Apesar da fúria legislativa obsessiva, a sinistralidade rodoviária mantém-se a um nível escandalosamente alto, embora com pequenas variações para cima e para baixo. Para que serve tanta legislação criada e alterada com a visível preocupação de dificultar cada vez mais a vida dos condutores cumpridores? Sou do tempo em que os carros eram muito menos seguros e menos rápidos na travagem e em que a velocidade permitida nos centros urbanos, com ruas estreitas chegava aos 60Km/h, enquanto hoje, com os carros muito mais seguros há vastas zonas urbanas de largas avenidas com a limitação de 40Km/h e estão a nascer como cogumelos troços com limitação de 30Km/h. Parece obra dos «malucos do riso». Há quem diga que quem decide a localização dos sinais é uma equipa municipal e, quando o motorista diz que ali é perigoso ir a mais de 100, o chefe manda instalar um sinal de 40 e, se mais tarde ali há um acidente, manda substituir por um de 30. É uma explicação muito verosímil e demonstrada pela observação dos locais. Apesar de tanta restrição, há carros potentes que, impunemente, «abrem» nas cidades como se estivessem a circular em autódromo.
Perto de minha casa há uma rotunda cuja placa central, em terra elevada e relvada tem sido frequentemente «rasgada» pelos rodados de carros que logo à frente esvaziam o óleo do cárter espatifado e, por vezes destroem o muro do jardim da moradia da esquina.
Mas, apesar dessa inutilidade das leis elaborada à pressão, o legislador não medita neste fenómeno e, ilogicamente, continua com a obsessão de fazer mais obra. Cai uma avioneta por distracção e manobra errada do piloto e a reacção do Poder promete mais uma lei para evitar isto. Mas evitar como? Apareceu também uma lei sobre o controlo de armas, ocupando cerca de 10 páginas do DR, a qual apenas será cumprida pelas pessoas bem comportadinhas, pois aquelas que costumam usá-las para assaltar e roubar não se dão ao cuidado de a folhear. Alguém se convence que, pelo facto de existir essa lei tão perfeitinha que só falta referir o garfo de mesa como uma perigosa arma branca, estamos agora menos arriscados a ser roubados e agredidos na rua, no carro ou em casa sob a mira de uma arma? Alguém está convencido de que pelo facto de a lei entrar em vigor, os cidadãos passarão a viver mais seguros? A mesma pergunta se pode fazer quanto à queda de avionetas, enquanto que a inutilidade dos sucessivos agravamentos do código da estrada já é do conhecimento público.
Efectivamente, o País não funciona mal por falta de leis, mas ninguém parece preocupar-se seriamente em estudar o diagnóstico e em aplicar a melhor terapia. E tudo vai continuando na mesma, quando não piora, porque o hábito arreigado de desrespeitar as leis não augura um futuro salutar.
Publicada por A. João Soares em 10 de Setembro de 2006 em «A Voz do Povo»
"Cancelamentos culturais" na América (4)
Há 5 horas
6 comentários:
Leis há, o que falta é civismo.
Cumps
Caro Guardião,
A profusão de eis, extensas e muito pormenorizadas, faz que ninguém as leia e lhes dê importância. São inúteis, até porque a maioria carece de regulamentação e esta não aparece.
Há um problema que começa a ser preocupante e os políticos parem mais uma lei e vão dormir descansados com a consciência tranquila. Mas o problema continua. Como acontece com o código das estradas, com a lei das armas, etc.
Há leia a mais e civismo a menos, em todos os sectores.
Abraço
João
Falta civismo e não é pouco! Mas se não conseguimos educar as pessoas, então tenham o bom senso de fazer leis práticas e simples.
E mão pesada, mas a sério, não mão pesada para fabricar leis que só servem para angariar receitas! Dói muito mais ficar 3 meses sem poder conduzir, ou ter que tirar outra vez a carta, que pagar 500 euros de multa.
Caro AP,
É difícil descortinar o que se passa dentro do crânio dos governantes e deputados. Por vezes as novas leis não são propriamente feitas para aumentar as receitas, embora acabem por ter esse efeito e o de complicar a vida ás pessoas. Parece que a finalidade é satisfazer o seu desejo de fazer qualquer coisa, mesmo que tudo fique na mesma. Fazem uma lei e vão dormir mais descansados!
Vejamos: Na segurança rodoviária não têm conseguido reduzir visivelmente a sinistralidade, apesar de quase todos os anos terem incluído alterações agravando as multas e tornando a vida mais difícil. Quanto à sinistralidade fizeram a lei do controlo das armas, mas parece que o resultado está a ser o contrário do pretendido. A Justiça não foi melhorada, o Ensino também não, a Saúde é o que se vê.
Às vezes chego a sugerir (com alguma ironia) que, à semelhança do contrato do Scolari, se contrate uma pequena equipa de gestores estrangeiros, para virem cá tomar as rédeas do Governo durante 4 anos. Eles que seleccionem os portugueses que pretendem ao seu lado e que depois desse estágio ficarão melhor preparados do que os actuais e os anteriores, para governarem. Entretanto os partidos ficarão suspensos, em meditação para entrarem em funções mais tarde com os resultados das suas reflexões e acções de formação.
Precisamos de quem queira gerir esta grande casa pensando no bem-estar dos portugueses, que penso dever ser essa a finalidade dos governantes.
Um abraço
João
Já Tacitus (historiador romano, 116 DC)dizia em "Os Anais da Roma Imperial": "Quanto mais corrupto um governo, maior o número de leis!" ehhehe
Manuela
Cara Manuela,
Cada vez ma admiro mais com o saber dos antigos!!! Agora que há computadores, que já se foi à Lua e já se enviou uma sonda a Marte, nada se melhorou no conhecimento das pessoas e nas instituições em que se integram.
Beijos
João
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