sábado, 29 de agosto de 2009

Como lhe nasceu o gosto pela leitura

Depois de aqui ter publicado o post «A boa estrela e a tempestade», o velho António entusiasmou-se e quis fazer mais uns desabafos sobre a sua meninice, porque pensa que será interessante relembrar como era a vida na província por altura da II Guerra Mundial.

Segundo ele se recorda com serenidade, na escola primária, tinham o livro de leitura, a tabuada e, nos últimos anos, a Geografia, a História de Portugal e as Ciências Naturais. Eram apenas livros de estudo, num ambiente social de poucas letras, pessoas entregues à agricultura e umas poucas ligadas à vida comercial e empregos diversos, em Viseu.

A professora, D. Fernanda, uma vez por semana, lia contos ou histórias num suplemento do jornal diário «O Século» intitulado «Pim-pam-pum». Em casa do António, havia uns livros antigos, um pouco estragados, principalmente religiosos e, por razões que ele desconhecia, uma gramática da língua francesa. E nada mais.

Só leu o primeiro livro quando já andava no Liceu, requisitou-o na biblioteca e gostou do primeiro contacto com a literatura. Durante o segundo ano, a professora de português e francês, D. Isaura, nos dias em que dava aula na última hora, ficava mais meia hora a ler e a falar de literatura do século XIX, actividade de que dispensava o António por ter de ir para casa, lá longe, a 6 quilómetros, percorridos a pé.

No 3º ano, início do segundo ciclo, o professor de português, Simões Gomes, deu um grande impulso na interpretação de textos e na redacção. Na primeira aula, após as férias, perguntava a cada aluno quais os livros que lera durante as férias e fazia o seu comentário, salientando sempre os melhores autores. Nesse primeiro contacto, o António disse-lhe os nomes de uns livros de pouca qualidade, da colecção azul, que o primo da cidade lhe tinha emprestado, tendo obtido do professor um sinal de menosprezo e a afirmação que não os conhecia e que não deviam ter qualquer interesse. A partir daí, passou a orientar as leituras pelas sugestões que ia recebendo nas aulas, e todas as semanas levava da biblioteca um livro de escritor português, como Júlio Dinis, Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Alexandre Herculano, Almeida Garrett, etc.

Fazia parte do programa, o estudo com pormenor de «As Pupilas do Sr Reitor» de Júlio Dinis, de que interpretavam com pormenor várias passagens, dividindo orações, fazendo análise gramatical, preparando em casa resumos de capítulos, etc. Aos fins de semana, cada aluno tinha que fazer uma redacção de tema livre, contando um «caso da semana», sendo na segunda-feira alguns chamados a ler o seu trabalho de casa, para todos ouvirem e criticarem. E assim se aprendia português.

O António confessa que deve a esse professor a facilidade com que pela vida fora redigia, tendo há pouco tempo ouvido um velho colega dizer-lhe «sempre foste uma boa caneta». Conta ele que devido aos momentos que passava na biblioteca, beneficiava do carinho quase maternal da D. Conceição, a bibliotecária.

Mas ele não se esquece que vivia num ambiente rural, embora próximo da cidade, com pessoas alheias aos livros e à cultura e que muitas, por o verem a ler livros à sombra das árvores em vez de andar a brincar com outras crianças (por vezes a fazerem maldades que originavam rixas entre as famílias), alertaram a sua mãe para o perigo de ele poder vir a ficar maluco, por os livros lhe «darem a volta à cabeça» Isto que ele contou do ambiente da aldeia não me surpreendeu, porque ainda hoje é considerado um vício perigoso gostar dos computadores, de ter blogues e de trocar e-mails. É certo que os exageros não são benéficos nem, sequer, nas vitaminas!!!

2 comentários:

Paula Raposo disse...

Os exageros não são benéficos. Tudo tem a sua conta, peso e medida...beijos.

A. João Soares disse...

Querida Paula,

Obrigado pela visita e pelo comentário. Realmente o que é demais faz mal. Por isso os medicamentos, feitos de venenos, devem ser tomados de forma ponderada, segundo as doses prescritas.

Beijos
João