Num livro de Eça, li uma história que evidencia as dificuldades de as pessoas olharem o mundo com equidade e igualdade de perspectiva e de prioridades. Numa festa social chegou um dos convivas, mais dado à leitura de jornais, que contou desgraças ocorridas pelo mundo, inundações em que morreram centenas, terramotos com muitas mortes, vulcão com várias vítimas, e os ouvintes mantiveram-se insensíveis a tanta desgraça. Mas, quando ele disse que a Luisinha Carneiro torceu um pé, todos ficaram muito emocionados e muitos foram a correr a casa da senhora para saber do seu estado de saúde. Este fenómeno contraria as intenções utópicas muitas vezes propagandeadas de igualdade geral e a qualquer custo.
Segundo o JN de hoje, no jornalismo passa-se o mesmo. A perspectiva faz que aquilo que está próximo (o "primeiro plano") é, na imagem da vida e do mundo construída pelos media, "maior" do que o distante. Transcrevem-se os seguintes passos:
Um pequeno seixo próximo dos nossos olhos (e dos nossos valores) ocupa maior campo de visão que uma montanha longínqua. Daí que não surpreenda o "tamanho" emocional que tem tido entre nós o desaparecimento da infeliz Maddie. Trata-se, no caso, de proximidade não só geográfica mas "cultural". Uma criança estrangeira, filha de pais de classe alta, desaparecida num "resort" cosmopolita, teria todos os ingredientes culturais para, à luz dos valores hoje dominantes, ser manchete em jornais e TV.
E para mobilizar recursos inimagináveis noutras circunstâncias. Só no ano passado desapareceram em Portugal, levados por desconhecidos, cinco meninas e um menino portugueses da mesma idade de Maddie. Todos continuam desaparecidos. No entanto, as suas fotos não vêm nos jornais, ninguém oferece milhões por notícias deles, nenhum futebolista ou figura pública se interessou pelo seu paradeiro. Nem, que se saiba, alguém rezou em Fátima por eles.
Mesmo na infelicidade, como na fábula de Orwell, uns são (aparentemente até para a Polícia) mais iguais que outros.
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Há 1 hora
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