Transcrição de textos recebidos por e-mail, acerca de ciganos e de bairros sociais que vem dar profundidade ao tema abordado no post «Pela paz em bairros difíceis»
Todos diferentes, quase todos iguais
No Verão de 1996, uns tantos habitantes de Oleiros, Vila Verde, expulsaram, com modos pouco civilizados, os ciganos que ali viviam em barracas. Se bem recordo, a história provocou um estardalhaço danado. A parcela do país que tem voz nos média descobriu num ápice o fenómeno subjacente aos incidentes e, sem surpresas, indignou-se. Não houve complacência com a origem social dos membros das milícias, ou com a circunstância da comunidade cigana de Oleiros recusar em larga medida qualquer esforço de integração excepto, para alguns dos seus elementos, a integração resultante do tráfico de droga.
Talvez não houvesse complacência possível. Os actos contra os ciganos do Minho presumiam que a transacção de estupefacientes, a construção clandestina e a carência de boas maneiras são atributos exclusivos da etnia em causa. Sucede que não são, e o luminoso deputado do PS que, à época, teorizou que "o traficante lusitano [leia-se branco] não perturba o meio rural" apenas contribuiu para refinar a estupidez de tudo aquilo. E aquilo, na opinião das boas consciências e provavelmente na verdade, foi uma manifestação racista, agravada pela indiferença ou colaboração das autoridades.
A maçada é que as boas consciências são voláteis e a verdade descartável. Embora muito mais violentos que os de 1996, os episódios recentes num bairro camarário de Loures, onde, após tiroteio, ciganos acabaram corridos das suas casas por vizinhos pretos, não têm, pelos vistos, vestígios de racismo. Ao que li, parece que o recurso ao conceito não resolve nada (em Oleiros resolveu?). Também parece que a polícia não é para ali chamada (em Oleiros exigiam-na com urgência). Perceba-se a distinção: se descendentes de rústicos minhotos maltratam o cigano à mão, a culpa é dos minhotos; se descendentes de cabo-verdianos espantam o cigano a tiro, a culpa é do planeamento urbano, dos guetos, da pobreza, da desigualdade, do capitalismo, da sociedade, minha e, não pense que escapa, sua. Um caso pedia firmeza, o outro pede sociologia. Sociologia e delírios.
Compreende-se. Olhar a realidade da Quinta da Fonte implicaria abalar inúmeros mitos que consolam almas e fundamentam políticas. Primeiro, o mito do "multiculturalismo", de acordo com o qual a humanidade em peso nasceu para se amar e, não fora a apetência discriminatória de alguns "caucasianos" desagradáveis, amar-se-ia sem descanso. Depois, o mito da superioridade moral do pobre, que faz dele uma óptima vítima mas um embaraçoso agressor. Por fim, o mito da habitação dita social, que leva as autarquias a distribuir casas gratuitas a pretexto da "solidariedade" e a troco de votos.
Este amável paternalismo fomenta o exacto caldo que está na origem dos acontecimentos de Loures. De uma retorcida maneira, a culpa é mesmo da sociedade, que enche certas pessoas de direitos e isenta-as de deveres, condenando-as, no mínimo, a uma existência humilhante e desumana. No máximo, empurra-as para a balbúrdia criminosa que é moeda corrente em bairros assim.
À hora em que escrevo, a Quinta da Fonte prossegue o seu quotidiano particular, agora com predominância da população preta, que empunha armas e jura não permitir o regresso dos ciganos. Com o respectivo arsenal bélico guardado nos carros, os ciganos acampam à porta da Câmara de Loures, a queixarem-se de plasmas roubados e a reclamarem residência em local da sua predilecção. Nenhum dos participantes na batalha do passado fim-de-semana ficou detido. Nenhum perdeu os subsídios com que o Estado lhes recompensa a conduta. A governadora civil de Lisboa encerrou o assunto com o anúncio de "estratégias de paz": uma marcha colectiva e a pintura de um mural. De facto, o principal problema da Quinta da Fonte não é o racismo.
Alberto Gonçalves
Comentário
Há uns tempos correu na Net um texto, vindo da Austrália, em que um governante local - julgo que o 1.º Ministro - dizia que todos eram bem vindos à Austrália desde que se adaptassem às leis em vigor e às regras democráticas.
Quem não o quisesse fazer era livre de partir.
Porque será que cá em Portugal não se faz o mesmo?
Ou, pelo menos, algo parecido?
A lei não é - supostamente - igual para todos?
ARS
NOTA: A referência à Austrália corresponde a notícias recentes. Mas também os EUA remetem para as suas terras de origem, suas ou dos seus pais, os imigrantes que não se adaptam às normas sociais locais. Os Açores receberam muitos descendentes de emigrantes nos EUA, alguns sem terem conhecidos nas ilhas e mal falando português. Portugal tem recebido muita gente que não vem contribuir com o seu trabalho para a economia portuguesa, mas apenas vem mendigar e entregar-se a actividades indesejadas.
Estamos perante um assunto que bem merece ser abordado sem paixões e com a máxima isenção, humanidade e realismo. Às vezes a caridade gera injustiças. Talvez aqui se deva aplicar a justiça referida na parábola dos talentos na Bíblia (Mateus 25, 14-29 e Lucas 19, 12-26)
terça-feira, 22 de julho de 2008
Todos diferentes, quase todos iguais
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Creio que base para uma sociedade igualitária, ou que o tente ser, é a máxima: Quem não cumpre deveres, não tem direitos.
Mas aqui a questão não é fácil, pois falamos de preconceitos há muito enraizados. Mas com diálogo e tolerância tudo se consegue!
Caro AP,
Também penso que a firmeza da lei e da Justiça exigindo o cumprimento dos deveres que são contrapeso dos direitos, deve ser, na medida do possível conjugada com o diálogo e a tolerância em boa medida.
É um assunto a ponderar de forma imparcial, isenta, apartidária, mas humana, pensando nas consequências de qualquer cedência que seja feita porque, depois, haverá outros sectores da população noutro local a exigir semelhantes excepções. A lei tem de ser geral e igual para todos, atendendo às circunstâncias.
Abraço
João
Enviar um comentário