Uma carta com um texto anexo recebido do herói a que me referi nos posts Mais um caso exemplar e A modéstia potencia o valor das pessoas que merece atenção e reflexão.
Meu caro amigo João Soares,
Embora em devido tempo tivesse sido alertado para o facto, pelo nosso comum amigo Armando Magno e também consigo já tivesse directamente tocado no assunto, só há dois ou três dias tive a oportunidade de ler os textos publicados no Passa-Palavra, nos quais se refere à minha pessoa.
Obviamente que fico sensibilizado e reconhecido pelas palavras que me dirige e sobre tudo pela ideia e pela imagem que constrói em torno da minha pessoa. Bem haja pela sua amizade e pela elevação de espírito que lhe permite ver em mim e sobre tudo na forma como encaro toda esta problemática relacionada com o facto de ser um DFA, com realismo e de forma positiva.
Como já tivemos oportunidade de aprofundar estas questões e de especular sobre as muitas e variadas saídas que os directamente atingidos, encontram para ultrapassar a situação difícil e quase sempre inopinada com que são confrontados, eu coloco-me do lado daqueles que entendem que o melhor é “fazer uma pega de caras à situação”.
Nestas coisas não há super homens, somos todos iguais com as nossas fraquezas e fortalezas, com os nossos defeitos e virtudes, mas sendo todos iguais, somos todos diferentes.
A diferença que muitas vezes é a mola fundamental para o êxito, passa por questões de carácter, de personalidade, de força interior, de experiência de vida, de valores e apoio familiar, de enquadramento profissional e social, da bagagem cultural ou literacia, entre outros.
Externamente e no difícil confronto com a sociedade os conceitos de integração, reabilitação e inclusão têm muito a ver com os aspectos culturais e a mentalidade de toda uma sociedade que, retrógrada ou moderna, é responsável pelas barreiras culturais, arquitectónicas e sociais que normalmente se levantam.
Sem prejuízo de futuras conversas sobre o tema, para mim sempre apaixonantes, tomo a liberdade de juntar a estas minhas linhas, um texto da autoria do meu irmão José Augusto Neves, escrito já há alguns anos. O meu irmão é médico e desde o primeiro momento tem sido sempre um precioso colaborador acompanhando todo o meu percurso e desenvolvendo muitas actividades e iniciativas ligadas a toda a problemática da deficiência.
Um abraço e obrigado pela consideração que me dispensa.
A. Neves
Ser Deficiente...
Todos os seres vivos interagem, comunicam, entre si e com o ambiente em que estão inseridos.
Para que essas múltiplas acções de comunicação possam ser concretizadas, o ser humano possui um património de “ferramentas”, próprio da sua espécie.
No nosso “Ferramental”, podemos encontrá-las agrupadas em três quadros:
1. “Ferramentas de Percepção”, que nos permitem captar os diferentes estímulos provenientes do exterior e são, no fundo, representadas pelo conjunto dos nossos órgãos sensoriais;
2. “Ferramentas de Elaboração e Conceptualização”, que nos permitem “arquivar - memorizar” os dados recebidos, compará-los entre si e com outros já memorizados, recombiná-los e formar, a partir deles, novos e mais complexos conceitos ou “instruções de resposta”. São, no fundo, as atribuições das diferentes áreas do nosso córtex cerebral;
3. “Ferramentas de Execução”, que nos permitem dar resposta adequada aos problemas levantados pela informação recebida e que são, no fundo, representadas pelos nossos órgãos motores.
No entendimento “popular”, “ser deficiente” é estar privado, no todo ou em parte, de uma ou mais dessas “ferramentas”. Mas, na verdade, “ser deficiente” é não conseguir realizar as funções para as quais dispomos da ajuda delas.
Parece ser, mas não é a mesma coisa...
Quem realiza a “função lêr”, sem ter olhos, não é deficiente nessa função! Quem realiza a “função escrever”, sem ter mãos, não é deficiente nessa função! No sentido oposto, quem é analfabeto tendo olhos e mãos é, por certo, deficiente!
Infelizmente esta noção “popularucha” que toma o “órgão-ferramenta” pela “função-acção”, é mesmo popular, isto é, impregna os actos e decisões do cidadão comúm mas também os dos agentes decisores da nossa vida colectiva, educadores, técnicos e dirigentes.
Esta é, para mim, a “grande barreira” que estigmatiza e segrega os “ditos deficientes”, já que sendo na verdade “minorias diferentes” podem ter eficiência superior à média da auto-convencida “maioria de não deficientes”, que nem isso lhes vale no “jogo-competição” da vida.
Não ganham, porque nem sequer lhes permitimos participar...
Pereira Neves
Este tema é referido nos posts
- Mais um caso exemplar
e
- A modéstia potencia o valor das pessoas
"Cancelamentos culturais" na América (4)
Há 8 horas
2 comentários:
Caro amigo,
Aqui está mais uma importante contributo para este tema, desta vez sob o ponto de vista médico. Seria muito importante que este tema passasse para a consciência social, de forma a que a ignorância não seja desculpa para a falta de acção.
O poder é hábil em esconder realidades dos olhos dos governados, para não ter que agir. Para não gastar dinheiro...
Um abraço amigo
Caro Amigo Jorge Borges,
Com efeito, fala-se muito em transparência, mas na realidade, os políticos procuram, por um lado, conciliar a visibilidade através dos meios da Comunicação Social e, por outro lado, procuram esconder as realidades do País e os motivos que os levam a tomar decisões que afectam a toda a população. Esta acaba por pagar, sofrer e não poder nem saber reclamar.
E, se houvesse informação útil adequada aos vários casos, certamente tudo seria mais fácil de resolver.
Um abraço
Enviar um comentário