Transcrição de artigo do JN pouco gerador de optimismo.
Justiça: A montanha e o rato
JN. 090809. Por Nuno Miguel Maia
Por que é que vários processos-crime envolvendo políticos e figuras públicas terminam em absolvições ou condenações a penas suspensas? Que explicação dão os advogados para esta realidade?
Vinte e três de Fevereiro. Em Lisboa, Domingos Névoa, dono de um império na construção em todo o país, é condenado a multa de cinco mil euros por ter tentado corromper o vereador da Câmara de Lisboa, José Sá Fernandes. Em Braga, uma idosa conhecida do dono da Bragaparques, mostra-se perplexa: "Então o sr. Névoa foi autuado?..." Imaginaria, antes, uma pena de prisão. Mas, afinal, o desfecho foi quase comparável a multa de estacionamento ou por excesso de velocidade.
Mas, então, o que justifica que, em vários casos, "a montanha tenha parido um rato"? O que está por trás da absolvição de Fátima Felgueiras, no desvio de milhões da Câmara para o futebol, ou da pena suspensa no "saco azul"; de Avelino Ferreira Torres, absolvido de corrupção; de Pinto da Costa, ilibado de corrupção no futebol; de uma advogada acusada de mais de 600 crimes de corrupção e imigração ilegal e condenada a pena suspensa por apenas três ilícitos; da operação "Furacão", em que, apesar da detecção de uma gigantesca fraude ao Fisco, pode terminar com o simples pagamento de impostos ao Estado?
A condenação de Isaltino Morais, esta semana, a sete anos de prisão parece ser a excepção à regra. Ou talvez não. É que sobre o ex-ministro do PSD pendia a acusação de branqueamento de capitais, por ter ocultado 1,2 milhões de euros na Suíça. Mas, afinal, apenas ficou provado branqueamento de 35 mil euros. E dos três crimes de corrupção, só foi provado um, referente a um cheque de 20 mil euros.
Muitos outros exemplos existem de processos envolvendo políticos e figuras públicas em que as acusações pouco ou nada coincidem com a decisão final - absolvições ou penas de prisão suspensas. Haverá investigações mal feitas? Acusações fantasiosas? Maus juízes e procuradores que validam os indícios e os levam a julgamento sem provas? Manobras dos arguidos ou habilidade dos advogados?
"Sistema penal português é brando"
"O problema começa nas expectativas criadas em determinados casos. Há afirmações de responsáveis que propagam a ideia de que 'ninguém vai ficar impune' ou então cria-se equipas específicas para processos concretos...", afirma Gil Moreira dos Santos, 68 anos, advogado, entre outras figuras, de Pinto da Costa e Avelino Ferreira Torres.
"Há um longo caminho até à decisão final que pode levar à volatilidade da prova. E nos julgamentos, principalmente nos casos políticos, há indefinições legislativas que condicionam. Como acontece com a perda de mandato, prevista na lei desde 1987. As próprias testemunhas pensam duas vezes se vale a pena colaborar com a Justiça, se amanhã não serão prejudicadas pelos arguidos, e isso influencia o depoimento", acrescenta, lançando uma questão: "Por que o poder político ainda não acabou com a ambiguidade da norma que decreta a perda de mandato?" Isto porque a lei pode permitir duas leituras distintas: o mandato a perder por causa da prática de crimes é o da prática dos factos - geralmente muito anterior à data da condenação; ou o mandato em vigor aquando da condenação tornada definitiva.
Também no plano das expectativas iniciais dos processos e os resultados finais de menor expressão, Rui Patrício, advogado da sociedade "Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva", diz existirem casos que resultam em falhanço por "razões patológicas" do Sistema de Justiça.
Embora salientando ser "normal, saudável e até desejável" a ocorrência de diferença significativa entre acusação e decisão final, por representar o "funcionamento do sistema", o causídico que intervém em processos como Furacão, Entre-os-Rios, e casos em redor do Millennium-BCP e Câmara de Lisboa identifica três possíveis razões "patológicas" para a condução a tal realidade: "acusações infundadas", casos em que "há mais olhos do que barriga"; "decisões finais erradas", por erro de julgamento; e "decisões baseadas em erros processuais", que geram "nulidades de prova".
Noutra vertente, o advogado entende existirem "acusações em redor das quais se fez grande alarido que dão em condenações tidas por brandas". "Em primeiro lugar, o sistema penal português é, todo ele, brando, e a meu ver bem; segundo, existe uma hierarquia de valores e bens jurídicos, à qual corresponde uma hierarquia de penas, sendo que muitas vezes os processos à volta do quais se faz grande alarido (e que, por isso, despertam mais sede de justiça severa na opinião pública) correspondem a ilícito que não estão na parte superior daquela hierarquia, mas na parte inferior, como é o caso dos chamados crimes económicos", defende.
Por outro lado, este jurista alega existir "excessiva mediatização dos processos" e que isso "faz com que os cidadãos em geral vivam de forma mais intensa os processos e que, por isso, seja mais intensa a sua necessidade de retribuição, através de penas duras, o que mais se intensifica em alturas de crise e insegurança, como a presente".
Outro advogado ligado a vários casos em que "a montanha pariu um rato", Artur Marques considera que, na maior parte dos casos, o problema está no excessivo "distanciamento" do Ministério Público durante a fase de inquérito, quando efectuado pela Judiciária, PSP ou GNR.
"A investigação é feita por pessoas com faro policial, orientadas por suspeitas, mas falta-lhes o faro jurídico. Fazem o relatório final, documento apetecível, que o Ministério Público transforma em acusação", diz o defensor de Fátima Felgueiras e Domingos Névoa, assumindo que "é facílimo defraudar expectativas". Diz que "as absolvições ou as penas brandas não podem ser vistas como a negação da justiça, pois são exactamente o contrário". Dá um exemplo: na última absolvição de Fátima, a autarca era acusada de, sob o pretexto de obras num estádio, ter usado dinheiro público para financiar ilegalmente o futebol profissional em Felgueiras. Mas a investigação "não averiguou se o dinheiro foi mesmo gasto no futebol ou se houve obras no estádio". "Limitaram-se a detectar que algum dinheiro não foi para empreiteiros e serviu para pagar empréstimos a um banco. Mas estes, por sua vez, tinham sido para pagar obras!".
domingo, 9 de agosto de 2009
Justiça que temos
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