Texto extraído do blog O Povo depois de ter recebido o link por e-mail. A sua qualidade, a que o autor já nos habituou, explica a razão da escolha.
Sem ética não há confiança
Público, 29.12.2008, Francisco Sarsfield Cabral
O capitalismo baseia-se na confiança. O mercado precisa de leis: contra o que pensavam alguns ultraliberais, não há mercado sem Estado. Mas não basta. Para o sistema funcionar tem de haver uma cultura de confiança, acreditar nas pessoas e nas instituições com quem se faz uma qualquer transacção.
Nas economias colectivistas tudo é (ou era) regulado, controlado, dependente de autorizações estatais. Em menor grau, o mesmo acontece em países, como Portugal, onde é enorme o peso da burocracia do Estado na vida das pessoas e das empresas. Por isso essas economias são pouco eficientes, ao contrário daquelas onde é elevado o grau de confiança, dispensando burocracias.
O problema actual é ter-se evaporado a confiança. Os bancos não confiam nos outros bancos. Não confiam, até, em si próprios - por isso receiam dar crédito, não vá acontecer terem dificuldade em captar fundos (depósitos e sobretudo créditos estrangeiros) a custo razoável. Entre nós já aconteceu com a CGD, apesar do aval do Estado, que assim teve de a financiar. O negócio dos bancos é emprestar dinheiro. Se o não fazem, não é por ganância, é por medo.
Nada pior poderia ter acontecido nesta conjuntura de desconfiança geral do que o caso Madoff, uma burla tipo D. Branca à escala mundial, envolvendo cerca de 50 mil milhões de dólares. O drama não é existirem burlões, que os haverá sempre, embora Madoff fosse "especial": muito respeitado em Wall Street, antigo presidente do Nasdaq, filantropo, há décadas dono de uma empresa familiar onde só por convite se podia investir dinheiro e receber as altas remunerações que Madoff oferecia.
O pior deste caso é tanta gente supostamente séria e competente ter durante tanto tempo acreditado em Madoff, que utilizava o clássico e nada sofisticado esquema da pirâmide (remunerar os capitais investidos com a entrada de novos capitais). Isto lança uma terrível dúvida sobre a idoneidade e a competência dos gestores das instituições financeiras.
Não há confiança sem um grau razoável de vigência de princípios éticos, porque as leis e os reguladores dos mercados não podem evitar todas as fraudes. Sobretudo desde o colapso do comunismo, ficando o capitalismo como único sistema viável, a ética começou a ser marginalizada no mundo dos negócios. Muitos agentes económicos e financeiros deslumbraram-se e deixaram de admitir limites. As aldrabices que levaram à falência de grandes empresas como a WorldCom ou a Enron (esta provocando o desaparecimento da auditora multinacional Arthur Andersen) foram um sinal de que alastrava o vale-tudo para ganhar dinheiro. O mesmo se diga das obscenas remunerações auferidas por muitos gestores, frequentemente sem relação com a performance a longo prazo das empresas. Entre nós, tivemos o (mau) exemplo do BCP, além de outros.
Pouco ética foi, também, a irresponsabilidade com que gestores financeiros, recebendo chorudos bónus e comissões, aplicaram o dinheiro que lhes era confiado. Nos EUA a remuneração média dos operadores no sector de investimentos, títulos e contratos de matérias-primas foi em 2007 quatro vezes superior à remuneração média do resto da economia. No entanto, essa gente andou muitas vezes a vender ilusões ou meros ganhos imediatos que depois se esfumariam.
A visão imediatista que se instalou nos mercados financeiros é consequência de uma imoral avidez pelo lucro fácil e rápido. Na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro), Combater a pobreza, construir a paz, Bento XVI diz que "uma actividade financeira confinada ao breve e brevíssimo prazo torna-se perigosa para todos, inclusivamente para quem consegue beneficiar dela durante as fases de euforia financeira". E essa lógica "reduz a capacidade de o mercado financeiro realizar a sua função de ponte entre o presente e o futuro: apoio à criação de novas oportunidades de produção e de trabalho a longo prazo".
Julgo que o fundamento da moral não está na sua utilidade social. Mas não há dúvida de que, sem princípios éticos aceites e praticados pela sociedade, a actividade económica emperra. Por isso não é moralismo fácil concluir que a presente crise evidenciou a importância da ética na economia e nas finanças. É mero realismo. Se não são decentes por virtude, ao menos que o sejam pelo seu próprio interesse bem compreendido.
quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
Ética gera confiança, necessária para a gestão
Publicada por A. João Soares à(s) 16:23
Etiquetas: Ética gera confiança
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4 comentários:
Muito bem!
Muito oportuno!
Dúvido é que alguém, que não seja decente por virtude ou educação, o consiga ser apenas por interesse.
Em minha opinião, quando "o interesse" está em causa é que se revela o verdadeiro "ser" de cada um.
Tudo são mais consequências da falta de Bom Senso e de Educação de que temos falado.
Façamos votos que cada vez mais vozes se ergam e que se consiga ir modificando alguma coisa. Se se conseguir alterar o comportamento de uma pessoa por dia, já é uma vitória.
FELIZ E PRÓSPERO ANO 2009!
Com boa música nos corações!
Abraço
Fenix
Cara Fénix,
Obrigado pelas palavras de estímulo. Esperemos que, pelo menos nesta nossa troca de comentários o 2009 não seja menos bom do que o que agora termina!
Beijos
João
Olá João. Começamos bem o ano:)
É claro que não há confiança entre as pessoas sem existirem alguns princípios éticos pelos quais se devem reger.
Desde que soube que um “ilustre”banqueiro de um banco privado salvo (?) por nós através do governo criou e dirige uma organização, com o apoio do Ministério da Educação, que dá formação sobre as técnicas e formas de gestão e de organização das escolas públicas e que a mesma organização tem associada uma outra que gere um dos serviços desse ministério, obviamente que defendo a urgente criação de um Código de ética profissional dos banqueiros e que ninguém mais se queixe da falta de carácter moral das futuras gerações.!
Manuela
Querida Manuela,
Aprecio muito a sua forma muito esclarecida de ver o que se passa. Tal como a minha amiga, fico eriçado quando vejo viciados nos jogos do poder acusar os jovens de serem uma GERAÇÃO RASCA. Os jovens acabam por ser vítimas dos maus exemplos que recebem das pessoas mais idosas. E que exemplos são esses? É a miséria moral que vemos diariamente!!!
Sofrem de total ausência de ética e de moral, com a agravante de arrastarem consigo aprendizes sem a mínima preparação pessoal que lhes permita ter espírito crítico e selectivo e que bebem de olhos fechados o veneno que os patrões lhes instilam. E este veneno é obter o máximo de riqueza no mínimo tempo, sem olhar a meios, beneficiando de imunidades e irresponsabilidades que geram impunidade escandalosa.
Beijos
João
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