Intervenção do Presidente da República na Cerimónia das Comemorações dos 98 anos da Proclamação da República, na Praça do Município - Lisboa, 5 de Outubro de 2008
Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhor Primeiro Ministro,
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
Portugueses
Nesta praça, há precisamente 98 anos, foi proclamada a instauração da República.
Da varanda do edifício da Câmara Municipal, José Relvas anunciou que Portugal mudara de regime.
Vivia-se um tempo de esperança. A República representava o sonho de um Portugal melhor e mais justo.
Nos nossos dias, é também com esperança, com sonho e com ambição que devemos assinalar o aniversário da República.
O 5 de Outubro tem de ser uma fonte de inspiração e de mobilização para todos os Portugueses.
Precisamos de nos mobilizar. Precisamos de despertar as ambições colectivas que fizeram de Portugal uma nação livre e soberana.
Não escondo que vivemos tempos difíceis. Os Portugueses sabem-no, porque vivem essas dificuldades no seu dia-a-dia.
Muitas famílias têm dificuldade em pagar os empréstimos que contraíram para comprar as suas casas.
Há idosos para quem a reforma mal chega para as despesas essenciais.
Há jovens que buscam ansiosamente o seu primeiro emprego.
Há homens e mulheres que perderam os seus postos de trabalho.
Nascem novas formas de pobreza e exclusão social e, em paralelo, emergem chocantes disparidades de rendimentos.
O que é vivido pelos cidadãos não pode ser iludido pelos agentes políticos.
Quando a realidade se impõe como uma evidência, não há forma de a contornar.
Portugal tem registado fracos índices de crescimento económico. Afastámo-nos dos níveis de prosperidade e de bem-estar dos nossos parceiros europeus. Ainda não invertemos a insustentável tendência do endividamento externo.
Persistem profundas disparidades entre as diferentes regiões.
A situação internacional, por outro lado, não é favorável.
Ao elevado preço do petróleo e dos produtos alimentares alia-se o aumento das taxas de juro.
A ineficiência da regulação e da supervisão dos mercados financeiros, que recentemente emergiu nos EUA, e a dimensão da crise que lhe está associada são fonte de grandes preocupações à escala global.
As economias dos países europeus, nossos principais parceiros comerciais, registam um claro abrandamento.
Portugueses
É nestas alturas que se vê a fibra de um povo.
Este é o tempo em que aqueles que servem as instituições da República devem fazer prova do seu real valor e da sua visão de futuro.
Os tempos são difíceis, mas a vontade e o querer dos Portugueses terão de ser mais fortes.
Temos capacidade para isso – e já o mostrámos ao longo da nossa História multissecular, de que legitimamente nos orgulhamos.
No passado, acreditámos em nós próprios, não nos resignámos e chegámos longe.
Mais recentemente, a forma como soubemos instaurar a democracia e construir uma sociedade civil de pessoas livres é algo que tem de nos motivar.
Como tem de nos motivar a capacidade empreendedora das comunidades portuguesas e luso-descendentes no estrangeiro.
Todos temos responsabilidades.
Responsabilidades cívicas, deveres republicanos.
Responsabilidades para com as gerações que nos precederam – e que temos a tendência para apenas recordar como heróis do passado, sem nelas pensarmos como exemplos de presente.
Temos deveres para com as gerações vindouras.
Os nossos filhos, os nossos netos, não nos perdoarão se baixarmos os braços, se não formos capazes de fazer as escolhas certas e ultrapassar as dificuldades que Portugal enfrenta.
É também a pensar neles, no País do futuro, que devemos ver na República um modelo inspirador e um estímulo para agir.
Portugal pode ser o que quisermos.
Possuímos condições geográficas privilegiadas para servir de plataforma entre a Europa e o Atlântico.
A História legou-nos um capital de simpatia e de conhecimento nos cinco continentes, que temos de saber cultivar.
A nossa língua é falada por milhões de seres humanos.
Temos um vasto património cultural, que devemos preservar e proteger. Somos uma nação coesa e um Estado uno.
O regime político português encontra-se perfeitamente estabilizado e sedimentado, as instituições fundamentais do Estado funcionam, o sistema de governo não difere dos que existem nas democracias europeias mais antigas do que a nossa.
Vivemos um período de estabilidade política e existem condições de governabilidade.
É certo que podem e devem ser introduzidas alterações pontuais para melhorar a qualidade da democracia e para aproximar o poder dos cidadãos.
É certo que há muito a fazer pela qualidade dos serviços públicos.
Mas não é menos certo de que temos legítimos motivos de orgulho no caminho que percorremos após o 25 de Abril.
As potencialidades existem. Temos que saber aproveitá-las.
A nossa ambição de regressar ao caminho da convergência real com o desenvolvimento médio da União Europeia e reduzir o desemprego deve permanecer viva.
É aqui que deve centrar-se o debate e a agenda política.
O reforço da capacidade competitiva das nossas empresas está ao nosso alcance.
Há hoje uma nova geração de empresários conhecedores das exigências da globalização, imbuídos de uma cultura de inovação e de excelência.
Temos empreendedores que se assumem como agentes de mudança, que sabem que o sucesso das suas empresas não está dependente da protecção do Estado nem pode construir-se com base na permuta de favores ou copiando modelos obsoletos.
Os novos empresários já se aperceberam de que o êxito dos seus projectos depende da sua capacidade para enfrentar a concorrência na economia global.
A nossa ambição de melhoria do poder de compra de quem vive do seu trabalho e de redução dos níveis de pobreza tem, igualmente, de continuar viva.
É aqui, também, que deve estar a prioridade da agenda política.
A aposta na educação e na qualificação dos recursos humanos é consensual entre os agentes políticos, económicos e sociais. À luz de uma cultura de exigência, não cedendo ao facilitismo, iremos certamente aumentar as competências dos nossos jovens.
No futuro, a produtividade da força de trabalho irá crescer. Havemos de reforçar o conteúdo tecnológico da produção nacional.
Sejamos realistas: ainda há muito por fazer, mas com esforço e trabalho seremos capazes.
Tenho encontrado por todo o País exemplos que me fazem ter confiança no futuro: investigadores que ombreiam com os melhores do mundo, universidades e empresas que cooperam com sucesso, jovens que se dedicam ao voluntariado de uma forma admirável, empresários que apenas esperam que o Estado não coloque entraves ao seu dinamismo.
Os trabalhadores portugueses estão determinados em contribuir para o aumento da riqueza nacional.
O clima das relações laborais é mais favorável do que na maioria dos países da União Europeia.
Na concertação social, predomina o sentido de responsabilidade dos diversos parceiros.
Portugueses
Vivemos tempos difíceis, sem dúvida. O futuro é incerto e, em muitos casos, preocupante.
Porque falo sempre verdade aos Portugueses e porque tenho como princípio conhecer a realidade do País, escutar os meus concidadãos e ouvir as suas preocupações, sei bem que muitos atravessam momentos de incerteza perante o futuro.
Quando o presente é difícil, somos sempre tentados a pensar que o futuro também o será.
Mas, na realidade, o futuro será o que dele fizerem os cidadãos da nossa República.
Os Portugueses já perceberam que não será o Estado a resolver todos os seus problemas.
Têm direito a esperar do Estado que faça bem o que lhe compete fazer. Que seja rigoroso e ponderado no uso dos dinheiros públicos e que os impostos sejam justos e razoáveis.
O Estado tem de garantir dois valores essenciais, a justiça e a segurança. Deve promover o acesso de todos aos cuidados de saúde, como deve oferecer um ensino de qualidade e uma rede de protecção social que proteja os cidadãos nos momentos difíceis da vida.
O Estado nunca pode esquecer aqueles que têm muito pouco, os mais frágeis e desprotegidos, os que se encontram em situação de pobreza.
Portugueses
A República é um modelo de virtudes cívicas e éticas.
De todos a República exige uma nova atitude, feita de inconformismo e de esperança. Porque há motivos de esperança, há razões para o inconformismo.
Falo à luz do compromisso de verdade que assumi desde o primeiro dia do meu mandato.
Do mesmo modo que não escondo a verdade dos tempos difíceis que vivemos, não escondo a verdade da minha confiança num Portugal melhor.
A verdade gera confiança, a ilusão é fonte de descrença.
Sei que somos capazes.
Somos capazes de vencer quando os desafios são maiores.
Em nome da República, peço aos Portugueses que acreditem em si próprios, nas suas capacidades.
Não se deixem vencer pelo pessimismo ou pelo desânimo.
No dia-a-dia, na família, nos vossos empregos, nos vossos comportamentos cívicos saibam aproveitar as potencialidades que têm e tirem partido dos recursos naturais e humanos de que o País dispõe.
O tempo é de decisão, de decisão ponderada. E a decisão quanto ao futuro cabe ao comum dos Portugueses.
É, pois, no comum dos Portugueses que deposito a minha maior esperança, uma esperança que se alimenta do sonho de uma República melhor.
Acredito numa República melhor, porque acredito no nosso povo.
Acredito na República Portuguesa e orgulho-me de ser Presidente dos cidadãos desta República.
Obrigado.
A Decisão do TEDH (399)
Há 54 minutos
2 comentários:
"Mas não é menos certo de que temos legítimos motivos de orgulho no caminho que percorremos após o 25 de Abril."
É pena que no discurso o PR tenha dito tal frase pois poderá ser considerada "politicamente correcta" mas é totalmente incorrecta pelo que temos assistido nos últimos 34 anos! Acreditou-se muito no que viria a ser Portugal pós 25 de Abril mas os resultados são o que se vê, miséria atrás de miséria e como o PR constata nunca o fosso entre ricos e pobres foi tão grande. Era melhor que não tivesse falado nisso. Seria mais verdadeiro e mais coerente!
Caro Luís,
Raramente uma revolução traz os resultados desejados e esperados. Esta não foi excepção e pecou por demasiada ingenuidade e a vã esperança de que tudo prosseguisse com a lógica desejada, o que desprezou a necessidade de uma cuidada preparação do esquema a seguir. O resultado foi a liberdade ser rapidamente transformada em libertinagem, vício de que ainda não estamos recuperados. Hoje, na impossibilidade, por incompetência, de se analisarem os mais graves problemas do País, ocupa-se o tempo com legislações insignificantes como a do aborto, do casamento de homossexuais, dos divórcios, etc.
Quando se quer legislar sobre coisas importantes sai algo de inútil, que nada resolve, como a lei das armas, o código penal, etc., que não impedem o aumento preocupante da criminalidade violenta e a continuação da insegurança rodoviária.
O discurso é bom como análise, como diagnóstico, mas nada define como terapia.
Palavras como as do Presidente dão ao Governo a responsabilidade de solucionar os problemas enunciados. Agora não podem declarar ignorância das situações descritas. O próprio PM se mostrou concordante com o diagnóstico.
Vejamos o que vem a seguir...
Um abraço
João
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