Gestores pagos a peso de ouro
Tenho ouvido dizer, em tom que me parece irónico e provocatório, que Portugal não é um País de gente séria e honesta, salvo algumas honrosas excepções. São apresentados em apoio desta afirmação a corrupção que o PGR disse, há dias, não ser condenada pela generalidade da população (talvez por não haver quem não tenha um «habilidoso» na família ou nas suas relações); os autarcas eleitos sem apoio de partidos e com processos graves em tribunal, as polémicas escandalosas acerca da impunidade de actos menos legítimos de governantes e políticos em geral; do «entachamento» de filhos, familiares e amigos de políticos; das decisões tomadas em cima dos joelhos que depois são objecto de recuo; da Ota; do TGV; do «apito dourado»; da paragem da barragem de Foz Côa; do atraso com que se avançou para a energia eólica para não colocar em risco as aves (agora já devem ter uma apólice de seguro!); do metro do Porto; do metro do Terreiro do Paço das licenças de obras em Lisboa; do mau funcionamento da Saúde que estimula as clínicas privadas; das demoras e decisões dúbias da Justiça, etc. etc.
Mas apesar de todos esses e muitos outros argumentos, tenho procurado esforçar-me para não acreditar em tão pouca ética da generalidade dos meus compatriotas e sempre quis acreditar que, nas eleições, os votos fossem expressos conscientemente para escolher os melhores representantes e defensores dos seus legítimos interesses colectivos, do ponto de vista ético, técnico e cultural e que os eleitos usassem os melhores critérios para escolher os seus colaboradores a fim de bem desempenharem as funções que lhes foram confiadas.
Mas esse meu esforço de credulidade não conseguiu ser suficiente para afastar dúvidas. Por exemplo, não compreendo que os governantes criem défices permanentes e, para procurarem evitar o seu crescimento astronómico, usem o truque já muito gasto de irem aos nossos bolsos de toda a forma e feitio. É que pensava que eles se preocupavam, prioritariamente, em melhorar a nossa qualidade de vida em todos os seus variados aspectos.
E, desta forma, a ilusão ia desaparecendo, com frequentes notícias de abusos do Poder no sentido do enriquecimento ilegítimo (como dizia João Cravinho, antes de ser «exilado») de governantes e seus apaniguados e cúmplices, das autarquias e instituições sentadas á mesa do erário.
Mas a democracia, apesar de muitos defeitos, permite alguma transparência ocasional, principalmente quando à frente do Tribunal de Contas se encontra um homem honesto e patriota. E, por isso, graças a essa Instituição que leva a sério a sua função, soube-se agora que numa auditoria do Tribunal de Contas (TC) aos vencimentos e remunerações acessórias dos gestores empresas municipais se concluiu que metade dos seus administradores receberam, durante 2003 e 2004, vencimentos e despesas de representação que excederam os limites impostos pela Lei.
O TC concluiu ainda que em quase 30% das empresas municipais, onde os administradores acumularam essas funções com as de autarcas locais, os seus salários conjuntos ultrapassaram em 75% o vencimento máximo do Presidente da República, incluindo despesas de representação. Além dos vencimentos, o TC encontrou inúmeras irregularidades na utilização de viaturas, de cartões de crédito e de telefone de serviço, tendo em quase um terço das empresas sido atribuídas viaturas de serviço a membros do conselho de administração, "para uso pessoal ou indiferenciado" sem que esse benefício estivesse previsto na Lei ou sequer, autorizado". Acresce ser frequente gestores destas empresas decidirem o valor dos seus próprios salários e remunerações acessórias.
Quanto ao número das empresas municipais e intermunicipais existentes, o Estado parece desconhecê-lo, com rigor. Depois de cruzar os dados da Direcção Geral das Autarquias Locais e da Associação Portuguesas de Empresas Municipais, em meados do ano passado, o DN chegou a identificar 169 empresas, 21 participações de municípios em empresas de capitais maioritariamente públicos, oito empresas intermunicipais e cinco empresas de capitais públicos. E o próprio presidente da associação de empresas municipais, Carlos Soares Alves, reconheceu então ao DN que algumas delas não tinham razão de existir.
Segundo o Jornal de Notícias, são referidas três das muitas situações reveladas por uma auditoria do Tribunal de Contas (TC): o administrador delegado de uma empresa municipal (EM) a auferir um salário mensal de 8800 euros, superior ao do presidente de outra, maior e de gestão mais complexa; um autarca que ao seu vencimento adiciona verbas recebidas como presidente de empresas municipais, excedendo os valores máximos autorizados em caso de acumulação de funções; um outro autarca que recebe um prémio de gestão pelo desempenho numa empresa que apresenta resultados negativos.
Perante as omissões do diploma de 1998 e a proliferação de despachos governamentais "casuísticos e avulsos", as remunerações foram sendo fixadas quase "a la carte", havendo apenas que escolher a lei que mais lhes interessar, o que deixa muito a desejar quanto à competência dos órgãos legislativos nacionais. Nuns casos, com base no Estatuto dos Eleitos Locais, noutros no do Gestor Público, noutros ainda no dos dirigentes municipais. Daí que o tribunal recomende a introdução de "regras claras e inequívocas, por forma a garantir o respeito por critérios de legalidade, exigência e moralização", essenciais em tempo de contenção da despesa.
Perante este balde água fria que arrefeceu o entusiasmo de quem acredita na boa fé dos detentores do Poder, ficamos a compreender para que é que nos obrigam a apertar o cinto e quem beneficia com o nosso sacrifício de contribuintes. E, mais uma vez, se recorda o apelo feito pelo então PR Jorge Sampaio, na sua visita ao Sátão, para a luta contra a campanha anti-política, como se essa luta devesse partir dos cidadão e não dos próprios políticos que, em vez de se preocuparem com o seu enriquecimento ilícito, abusivo, imoral e sem vergonha, deviam preocupar-se em constituir um bom exemplo e um modelo a seguir pelos seus eleitores. Deve haver vergonha no Poder. Ficamos na dúvida se vale a pena votar ou se devemos abstermo-nos de colaborar nesta fantochada da alternância de corruptos e sugadores do dinheiro de quem trabalha arduamente para alimentar o erário de que os vampiros se servem sem qualquer pejo.
A Decisão do TEDH (399)
Há 48 minutos
2 comentários:
Pois e meu amigo mas aparentemente, ou a maioria come de uma maneira ou outra do tacho, ou entao nao entendo, como sao sempre os mesmos que se prepectuam no poder!!!
Ja lhe respondi ao seu comentario divulgacao.
Um abraco do d'Algodres.
Amigo A. João Soares,
Gostei muito desta sua análise e concordo com as suas conclusões. O sistema político português atingiu nestes últimos tempos um grau de corrupção tal, que me parece recomendável não votar. Desta forma, aumentando a abstenção, diminui a legitimidade democrática dos eleitos. Do poder instituído.
Um abraço amigo
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