O texto que se segue foi recebido por e-mail. O autor, bem identificado no final, é profundo conhecedor e com larga experiência nos dois sectores aqui visados e com muitos textos publicados sobre o tema.
Pilotos militares vs pilotos civis ou como a Força Aérea não consegue reter os seus aviadores
Ser piloto civil é exercer uma actividade tecnicamente complexa, fisiologicamente exigente, economicamente relevante e socialmente útil. É uma profissão relativamente bem remunerada e em termos sociais muito bem aceite. Isto é, as pessoas em geral, têm em alta conta a profissão de piloto comercial, mesmo sem saberem muito bem os quês e os como de semelhante actividade e certamente sem saberem que, infelizmente, aos profissionais do ar nem sequer lhes ser exigida uma licenciatura, embora muitos a possuam.
O comum do cidadão deve pensar que um seu semelhante que consegue meter-se dentro de uma máquina com asas cheio de “relógios” (agora écrans), manetes e botões e consegue levá-lo de um ponto para outro em qualquer parte do mundo deve ser uma espécie de super homem. Não é, mas não vem mal nenhum ao mundo que pensem assim, primeiro porque é bom para o nosso “ego” e depois porque só isso deve justificar que tanta gente entregue a sua vida e segurança nas mãos de semelhantes abencerragens.
Ser piloto militar é igualmente uma actividade complexa. Direi que mais complexa, pois é necessário aprender a operar as aeronaves em termos tácticos e tirar partido delas como armas. O tipo de missões é muito mais variado e é necessário aprender a operar com forças aéreas estrangeiras e em apoio das forças de superfície (Exército e Marinha). Além disso o risco é maior, pois o envelope em que se opera é mais arriscado e exigente e porque se tem que treinar do mesmo modo que se opera em situação de guerra.
Por todas estas razões as exigências fisiológicas são mais duras.
Ser piloto militar não é porém uma actividade economicamente importante, a não ser indirectamente, através das mais valias que se podem obter através da indústria aeronáutica/armamentos, para quem as possua. Mas fazem isto: criam segurança, sem a qual nenhuma actividade económica se pode desenvolver; são elemento importante de recolha de informações necessárias a número alargado de organismos do Estado; promovem a vigilância do Ar, da Terra e do Mar, a investigação de recursos e providenciam as necessidades de busca e salvamento e outras missões de apoio cívico.
E se mais não fazem é porque não lhes dão os meios e as ordens.
A sua função é pois, também, socialmente útil e ultrapassa em muito o simples transporte de passageiros e carga praticado no meio civil. Mas apesar de assim ser a população em geral e os políticos em particular, continuam inacreditavelmente ignorantes do que fazem exactamente os pilotos militares, em todo o caso, a Força Aérea. E isto quando são um elemento fundamental de soberania e instrumento essencial da Política externa do Estado Português.
Em cima disto temos que dizer que um piloto militar é muito pior remunerado do que um piloto civil e está sujeito à condição militar que, na prática, se traduz em mais deveres e menos direitos.
Um piloto civil pode mudar de companhia e até de país, quando as suas qualificações e oportunidades o permitem. A sua actividade é regulada pelo mercado e por vezes pelo capitalismo selvagem. Quem se sindicaliza pode usufruir da respectiva protecção. É um ser individual que conhece mal todos os restantes trabalhadores. Trabalha em equipa dentro (e apenas), da sua tripulação. Existe pouco sentido gregário, e espírito de empresa. Esta é apenas local onde se ganha dinheiro. Onde se está.
A Força Aérea (FA) é em grande parte a antítese de tudo isto. Na FA serve-se. É-se. (até ver!) O piloto militar só pode servir na (sua) FA e é contemplado amiúde com deslocações frequentes que têm em conta as suas aptidões e desejos mas, sobretudo, as necessidades da organização.
O piloto militar vive em grupo e trabalha sempre em comum com muitos outros que se complementam. O espírito de corpo e a camaradagem são fundamentais. O piloto civil realiza o seu turno e vai para casa, o piloto militar tem mais mil coisas para tratar.
O piloto civil realiza tarefas; o piloto militar cumpre missões.
Ambos pertencem aos dois únicos grupos profissionais em Portugal (pilotos e militares), que verdadeiramente são avaliados anualmente.
Se a sociedade civil se aproveita de tudo isto a seu favor, enfim faz o que costuma no sentido de aproveitar as oportunidades do mercado e da legislação. Que o Estado trate tão diferentemente os seus servidores civis (caso da TAP por exemplo) e militares é que já não parece tão linear e apropriado. A criação recente da Empresa de Meios Aéreos veio até, agravar as injustiças.
Enfim muito mais haveria a referir. Em corolário do que temos vindo a dizer, cada vez há mais candidatos a piloto civil e a maioria deles nunca pensou em ser militar nem pode concorrer a não ser até uma idade muito baixa ao passo que a FA, apesar de não ter dificuldades de recrutamento (as necessidades são também pequenas), não consegue reter os seus oficiais que aliás, podem empregar-se no mercado civil até aos 65 anos!
A situação é cíclica, nunca foi verdadeiramente estudada, nunca houve interesse político em resolvê-la (apesar de algumas piedosas declarações quanto pouco sentidas), e tem custos enormes para a Nação, e não estamos apenas, nem sobretudo, a falar de dinheiro.
Até o recente recurso a contratados tem dado maior resultado, devido em grande parte à incompetência legislativa.
Incompreensivelmente as sucessivas chefias da Força Aérea, nunca conseguiram estabelecer critérios justos e equilibrados ao longos das últimas três décadas (!), mudando frequentemente de ideias, o que tem provocado efeitos devastadores nas fileiras.
Por outro lado nunca tiveram o saber e habilidade para convencerem os outros Ramos e o Poder político para a necessidade de se encontrar uma solução global para o problema e que não passa apenas por pagar melhor, mas sobretudo por um conjunto de actuações em várias áreas, onde a dignificação da condição militar não será a mais dispicienda.
Mas, perguntarão os leitores, se em Portugal não se consegue resolver um único problema que exista (e são tantos!), porque é que se havia de resolver este?
João José Brandão Ferreira, TCor /Pilav Ref , Comd. Linha Aérea
A Decisão do TEDH (396)
Há 2 horas
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