Há um mês referi aqui o exemplo do Sr tenente-coronel António Neves , na forma como superou as deficiências resultantes das explosões de minas e armadilhas no mato de África.
Hoje, tive oportunidade de conversar com ele e dei-lhe uma explicação sobre o meu abuso de me ter referido a ele sem primeiro lhe ter dito. A partir daí, estive a ouvi-lo a explicar, como que a reduzir o seu valor, que para se poder reagir positivamente a uma situação tão traumática, além de qualidades pessoais, é preciso um conjunto de apoios positivos da sociedade envolvente.
Esses apoios não devem ser acções de solidariedade do tipo «ajudar o coitadinho», nem do tipo «ajudar o ceguinho a atravessar a rua», não tendo ele essa vontade. É indispensável um bom entendimento da situação por parte de quem ajuda. O deficiente, em casos como este, em que dispõe de capacidades mentais desenvolvidíssimas, não precisa que lhe ensinem o rumo, mas que resolvam as dificuldades que encontra no caminho, por exemplo as barreiras arquitectónicas. Tirou cursos, com o apoio de familiares que lhe liam os manuais e gravavam em cassetes, precisa ser acompanhado na actividade física, etc. No trabalho aceitou funções de responsabilidade, embora sem mãos cego, aprendeu informática e deu lições desta matéria. Mas confessa que numa empresa não teria o acompanhamento e os apoios que os colegas lhe deram no quartel, porque naquela data não havia ainda uma postura positiva em relação aos deficientes. Conta até que indo um certo dia nos Restauradores em Lisboa, acompanhado por dois colegas, ouviu uma senhora dizer «coitadinho, mais valia ter morrido».
Conta, de forma muito interessante, a facilidade como os filhos, quando ainda crianças, e agora os netos, encararam a situação e sabem com naturalidade lidar com ele de forma eficiente e sensível, por exemplo, em vez de dizerem olha isto, dizem toca isto. Que grandes lições nós, adultos, podemos aprender com as crianças.
Um outro exemplo da sua modéstia e clarividência ressalta quando diz que o exemplo dele não pode ser extrapolado de forma linear. Depende, além das qualidades pessoais, do género força de vontade, do grau de escolaridade, capacidade de raciocinar e escolher «o que vou fazer agora, com esta incapacidade?». Por exemplo, um serralheiro sem estudos que não sabe fazer mais nada, quando perde a visão, tem dificuldade em começar uma vida nova, principalmente se não tiver nas suas relações ninguém com capacidade para o ajudar de forma positiva, sem o considerar diminuído, até porque qualquer ajuda deve ir satisfazer um desejo, uma necessidade expressa por ele.
Enfim, confirmei a admiração colhida no mês de Fevereiro e trago aqui estas explicações, em linguagem simples e linear, na esperança de que possam ser úteis aos leitores quando tenham oportunidade de contactar um deficiente que precise do vosso apoio positivo.
Sobre este tema existem os posts:
- Mais um caso exemplar
e
- «Um deficiente vencedor»
A Decisão do TEDH (399)
Há 44 minutos
3 comentários:
Ao ler este belo artigo é impossível magicar que o título não pode certamente referir-se a políticos.
Caro amigo,
Vim ler este seu post com atenção e acho muito interessantes as ressalvas feitas pelo seu amigo. O meio que nos rodeia conta muito na nossa reabilitação, e falo como deficiente motor que sou. Sem apoios, deixado a si próprio, o deficiente não tem armas suficientes para enfrentar a nova vida que lhe surge pela frente.
Neste aspecto, conta muito o civismo, o grau de evolução cívica do mundo que nos rodeia. Portugal, a meu ver, ainda está muito longe dessa meta, devo dizer.
Um abraço amigo
Caro Jorge Borges,
A carência de civismo da generalidade da população é um mal terrível e que está na base das maiores misérias morais e sociais do País. Desde a sinistralidade rodoviária, à corrupção, à fuga aos impostos, à pequena criminalidade, tudo é efeito da falta de civismo, aliado ou não a outros factores negativos da nossa sociedade.
Até custa a compreender como já fomos um Estado poderoso no mundo.
Abraço
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