Dois idosos «reformadíssimos» que tinham na vida activa ocupado cargos de grande importância e visibilidade e que costumavam encontrar-se em visitas a museus, em pesquisas em bibliotecas e na assistência de espectáculos culturais de elevado nível, cruzam-se numa rua central da capital.
- Olá caro amigo, ainda bem que o encontro e aproveito esta oportunidade para me despedir de si, porque amanhã parto para a minha aldeia natal, Vila Nova de Tázem, no coração da Beira Alta, onde vou passar os últimos tempos da vida.
- Oh meu amigo, não quero acreditar. O senhor habituado à frequência do S. Carlos, aos concertos na Gulbenkian, à visitas aos museus, etc, etc, não vai conseguir viver na pasmaceira da aldeia sem os seus passatempos favoritos e o seu alimento cultural. E para mais, vai sentir a falta do apoio de saúde de que aqui na capital dispõe, de uma maneira ou de outra, e de que na nossa idade não podemos estar afastados.
-Tem muita razão naquilo que me diz. Pensei nisso tudo. Mas, sabe, estou numa idade em que me pode dar uma indisposição e cair para o lado em plena rua. Se isso me acontecer aqui na capital, embora haja bons apoios de saúde, as pessoas passam ao lado e dizem «lá está mais um velho bêbado a curar a bebedeira» e nem pensam em chamar o INEM. Mas se for na minha terra, onde faltam os mínimos apoios de saúde, e em tal caso não haja socorro possível, nos minutos antes de morrer, posso ouvir as palavras dos meus conterrâneos «pobre do senhor Nogueira, era tão boa pessoa e chegou a sua hora». E nada paga o prazer de, em tal hora, ouvir o nosso nome e palavras de amizade e consideração. Por isso, meu amigo, decidi ir para lá.
A Decisão do TEDH (399)
Há 30 minutos
2 comentários:
Caro A. João Soares,
É sempre com enorme prazer que o venho visitar aqui ao seu blog, onde acabo por aprender imenso. Esta bela história dos dois reformados idosos bem que dá que pensar.
A cidade dos nossos tempos tornou-se num lugar despersonalizado, não só para os idosos, como também para os restantes habitantes das outras faixas etárias. Será por esse motivo que se fala tanto na "desertificação" da baixa lisboeta, por exemplo?
O que é que uma cidade do século XXI, toda feita de serviços destinados ao funcionamento do sistema neoliberal, oferece ao ser humano? Talvez, meramente, um lugar para trabalhar...
Para viver não é certamente.
Um abraço amigo
Caro Jorge Borges,
A cidade antiga transformou-se num local desumano, mas a moderna raramente é planeada para viver e conviver, devido à ganância que levou a cobrir tudo de cimento e betão.
Depois a interacção do ambiente e das pessoa conduziu a que nos prédios de muitos apartamentos, as pessoas vivam isoladas e apenas se encontrem no elevador, sem se conhecerem, sem saberem se moram lá e em que andar.
Pelo contrário, nas aldeias, pela sua pequena dimensão, mantém-se um relacionamento mais íntimo. Porém, a tendência é acabar com localidades pequena e concentrar a população em vilas e cidades onde existe mais facilidade de lhes proporcionar serviços: água, saneamento, electricidade, gás, TVcabo, farmácia, supermercado, etc. O factor humano deixou de ser predominante, tal como os valores já antigos de honra, dever, dignidade, etc.
Isto dá pano para mangas para reflectir.
Um abraço, bom domingo.
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