitamentos políticos por parte da oposição.
Acrescentou, finalmente, que as escutas publicadas pelo SOL não foram arquivadas – pois o arquivamento só abrangeu as escutas em que estava envolvido o primeiro-ministro.
E considerou que a publicação dessas escutas foi uma violação do segredo de Justiça.
Interroguei-me: será que ouvi bem?
Tudo visto e somado, segundo Vitorino estaríamos em presença de mais uma cabala: a Justiça já disse que não houve nenhum crime, o nome de Sócrates terá sido abusivamente invocado (e até foi ele que travou o negócio de compra da TVI), a imprensa portou-se mal violando o segredo de Justiça, a oposição está a tentar retirar do caso dividendos políticos.
Foi penoso ouvir António Vitorino.
Porque era óbvio que não acreditava em quase nada do que dizia, limitando--se a debitar um discurso encomendado.
Era notório que faltava a Vitorino coragem para dizer o que pensava – ou então para pensar pela própria cabeça, o que vai dar ao mesmo.
Apesar do cinismo das suas declarações, sublinhadas por um sorriso mefistofélico a que recorre com frequência, vou responder-lhes ponto por ponto.
1. Vitorino diz que a questão judicial está arrumada, porque já houve decisões do procurador-geral e do presidente do Supremo sobre este assunto.
Ora, não entra pelos olhos dentro que é isso mesmo que está em causa?
Que, perante o que veio a público, o PGR e o presidente do STJ são suspeitos de terem actuado com o objectivo de proteger o poder político, servindo-lhe de pára-choques?
2. Vitorino admitiu que as escutas estejam descontextualizadas, e que pode ter havido invocação abusiva do nome de Sócrates.
Ora, sobre a ‘descontextualização’, alguém tem ainda dúvidas de que existia um plano para controlar certos meios de comunicação social?
Sobre o primeiro-ministro, alguém acredita que os seus homens de mão (um dos quais usava no computador pessoal a palavra-passe Sócrates2009) invocavam o seu nome para o comprometer?
3. Vitorino disse, sem se rir, que foi o Governo que travou a compra da TVI pela PT.
Será que não se lembra que o negócio só foi travado quando se levantou no Parlamento uma onda de protesto e o Presidente da República denunciou a situação em público (como notou Judite de Sousa), havendo mesmo o risco sério de chegar uma queixa às instâncias internacionais?
4. Vitorino disse que estas escutas não foram arquivadas, mantendo-se em investigação, só tendo sido arquivada a parte relativa ao primeiro-ministro.
Ora – deliberada ou involuntariamente – Vitorino também se enganou neste ponto.
As escutas publicadas pelo SOL, apesar das evidências nelas contidas, foram mesmo arquivadas.
E, sendo assim, transitaram para todos os efeitos em julgado, não estando sujeitas a segredo de Justiça.
Há dois meses vi Armando Vara ser entrevistado na RTP pela mesma jornalista.
E vi-o mentir sem qualquer pudor sobre questões que eu conhecia bem.
Admiti que Vitorino, pronunciando-se sobre o processo Face Oculta, quisesse distinguir-se de Vara – até para não ser metido no mesmo saco.
Infelizmente, isso não aconteceu.
Não se demarcando do caso, torcendo-se para negar as evidências, refugiando-se em questões formais, fechando os olhos aos indícios comprometedores, António Vitorino aceitou ficar neste processo ao mesmo nível de Vara e dos seus amigos.
Estando a despedir-se da RTP, é pena que não tenha feito nenhum esforço para defender a imagem que dele ficará na memória dos telespectadores – não mostrando o mínimo de isenção exigível a alguém que até já foi comissário europeu.
António Vitorino não tinha necessidade disto.
José António Saraiva
O almirante e o medo
Há 1 hora
2 comentários:
Caro João,
"Ele" foi o "homem da mala" e ficou bem retratado no "esgotado" Livro do Mateus! Há que ter boa memória para não sermos enganados.
Portanto está na onda de defender o "tacho"!!!
Um abraço amigo.
Meu caro Luís,
Estás a chegar ao meu conceito de que é preciso que as gerações mais novas tomem conta do poder, porque nessa juventude, há mais oportunidade de encontrar pessoas não viciadas na manhas da conquista de votos, pocu metidas nas cumplicidades, nos conluios, nas conivências. Precisamos daqueles que ainda não transportaram a mala!
Uma coisa pouco positiva é sublinhada pelo autor do texto, a sua vontade de ocultar a verdade e fugir ao esclarecimento. A falta de clareza e de verdade, é inimiga da confiança e, sem esta, nada de positivo de consegue.
Um abraço
João
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