quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Insegurança. Palavras

Por mais palavras enganadoras que nos digam, a insegurança em que Portugal está a viver preocupa as pessoas, e a solução desejada não pode resumir-se a palavras. No entanto vamos dar uma olhadela pelo panorama das palavras recentes.

Cavaco Silva (1), em Odemira, dirigiu-se aos jornalistas para deixar um sinal de alerta: "A onda de assaltos e crimes violentos que se tem vindo a verificar no nosso país é uma coisa muito séria". E, no seu entender como Chefe de Estado, a situação exige outra intervenção do Estado, e pede ao Governo novas medidas para combater um novo fenómeno criminal e meios para que as forças de segurança cumpram a sua função: "É preciso adaptar a estratégia", explicou o Presidente, acrescentando "esperar que (as polícias) tenham os meios e instrumentos necessários" para isso. São palavras cautelosas como convém ao seu cargo, mas evidenciou participar com convicção nos sentimentos vividos no terreno pela população.

O General Garcia Leandro (2), com a sua clarividência e frontalidade já do conhecimento dos portugueses, diz que o aumento da criminalidade se deve "ao número de armas ilegais e sem controlo, aos guetos que se vão criando nas cidades e à difícil inclusão social e à crise que o país atravessa". Considera que "existe de facto este aumento de criminalidade, mas o que temos de analisar é se é sazonal ou não" e explica que Agosto é um mês "de muito movimento e os malfeitores aproveitam-se".

Mas, a sua diversificada experiência e sentido prático levam-no a citar o assalto à carrinha de valores da Prosegur, na semana passada, na auto-estrada do Sul (A2), como um dos exemplos que "é crime organizado puro", e argumenta que, em boa parte, "foi irresponsabilidade da empresa. Não tomaram as devidas precauções de segurança. As rotinas são muito perigosas e os criminosos são cada vez mais cuidadosos no estudo que fazem do alvo".

Segundo ele, para obter uma solução "não se pode esperar que seja o Estado a fazer tudo. As empresas têm de apostar na prevenção. Os bancos, por exemplo, arriscam demais. Há soluções tecnológicas que ajudam a prevenir assaltos. Aliás alguns bancos já dispõem dessa tecnologia. As entidades privadas têm de assumir responsabilidades".

Admite que tem havido aumento preocupante de crimes como carjaking (roubo violento de veículos na presença do condutor), roubos a tesourarias, estações de correios, postos de abastecimento e roubo ou furto por esticão, que registaram mais ocorrências.

Por outro lado, o General Leonel de Carvalho (3), procurando estar sintonizado com o Governo e ser politicamente correcto e sossegar a população pelo método ‘sorriam para chegar ao além com ar feliz’, defende que a situação, «sendo preocupante, não tem a dimensão que os órgãos de comunicação têm tentado transmitir à opinião pública». Mas acaba por evidenciar que não estava a falar com sinceridade, ao sacudir a água do capote, dizendo que apenas é coordenador e não tem responsabilidades operacionais! Com tais palavras, deixa-nos a dúvida: coordenador de quê e para quê? Qual a necessidade do seu cargo? Que benefício colhem os portugueses da sua coordenação?

Posteriormente, o Ministro da Presidência (4) reconheceu que há "algum aumento da criminalidade violenta", que são "situações que não devem ser minimizadas", mas assegurou que o Governo "está a acompanhar a situação com preocupação" e está a "adoptar as medidas necessárias". E acrescentou que "as palavras que devemos deixar é de confiança nas Forças de Segurança e serenidade da população em face da situação que se está a viver".

De todas estas palavras e a alusão demasiado vaga a prometidas «medidas necessárias» e à confiança nas Forças de Segurança, parece poder concluir-se:
As Forças de Segurança, os órgãos da Justiça e a estrutura administrativa e política que encabeça e tutela estas instituições falharam em dois aspectos:

1. Com a sua lassidão, falta de previsão e rotina tépida, permitiram que a criminalidade aumentasse e criasse uma desconfortável sensação de insegurança em toda a população que não beneficia de guarda-costas;

2. Estas instituições evidenciam incapacidade de fazer face à crescente «onda de assaltos e crimes violentos» e não dispõem de energia organizativa para se reestruturarem de imediato para o desempenho da importante função de garantir aos portugueses a defesa de pessoas e bens, e a possibilidade de viverem uma vida familiar, social e profissional em moldes normais.

A sugestão de Garcia Leandro é muito sensata, de utilização permanente, mas os portugueses não podem suprir as incapacidades do Estado materializada nas Forças de Segurança e na Justiça actuais.

NOTAS:

(1) Cavaco Silva põe pressão sobre o Governo
(2) Observatório fala em subida sazonal do crime
(3) GCS: Número de crimes aumentou 10% no primeiro semestre
(4) Governo reconhece aumento da criminalidade violenta

3 comentários:

Essencial Ser... disse...

boa noite amigo João Soares, é com muito agrado que encontro mais um cidadão preocupado com este país á beira mar plantado. comungo da sua opinião e da forma como vê a forma de governar. agradeço o seu comentário no meu blog e informo-o que irei colocar um link para o seu, que estou certo de que vai completar o objectivo de ajudar e elucidar o próximo.
bem haja

paz e bem
Ricardo Pinto
http://essenciadoser.blogspot.com

A. João Soares disse...

Caro RP,
Já tenho o seu link aqui e em http://essenciadoser.blogspot.com. Neste outro blog estão dois comentários muito interessantes sobre a Insegurança. Parece não haver grandes iniciativas para restabelecer um nível de segurança aceitável. A lei não apoia a actuação da polícia e não permite à Justiça funcionar com eficácia.
As recentes alterações ao Código Penal só beneficiaram os criminosos que aproveitaram as facilidades e aí estão a actuar como cavalo fogoso com o freio nos dentes!
Pergunto o que este Governo de incompetentes pretende fazer deste País?
E o MJ declara, com «orgulho e sobranceria» forçado que não vai mexer no código. Parecia inteligente, mas está a parecer mais teimoso do que um burro.
Abraço
João

A. João Soares disse...

Durante a vida «activa», tive de aprender algo sobre administração e organização. Tive, por exemplo, em dada altura como colega o Eng Melancia e como professor o Eng francês Pierre Sadoc. Nessa e noutras ocasiões, adquiri a noção de que em organização tudo deve ser simples de modo a ser fácil traduzir a estrutura num organigrama de linhas verticais e horizontais, em que uma posição depende hierarquicamente apenas de outra, isto é, cada pessoa tem apenas um chefe de quem recebe ordens e a quem presta contas.

Agora, estou confuso com a criação de mais uma entidade na já complexa estrutura da segurança. As Forças de Segurança dependem do MAI, a PJ e os tribunais dependem do MJ, as Forças Armadas (eventualmente com funções de segurança) dependem do MDN. Até aqui, a confusão é relativamente controlável com um bom sistema de ligação entre os ministérios e, por sua delegação, entre as instituições com informação, oportuna às respectivas tutelas.

Mas entretanto foram criados o Gabinete Coordenador de Segurança (GCS) e o Observatório de Segurança, que devem sentir imensas dificuldades no exercício das suas actividades, sem definição de dependência e sem clareza na sua autoridade e no efeito dos seus relatórios. A solução mais adequada teria sido classificá-los como órgãos de apoio e de consulta ao serviço do Chefe do Governo ou mesmo do PR, aos quais relatariam as suas observações sobre os diferentes aspectos da segurança, e esses relatos serviriam de base aos seus chefes (PM, ou PR através do PM) para alertarem os ministros respectivos para os problemas existentes e a necessidade de adoptar as medidas por eles consideradas convenientes. Não haveria atropelos de hierarquia, nem promiscuidades de ingerências menos respeitosas.

Presentemente, para maior confusão, surge um Secretário-geral da Segurança Interna, com uma posição mal definida. Depende do PM mas tem acção sobre quem? Se tiver acção sobre as FS está a colocar em curto-circuito o MAI, se se imiscuir no SIED está a curto-circuitar o MDN, se meter o nariz na PJ está a desconsiderar o MJ. Se estas instituições lhe obedecerem estão a cometer uma falta grave perante a respectiva tutela. Como reagirão estas instituições se receberem ordens, directivas ou sugestões contraditórias da tutela e do SGSI? A quém devem obedecer? Quem tem o direito de lhes puxar as orelhas se falham?

Secretário-geral da Segurança Interna só pode funcionar se for considerado um órgão de apoio e de consulta do PM, com autoridade para observar em pormenor e por dentro o funcionamento das referidas instituições, relatar ao PM e propor-lhe recomendações que ele, se concordar, dirigirá aos respectivos ministros. Não se trata, por isso, de um superpolícia, não manda nas polícias, não desautoriza MAI, nem MDN, nem MJ. É apenas um órgão de «staff» do PM, para questões de segurança.
A. João Soares