quarta-feira, 2 de maio de 2007

Um deficiente vencedor

Uma carta com um texto anexo recebido do herói a que me referi nos posts Mais um caso exemplar e A modéstia potencia o valor das pessoas que merece atenção e reflexão.

Meu caro amigo João Soares,

Embora em devido tempo tivesse sido alertado para o facto, pelo nosso comum amigo Armando Magno e também consigo já tivesse directamente tocado no assunto, só há dois ou três dias tive a oportunidade de ler os textos publicados no Passa-Palavra, nos quais se refere à minha pessoa.

Obviamente que fico sensibilizado e reconhecido pelas palavras que me dirige e sobre tudo pela ideia e pela imagem que constrói em torno da minha pessoa. Bem haja pela sua amizade e pela elevação de espírito que lhe permite ver em mim e sobre tudo na forma como encaro toda esta problemática relacionada com o facto de ser um DFA, com realismo e de forma positiva.

Como já tivemos oportunidade de aprofundar estas questões e de especular sobre as muitas e variadas saídas que os directamente atingidos, encontram para ultrapassar a situação difícil e quase sempre inopinada com que são confrontados, eu coloco-me do lado daqueles que entendem que o melhor é “fazer uma pega de caras à situação”.

Nestas coisas não há super homens, somos todos iguais com as nossas fraquezas e fortalezas, com os nossos defeitos e virtudes, mas sendo todos iguais, somos todos diferentes.

A diferença que muitas vezes é a mola fundamental para o êxito, passa por questões de carácter, de personalidade, de força interior, de experiência de vida, de valores e apoio familiar, de enquadramento profissional e social, da bagagem cultural ou literacia, entre outros.

Externamente e no difícil confronto com a sociedade os conceitos de integração, reabilitação e inclusão têm muito a ver com os aspectos culturais e a mentalidade de toda uma sociedade que, retrógrada ou moderna, é responsável pelas barreiras culturais, arquitectónicas e sociais que normalmente se levantam.

Sem prejuízo de futuras conversas sobre o tema, para mim sempre apaixonantes, tomo a liberdade de juntar a estas minhas linhas, um texto da autoria do meu irmão José Augusto Neves, escrito já há alguns anos. O meu irmão é médico e desde o primeiro momento tem sido sempre um precioso colaborador acompanhando todo o meu percurso e desenvolvendo muitas actividades e iniciativas ligadas a toda a problemática da deficiência.

Um abraço e obrigado pela consideração que me dispensa.
A. Neves

Ser Deficiente...

Todos os seres vivos interagem, comunicam, entre si e com o ambiente em que estão inseridos.

Para que essas múltiplas acções de comunicação possam ser concretizadas, o ser humano possui um património de “ferramentas”, próprio da sua espécie.

No nosso “Ferramental”, podemos encontrá-las agrupadas em três quadros:

1. “Ferramentas de Percepção”, que nos permitem captar os diferentes estímulos provenientes do exterior e são, no fundo, representadas pelo conjunto dos nossos órgãos sensoriais;

2. “Ferramentas de Elaboração e Conceptualização”, que nos permitem “arquivar - memorizar” os dados recebidos, compará-los entre si e com outros já memorizados, recombiná-los e formar, a partir deles, novos e mais complexos conceitos ou “instruções de resposta”. São, no fundo, as atribuições das diferentes áreas do nosso córtex cerebral;

3. “Ferramentas de Execução”, que nos permitem dar resposta adequada aos problemas levantados pela informação recebida e que são, no fundo, representadas pelos nossos órgãos motores.

No entendimento “popular”, “ser deficiente” é estar privado, no todo ou em parte, de uma ou mais dessas “ferramentas”. Mas, na verdade, “ser deficiente” é não conseguir realizar as funções para as quais dispomos da ajuda delas.

Parece ser, mas não é a mesma coisa...

Quem realiza a “função lêr”, sem ter olhos, não é deficiente nessa função! Quem realiza a “função escrever”, sem ter mãos, não é deficiente nessa função! No sentido oposto, quem é analfabeto tendo olhos e mãos é, por certo, deficiente!

Infelizmente esta noção “popularucha” que toma o “órgão-ferramenta” pela “função-acção”, é mesmo popular, isto é, impregna os actos e decisões do cidadão comúm mas também os dos agentes decisores da nossa vida colectiva, educadores, técnicos e dirigentes.

Esta é, para mim, a “grande barreira” que estigmatiza e segrega os “ditos deficientes”, já que sendo na verdade “minorias diferentes” podem ter eficiência superior à média da auto-convencida “maioria de não deficientes”, que nem isso lhes vale no “jogo-competição” da vida.

Não ganham, porque nem sequer lhes permitimos participar...

Pereira Neves

Este tema é referido nos posts
- Mais um caso exemplar
e
- A modéstia potencia o valor das pessoas

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro amigo,
Aqui está mais uma importante contributo para este tema, desta vez sob o ponto de vista médico. Seria muito importante que este tema passasse para a consciência social, de forma a que a ignorância não seja desculpa para a falta de acção.
O poder é hábil em esconder realidades dos olhos dos governados, para não ter que agir. Para não gastar dinheiro...
Um abraço amigo

A. João Soares disse...

Caro Amigo Jorge Borges,
Com efeito, fala-se muito em transparência, mas na realidade, os políticos procuram, por um lado, conciliar a visibilidade através dos meios da Comunicação Social e, por outro lado, procuram esconder as realidades do País e os motivos que os levam a tomar decisões que afectam a toda a população. Esta acaba por pagar, sofrer e não poder nem saber reclamar.
E, se houvesse informação útil adequada aos vários casos, certamente tudo seria mais fácil de resolver.
Um abraço