sexta-feira, 29 de maio de 2009

Relações entre Estados. Desarmamento

Segue-se a transcrição de duas cartas publicadas em Jornais em Fevereiro e Abril de 2006 que mostram a permanência dos objectivos dos Estados e a incapacidade de internacionalmente se estabelecerem regras equilibradas e justas para todos. O problema mantém-se, embora com pequenas nuances. Neste momento, a Coreia do Norte volta a preocupar os vizinhos e o mundo, com a insistência em atitudes que já era de esperar estarem ultrapassadas.

O Irão e o nuclear
(Publicada no Destak em 2 de Fevereiro de 2006)

Os políticos do mundo ocidental estão seriamente preocupados com o facto de o Irão pretender produzir energia eléctrica a partir de reactores nucleares, coisa já muito em voga em países que agora se sentem em perigo com esta pretensa modernidade do Irão.

Embora muitos ocidentais o ignorem, o Irão não é um país de origem recente, pois trata-se da antiga Pérsia, tendo o Império Persa sido fundado em 539 a.C. por Ciro, o Grande, como era ensinado no início da disciplina de História nos liceus de outrora. Durante 26 séculos passou por altos e baixos, mas mantendo sempre uma importância notável no Médio Oriente e na Ásia do Sul, quer pela maturidade dos seus governantes, quer pelas preocupações sociais, apesar da carência de recursos, quer pela sua localização estratégica. Esta originou a disputa colonizadora entre Ingleses e russos que acabaram por dividi-lo em duas áreas de influência em 1906. Os ingleses iniciaram a exploração de petróleo em 1908. Em 1931, na sequência de golpe de Estado, liderado pelo general Reza Khan, foi derrubado o último sultão da dinastia Kajar e, em 1936, aquele general coroou-se Xá. Em 1935, mudou o nome do país para Irão e começou a delinear o sonho de o país se tornar, no início do século XXI , a 5ª ou 6ª potência mundial.

O previsível esgotamento das reservas de petróleo a curto ou médio prazo poderá justificar a transição para a energia nuclear, a fim de alimentar a economia e, em particular, as indústrias vitais do país. Mas também pode estar presente a intenção de continuação da ideia do Xá de impor o país como potência regional e mundial. Porque não? Se já há tantos países com armamento nuclear que mal faz haver mais um? Certamente que o mundo ficará um pouco mais perigoso. Mas então, perguntamos: porque não abolir todas – absolutamente todas – as armas nucleares existentes? Quando se fala em democracia e em assembleia Geral da ONU, porque continuar a alimentar a discriminação entre Estados que têm direitos para tudo e outros que não têm qualquer direito?

Espero que estas reflexões não sejam mal interpretadas, pois apenas gostaria de ver os Estados respeitarem-se mutuamente, evitarem actos violentos e de domínio e utilizarem a diplomacia com vista a criar um mundo mais harmonioso e cooperante no sentido de o relacionamento pacífico garantir uma vida mais cómoda, desafogada e feliz para qualquer ser humano à superfície da Terra. Não devemos alimentar os ideais colonialistas que assentem na ideia de que as sociedades mais antigas são menos inteligentes e capazes e só as mais recentes são detentoras únicas da verdade. As crises entre os Estados tal como entre as pessoas, têm origem no sentimento de medo e insegurança. Para o evitar, é útil o diálogo e a negociação, quando muito, com arreganhar de dentes, mas neste caso, já é conveniente a ajuda de um mediador, para evitar o uso da violência que apenas destrói haveres e mata pessoas.

Parece que o principal objectivo da ONU, da UE, dos EUA, da Rússia e da China devia ser o desenvolvimento de acções diplomáticas que conduzissem a um relacionamento mais transparente e franco, colaborando para a paz, evitando qualquer gesto hostil face aos outros. Recordando os exemplos recentes da Somália, do Afeganistão, do Iraque, de Kosovo, conclui-se que a guerra só causa destruições, agravando a situação das populações, e só é conseguido algo de positivo, nas negociações que se lhe seguem. Pergunto: porque não se tenta negociações antes, em vez dos bombardeamentos? Porque não se opta pela reconstrução da confiança como no caso da Líbia, como medida de evitar crises?

A. João Soares


ONU e Irão
(Publicada no Público em 24 de Abril de 2006, p. 4)

Quem está por fora da informação especializada mas procura estar atento às notícias do Mundo, chega à conclusão de que a ONU é uma ilusão desde a sua criação. Com efeito, nem as nações estão unidas nem estão organizadas. É certo que, em variados aspectos, tem conseguido um consenso positivo para melhor convivência geral. Mas, em grandes questões, de enorme visibilidade, a sua eficácia tem sido praticamente nula. Não existe uma autoridade reconhecida por todos, no mínimo para levar as partes desavindas ao diálogo e à negociação, e as suas decisões são quase sempre letra morta, sendo o mau exemplo dado muitas vezes pelos maiores estados, aqueles que deviam ter mais peso moral na resolução dos problemas mais graves. A ONU fracassou totalmente em casos em que o seu empenhamento foi ao ponto de fixar prazos como na Caxemira e no Sara Ocidental. Outros casos foram ignorados para não hostilizar grandes potências, como o Cáucaso, o Médio Oriente ou os Balcãs, ou foram deixados ao livre arbítrio da potência dominante como o Kosovo, o Afeganistão e o Iraque.

Os combates á pobreza, à poluição (Quioto), às desigualdades sociais, o apoio a refugiados, imigrantes, etc. não tiveram o êxito desejado. Nada foi conseguido para evitar que a globalização viesse traduzir-se no mais rápido enriquecimento das empresas multinacionais. Não conseguiram evitar que diversos países viessem integrar o clube nuclear, mas no entanto estão agora a tentar impor-se ao Irão, de uma maneira que irá resultar em mais um fracasso das eventuais sanções económicas. E uma questão voltará a ser apreciada de forma negativa, a da constituição do Conselho de Segurança e dos membros permanentes que o são por uma razão que, por ter mais de seis décadas, poucos compreendem que ainda esteja em vigor. Parece que quem se opõe à energia nuclear no Irão são países que já possuem armas nucleares. Quem lhes deu autorização para isso? Por que razão eles podem e o Irão não?

Como tudo aquilo que tem início acaba por ter um fim, pergunta-se quando será extinta a ONU? E, depois, que organização aparecerá para fazer aquilo que está por fazer? E os Estados estarão disponíveis para acatar orientações de uma qualquer autoridade mundial? Certamente, nem os mais ricos, porque o são, nem os mais pobres por preconceito e receio de serem colonizados e explorados. Enfim, estamos perante um futuro incerto de cujo véu o caso do Irão vai levantar uma pontinha.

A. João Soares

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