quinta-feira, 10 de julho de 2008

Análise do estado da Nação

Transcrição da entrevista do General Garcia Leandro - Presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo – à TSF, em 08/08/2008. A entrevista foi concedida sem papel de suporte, de improviso, pelo que após elaborado o escrito com base em gravação de áudio, foi pedida ao autor a revisão e eventuais alterações gramaticais, o que não lhe foi possível por carência de tempo. Fica este alerta aos leitores.

TSF - …

Gen. G. Leandro - Estamos numa mudança de época histórica e estamos a apanhá-la num País que está a fazer grandes reformas e agora sofre esta crise em cima de si. Quando o PM diz que tem azar, eu acho que realmente tem razão, porque a crise veio do exterior, embora tenha encontrado o País em estado de fraqueza.

Agora, o País está muito frágil para esta grande mudança em que vinha sendo feito um trabalho que, se vivêssemos numa ilha isolada no Atlântico, poderia ser realizado com alguma tranquilidade mas, como vivemos num mundo a caminho da globalização, somos afectados por múltiplos problemas vindos do exterior.

Quais são as grandes fragilidades que eu considero que existem? Verdade seja dita que os caminhos apontados pelo Governo parece que são correctos; porém, têm de ser seguidos com mais rigor e honestidade. Muitas vezes, desconfia-se que não há honestidade e que a competência, em sempre existe em escala conveniente.

Onde é que me parece que isso é absolutamente importante? Na formação académica, nós temos que apostar claramente e com rigor e honestidade, não sendo essencial focar o esforço nas estatísticas, pois não é essencial nem prioritário apostar nas estatísticas dos resultados escolares, porque depois na vida prática, a vida real não vai corresponder a isso, mas será uma consequência do ensino técnico-profissional, com efeitos no conjunto da economia.

Outra fragilidade com grau de grande pecado mortal da nossa situação é, para mim, a promiscuidade entre os partidos políticos e o poder económico, num jogo de interesses que nos apanha como uma armadilha. Também a Justiça, onde há uma evolução, tem aspectos bons de que é grande exemplo a acção da Doutora Maria José Morgado, mas os tribunais continuam muito lentos, e a qualidade legislativa em que por vezes não se acredita, tem preceitos de que se desconfia terem coisas escondidas. Também, em termos estruturais, há algo que nós não podemos deixar que sejamos vítimas de uma ligação à Europa que tem obrigatoriamente de passar pela Espanha, pelas auto-estradas, o que obriga a recuperar a rede ferroviária. Outra tarefa a não descurar é a de recuperar a frota de comércio e, em termos económicos, há que apostar forte no controle e exploração das riquezas do nosso mar e, em termos internacionais, temos que diversificar alianças, (aliás as de carácter económico estão a ser feitas).

Além de tudo isto, há problemas internos que são insustentáveis o que dá origem, por vezes, a grande tensões e, por outro lado, a ocasionais sentimentos de revolta. Não pode ser ignorado o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, a classe média está a desaparecer, uma classe média desprotegida que está sempre continuamente a ser mais sobrecarregada. É evidente que é um problema mundial deste capitalismo selvagem em que estamos a viver – que o Papa João Paulo II anunciou, logo após a queda do império soviético, que caía o comunismo mas não se deveria ir para o capitalismo selvagem. Portanto este problema do fosso entre os mais ricos e os mais pobres não é só nosso, mas estamos a falar do país. E há pessoas que não compreendem esta alteração das realidades nacionais e não percebem que o país está quase falido e continuam a viver como se estivessem na estratosfera, num mundo isolado.

O Governo, qualquer Governo, tem que ter a coragem para enfrentar estes senhores todos poderosos da finança, da economia e dos partidos; eles têm que sentir que são parte do conjunto nacional e que têm obrigações relativamente ao todo Nacional. Portanto, enquanto não houver, da parte dos entidades responsáveis que nos governam, alguma confrontação com essas entidades que têm muito poder mas que não estão no governo, nós vamos continuar com a nossa débil situação e as nossas fragilidades sócio-económicas.

TSF – Sr. General: esses problemas, não sendo irresolúveis, vão certamente demorar muito tempo a resolver; estamos perante um país adiado, o futuro vai continuar a ser muito sombrio?

Gen. G.Leandro – Eu penso que…eu não vejo… grandes indicadores para optimismo. Mesmo acreditando que a alternativa de poder com a Drª Manuela Ferreira Leite, no PSD, dá uma credibilidade grande, as soluções que daí advirão não serão muito diferentes das soluções que têm sido seguidas pelo actual Governo. Apesar do trabalho que tem vindo a ser feito em alterações estruturais, em grandes reformas por este Governo, há questões que, independentemente desta crise mundial, os governos não podem controlar a curto prazo. É o caso da qualidade do capital humano que nós temos, as capacidades das pessoas, a formação académica, a formação técnico-profissional, o tecido empresarial que é muito fraco, tirando algumas raras e honrosas excepções e, portanto, a construção de um futuro melhor é um trabalho que vai demorar tempo, que é agravado por esta actual situação da crise mundial. Portanto, não estou, realmente, a ver sinais cor-de-rosa.

TSF – Ainda assim, o que é que Portugal tem de bom Sr. General, o que é que o enche de orgulho em Portugal?

Gen. G.Leandro – Aquilo que me enche de orgulho em Portugal? Acho que há uma bondade natural nas pessoas; acho que são pessoas que estão sempre disponíveis para ajudar mas, ao mesmo tempo, há uma grande desconfiança. Há uma grande falta de confiança nestes mecanismos económicos, político-partidários, etc. Porém, temos que viver com isto, diariamente, onde a corrupção é algo permanente, é visível, sempre, todos os dias.

Agora comparando, e eu já visitei praticamente todos os países da Europa, vivi em alguns, vivi nos EUA, em Itália, Bruxelas, para além de outros sítios do nosso antigo Ultramar, e também vivi em Marrocos, eu não trocava este País por outro; quero dizer que penso que nós temos capacidade para nos corrigirmos.

7 comentários:

Anónimo disse...

De forma muito sucinta, como é natural numa entrevista radiofónica, estão aqui ditas muitas verdades, apontados muitos "podres".
É imperioso que mais Generais, mais Coronéis e mais Capitães apareçam a falar. Eles são necessários na Assembleia da República para, como Homens Impolutos que na sua esmagadora maioria são, falarem bem alto sobre "o Estado da Nação".
Debruçando-me agora sobre o texto começo, pegando na última frase do Sr. General: " quero dizer que penso que nós temos capacidade para nos corrigirmos." Felicito-o por ainda acreditar nisso. Eu já não acredito.
E lembro uma frase de um relatório de um Enviado de um Imperador Romano que a estas terras veio tendo como missão "avaliar o estado da Nação", e que no seu relatório para Roma, terá dito "mas que povo é este que não se governa nem se deixa governar?"
O mal é endémico!
Um País que, depois de uma Revolução sem sangue derramado, não soube definir como prioridades das prioridades a JUSTIÇA, A EDUCAÇÃO e A FORMAÇÃO PROFISSIONAL, não pode ter esperança em ver emendados tantos erros do passado.
Um outro aspecto focado é o da CORRUPÇÃO. Cancro diabólico que logo infecta parte demasiado significativa dos que assumem o poder. Gente antes tida como honesta, rapidamente "adoecem", quando esse poder lhe cai nas mãos. Mas será que temos mesmo que viver com isto? Pois talvez assim seja, já que a Justiça não funciona e, quando o faz, é de forma lenta, lentíssima, quase parada.
Há uma coisa que muito me impressiona, quando vou pela rua e ouço tanta gente tecendo encómios a Salazar e fazendo comparações com o que se passa hoje em dia!
Foi ditador e co-autor moral em assassinatos, mas não foi LADRÃO.
E, enquanto o vergonhoso conluio entre o poder político e o poder económico não for exterminado, enquanto não for um qualquer que sirva para político, não temos de retorno a Esperança.
Continuaremos a ter uma Nação desencantada, doente e sem cura.

Anónimo disse...

O Gen. Garcia Leandro tocou alguns dos problemas cruciais que nos têm atingido, mas de uma forma, para mim, muito "soft", para não dizer ligeira.
Há que ter coragem para, como ele diz, afrontar o poder financeiro por forma a que este colabore devidamente na resolução da crise que está instalada em Portugal. Mas não só, há igualmente que afrontar as mordomias existentes nos governantes e dirigentes políticos afim de se evitarem as diferenças actualmente existentes na sociedade portuguesa.
É que realmente agora existe uma classe dominante (a Nomenclatura) constituida por esta clique que tem tudo e nem se apercebe dos outros que nada têm, que são o resto dos portugueses.
Ele abordou o assunto mas, com disse anteriormente, de uma forma aligeirada.
Não é igualar as pessoas, é sim dar oportunidade delas viverem com dignidade ainda que umas mais à vontade que outras. Actualmente isso não acontece e isso trás consigo angústias e reacções nem sempre as melhores.
É o que se oferece dizer enquanto estou gozando umas pequenas férias aqui no Alentejo "sur mer"! Um abraço amigo

A. João Soares disse...

Caro Rezende,
Agradeço este douto comentário que, embora se apresente como pessimista, é realista. E Portugal precisa de realismo, de pessoas que analisem os problemas sem sofismas, com intenção de alinhar soluções viáveis, porque só sendo realistas poderão ser eficazes.
Quem tiver conhecimento da nossa literatura do século XIX, sabe que já o Eça, o Guerra Junqueiro e outros, descreviam o «estado» da época com palavras que ainda hoje se aplicam. É conhecida, pelos meus escritos, a minha repugnância pelos políticos da minha geração, ou antes, dos que conheci durante a vida, porque tendo eles saído de um povo atrasado, não souberam sobressair e mostrar capacidade e competência para sair do ciclo que vem de séculos atrás e enveredar por um rumo que reduza o atraso em relação à média europeia.
Em 1980, num curso de pós graduação, de um ano lectivo, em que o tema de fundo era «O Portugal que somos», tive um mestre agora falecido e de quem tenho saudades, que a propósito dos portugueses, dizia «somos poucos, pobres e profundamente ridículos».
Desde de tempos remotos, não temos melhorado em eficácia, mas, pelo contrário, as despesas dos governantes têm aumentado em espiral, como com demasiada frequência a Comunicação Social nos informa.
Maldita «democracia», imitando o título de um livro de Pitigrilli.
Quanto ao silêncio tradicional dos generais, tens toda a razão. Vão longe os tempos em que quando um general tossia, os políticos ficavam nervosos a pensar no significado da tosse, e no que estaria por detrás desse gesto. Hoje os generais fecham-se nos quartéis (ou quartéis generais), como se a defesa da Pátria se limitasse apenas a manobras nas paradas e não a outras formas de influência tendentes ao incentivo à cultura dos valores perenes e tradicionais de que a sobrevivência da soberania nacional carece e que, actualmente, estão muito desprezados.
As Forças Armadas, que se consideram reserva de valores morais essenciais, não se pode orgulhar de generais que se mantenham silenciosos perante atentados aos valores mais significativos dos verdadeiros interesses nacionais.
Um abraço
João

A. João Soares disse...

Caro Luís,
Agradeço a tua atenção de, estando de férias, não deixares de acompanhar este espaço de reflexões. Esse gesto de interesse é um incentivo que me obriga a não desmerecer o quanto devo aos comentadores que me mimoseiam com as suas palavras.
É certo que Garcia Leandro foi muito macio naquilo que disse, mas sendo general em funções num cargo de nomeação política, aquilo que diz tem que ser apreciado com um índice potencial elevado.
Tem coragem para arriscar, dizendo aquilo que judiciosamente sente e pensa. É um óptimo exemplo para dezenas de generais que, nada tendo a perder, se mantêm envergonhadamente inibidos de expressarem mal-estar ao assistirem ao atropelo de valores cívicos, éticos, morais, de superior importância na defesa dos interesses nacionais, porque estes interesses não se resumem à acção armada dos militares, e as Forças Armadas sempre foram consideradas como uma reserva desses valores.
Remeto para a leitura do comentário anterior.

Um abraço com voto de boas e reconfortantes férias
João

Anónimo disse...

Toda a minha vida lutei por um ideal Pátrio incorruptível. Que fizeram os cobardes? Para além de me dizer para tirar o CRACHAT 959 da outra farda? Recém civil.A azul... Não. Não gostava de ver as caixas de um roscofe método champanhês... nas nossas instalações. Oferecidas por quem? Sei bem... Assim como tantas outras sabujices!!Tantas...
Este país precisa de ideais de honestidade e amor à Pátria.Precisa que quem sobe tenha mérito. Seja exemplo naquilo que faz. Que ninguém seja perseguido por não pertencer aos grupos internos de favores.
Chega de conversa da tanga. Estamos fartos da corrupção e dos que nos pisam em nosso nome.
Prá frente meu general!!!
Servir uma farda ainda devia ser meritório!
Amar PORTUGAL é nosso DEVER!

Anónimo disse...

Olá João :)
Não estou de férias mas não tenho tido muito tempo para comentar as notícias.
Gostava apenas de dizer que este homem já viu muito e será bom reler-se o que não disse :)
Cumprimentos
Manuela

A. João Soares disse...

Cara Manuela,
Os seus comentários são muito apreciados, como tem visto, mas isso não a obriga a fazer sacrifícios para isso. A vida condiciona-nos.
É muito sábio o seu conselho para se ler e reler o que Garcia Leandro não disse, isto é o que deixa nas entrelinhas e subentende.
Dele pode ver referências aqui nos posts Correcções políticas a introduzir no País e A Revolta dos Generais
Como disse em comentário anterior, seria desejável que outras pessoas altamente colocadas perdessem o medo de expressar a sua opinião.

Beijos
João