sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Presidente da República no 5 de Outubro

Intervenção do Presidente da República na Cerimónia das Comemorações dos 97 anos da Proclamação da República

Lisboa, 5 de Outubro de 2007

Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhor Primeiro-Ministro
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa

Portugueses,

Há um ano, na qualidade de Presidente da República, dirigi-me pela primeira vez aos Portugueses na cerimónia evocativa da proclamação da República.

Referi, então, que a aproximação das comemorações do centenário da República, em 2010, nos obriga a reflectir sobre o sentido de tais comemorações e que estas devem ser uma forma de unir os Portugueses em torno dos ideais republicanos, ao invés de os dividir a pretexto de causas controversas.

A este propósito, não posso deixar de recordar as palavras do primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga, no balanço que fez do seu mandato e dos objectivos que o nortearam:

«A nossa aspiração foi sempre reunir a família portuguesa, sem distinção de confissões, de seitas e de partidos, em volta da Pátria, visto a Nação achar-se na posse da sua própria soberania com a proclamação da República.»

É com este mesmo espírito que o centenário da República deve ser assinalado pelos poderes públicos e pelas instituições da sociedade civil.

Referi também, há precisamente um ano, neste mesmo lugar, os ideais cívicos do republicanismo, enaltecendo a dimensão ética da cultura republicana e as exigências daí decorrentes, nomeadamente no que respeita à responsabilização dos titulares de cargos públicos e ao combate à corrupção.

Decorrido um ano, registo que na Assembleia da República foram apresentadas múltiplas iniciativas legislativas visando aumentar a eficácia da luta contra a corrupção.

Apelo a que os Senhores Deputados aprofundem o esforço já empreendido para concretizar, no plano legislativo, o ideal republicano de uma maior transparência da vida pública.

Renovo, nesta cerimónia solene, a minha exortação a uma redescoberta dos valores republicanos. Entre eles, destacaria o ideal educativo, que sempre marcou o programa político do regime instituído em Outubro de 1910.

Não por acaso, a Primeira República foi um período em que se destacaram notáveis pedagogos, em que foram lançadas iniciativas inovadoras, como as escolas-oficinas, ou aprofundados projectos educativos, como o dos jardins-escolas.

Este esforço não permitiu, todavia, resolver alguns dos mais graves problemas com que o País se debatia nos alvores da República.

E ao fim de quase um século de existência, temos de reconhecer que a República não conseguiu resolver aquela que é a principal causa do nosso atraso estrutural: as deficiências na educação das crianças e dos jovens.

Passados mais de trinta anos sobre a instauração do regime democrático, o problema persiste, desde logo em comparação com outros países europeus.

De acordo com os dados do recenseamento populacional de 2001, 45% da população entre os 18 e os 24 anos não foi além da escolaridade obrigatória nem frequentou qualquer curso de formação profissional.

Ao longo destes cem anos, perdemos demasiado tempo a corrigir erros praticados no passado.

Tratámos a escola como um problema de governo e não como um problema de regime. E concentrámo-nos em demasia na relação entre o Estado e a escola, sem atender ao papel e às responsabilidades próprias da sociedade civil.

É um facto que, nas décadas mais recentes, foi feito um esforço para recuperar o tempo perdido, mas, em matéria educativa, é muito generalizada a ideia de que estamos ainda à procura do caminho certo. O caminho da excelência e da exigência na educação dos Portugueses.

Encontrar uma estratégia nacional para a educação das novas gerações, que a todos mobilize, é a melhor homenagem que podemos prestar aos valores republicanos.

Nesta ocasião, gostaria de propor aos Portugueses um novo olhar sobre a escola, sobre um modelo escolar construído à luz da ideia de inovação social.

Não quero dirigir-me especialmente ao Governo e à Assembleia da República. Quero dirigir-me a todos os Portugueses.

A ideia de inovação social impõe-nos novas estratégias, conceitos e práticas para a satisfação de necessidades sociais.

A ideia de «inovação» não é um exclusivo das actividades empresariais. É possível inovar – e inovar socialmente – nos mais variados campos, incluindo a educação.

Devemos começar por afirmar que uma escola republicana é uma escola plural e aberta, que cultiva a convivência entre as mais diversas convicções, credos ou ideologias.

É também uma escola neutra, no sentido em que não se encontra ao serviço de uma qualquer ideologia oficial patrocinada pelo Estado ou qualquer organização.

Por outro lado, importa sublinhar que a educação é a base da verdadeira inclusão social, pois esta encontra-se associada, em larga medida, às qualificações e competências de que cada um dispõe.

Mas também num outro sentido se deve salientar o carácter inclusivo da escola: a democratização do ensino e a escolaridade obrigatória são factores de igualdade e elementos de convivência interclassista, interracial ou interconfessional.

Para que essa convivência não se limite à superfície da realidade, é necessário que existam condições materiais para uma efectiva igualdade de oportunidades, a qual só pode alcançar-se através de um maior e mais activo envolvimento da comunidade com a escola.

Temos, de facto, de adoptar uma nova atitude perante a escola. Temos de perceber que aí residem os activos mais importantes do nosso futuro.

É imperioso ter a consciência de que o investimento mais reprodutivo que poderemos fazer é nas crianças e nos mais jovens.

Essa é uma consciência que, antes de mais, tem de existir nos pais, o que pode exigir uma intervenção personalizada no sentido da adequada valorização da educação dos filhos.

Preocupamo-nos em cuidar dos nossos filhos no plano material, mas é frequente julgarmos que a educação, o bem mais importante e decisivo para o seu futuro, é tarefa que compete sobretudo a outros.

Muitos continuam a encarar as escolas como «fábricas de ensino», para as quais enviam os filhos e aí depositam por inteiro o trabalho de os formar para o futuro.

A primeira grande interpelação deve ser feita aos pais: de que modo participam na educação dos vossos filhos?

Não basta adquirir livros e manuais, assistir de quando em quando a reuniões de pais ou transportar diariamente os filhos à escola.

Há toda uma cultura de autoexigência que deve ser estimulada nos pais, levando-os a envolver-se de forma mais activa e participante na qualidade do ensino, na funcionalidade e na conservação das instalações escolares, no apoio ao difícil trabalho dos professores.

A escola está inserida na comunidade. Poder-se-á dizer, de certo modo, que uma comunidade deve ser construída tendo a escola como centro. Daí que as autarquias locais devam assumir maiores responsabilidades relativamente aos estabelecimentos de ensino.

A gestão das escolas deve ser gradualmente entregue às suas comunidades de pertença, para que estas possam rever-se nos seus resultados.

Além das autarquias, as organizações não-governamentais da sociedade civil e as empresas da região devem ser chamadas a desempenhar um papel activo neste processo de inovação social, na linha de algumas experiências que já vêm sendo realizadas com sucesso em certos pontos do País.

As modernas tecnologias de informação e comunicação podem ser utilizadas para criar uma verdadeira interconexão entre a escola e a sociedade.

Há que promover um verdadeiro sentimento de comunidade em relação à escola e ao sucesso educativo. A qualidade de uma escola deve ser motivo de orgulho para a comunidade em que aquela se insere. Será a prova de que a comunidade investiu na qualificação dos seus filhos, na melhoria do seu próprio futuro.

Esse envolvimento pressupõe também, como é natural, que a figura do professor seja prestigiada e acarinhada pela comunidade, o que requer, desde logo, a estabilidade do corpo docente.

É também necessário compreender que, em larga medida, a dignidade da função docente assenta no respeito e na admiração que os professores são capazes de suscitar na comunidade educativa, junto dos colegas, dos pais e dos alunos.

A comunidade envolvente deve apoiar os professores na sua missão. O combate ao abandono ou ao insucesso escolar, por exemplo, não pode ser empreendido apenas pelos docentes.

A comunidade deve empenhar-se activamente em identificar as situações de abandono e exclusão, localizar as causas do insucesso, e reorientar os alunos no caminho certo, em articulação com a escola, as famílias e os técnicos especializados.

A criação de mediadores entre a escola e a família, direccionados para os alunos em risco de insucesso ou abandono escolar, parece-me uma ideia muito válida, sobretudo nas zonas mais carenciadas.

Por outro lado, ao nível do ensino secundário e, porventura, até ao nível do ensino básico, autarcas, empresários, artistas, desportistas ou responsáveis locais devem ser convidados a relatarem as suas experiências aos mais jovens, estimulando junto deles o espírito criativo e empreendedor, a vontade de vencer e o apego ao trabalho.

Desta forma, combater-se-á também um outro fenómeno: o isolamento escolar. Em boa verdade, a generalidade dos cidadãos vive alheada do que se passa no interior da escola. Ignora as condições físicas das instalações, os meios de que os professores dispõem, a atitude dos alunos no processo de aprendizagem. É necessário que a comunidade conheça a sua escola e como ela funciona.

O modo como as escolas funcionam no Portugal de hoje é um indicador do modo como o Portugal de amanhã funcionará.

Será também útil que, neste processo de inovação social para um modelo comunitário de escola, se promova de uma forma mais intensa o contacto entre diversos estabelecimentos de ensino. Os bons exemplos que existem no nosso País devem ser mostrados.

O diálogo e o intercâmbio entre escolas permitirá detectar debilidades, conhecer formas de as ultrapassar, comparar resultados, trocar experiências com vista a uma aprendizagem de sucesso.

Nas minhas visitas pelo País, tenho detectado sinais positivos de mudança e tenho incentivado as vontades e iniciativas que procuram pôr em prática, desde a rede pré-escolar até ao ensino secundário, um modelo comunitário do ensino.

Refiro o exemplo mais recente em que estive envolvido. No mês passado, visitei o concelho de Paredes, no norte do País. A Câmara Municipal decidiu marcar a visita com duas iniciativas.

Por um lado, a colocação, nas ruas, de grandes cartazes onde se lia: «Paredes aposta nos 12 anos de escolaridade».

Por outro lado, a constituição de uma Associação para a Inclusão Social, formada por 43 empresários locais, tendo por objectivo central o combate ao insucesso e ao abandono escolar no concelho.

São iniciativas como estas – e podia referir várias outras – que me dão a certeza de que seremos capazes de atingir o nosso objectivo: uma escola melhor para um País melhor.

Portugueses,

Neste 5 de Outubro de 2007, proponho um novo olhar sobre a escola. Sei que não é fácil pormos em prática este modelo de uma escola ligada à comunidade. Sei que é necessário vencer constrangimentos de diversa ordem para alcançarmos este ideal.

A República também foi um ideal. Por isso, acredito na vontade e no empenho dos poderes públicos, das autarquias, das famílias, dos professores e da sociedade civil.
Com o esforço de todos, será possível realizar a ambição de uma escola melhor, em nome de uma melhor República.

Muito obrigado

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