Texto de artigo de igual título por António Barreto, recebido por e-mail, sem indicação da data de publicação no Público
EM CONSEQUÊNCIA DA REVOLUÇÃO DE 1974 , criou raízes entre nós a ideia de que qualquer forma de autoridade era fascista. Nem mais, nem menos. Um professor na escola exigia silêncio e cumprimento dos deveres? Fascista! Um engenheiro dava instruções precisas aos trabalhadores no estaleiro? Fascista! Um médico determinava procedimentos específicos no bloco operatório? Fascista! Até os pais que exerciam as suas funções educativas em casa eram tratados de fascistas.
Pode parecer caricatura, mas essas tontices tiveram uma vida longa e inspiraram decisões, legislação e comportamentos públicos. Durante anos, sob a designação de diálogo democrático, a hesitação e o adiamento foram sendo cultivados, enquanto a autoridade ia sendo posta em causa. Na escola, muito especialmente, a autoridade do professor foi quase totalmente destruída.
EM TRAÇO GROSSO, esta moda tinha como princípio a liberdade. Os denunciadores dos 'fascistas' faziam-no por causa da liberdade. Os demolidores da autoridade agiam em nome da liberdade. Sabemos que isso era aparência: muitos condenavam a autoridade dos outros, nunca a sua própria; ou defendiam a sua liberdade, jamais a dos outros. Mas enfim, a liberdade foi o santo e a senha da nova sociedade e das novas culturas. Como é costume com os excessos, toda a gente deixou de prestar atenção aos que, uma vez por outra, apareciam a defender a liberdade ou a denunciar formas abusivas de autoridade. A tal ponto que os candidatos a déspota começaram a sentir que era fácil atentar, aqui e ali, contra a liberdade: a capacidade de reacção da população
estava no mais baixo.
POR ISSO SINTO INCÓMODO em vir discutir, em 2008, a questão da liberdade. Mas a verdade é que os últimos tempos têm revelado factos e tendências já mais do que simplesmente preocupantes. As causas desta evolução estão, umas, na vida internacional, outras na Europa, mas a maior parte residem no nosso país. Foram tomadas medidas e decisões que limitam injustificadamente a liberdade dos indivíduos. A expressão de opiniões e de crenças está hoje mais limitada do que há dez anos. A vigilância do Estado sobre os cidadãos é colossal e reforça-se. A acumulação, nas mãos do Estado, de informações sobre as pessoas e a vida privada cresce e organiza-se. O registo e o exame dos telefonemas, da correspondência e da navegação na Internet são legais e ilimitados. Por causa do fisco, do controlo pessoal e das despesas com a saúde, condiciona-se a vida de toda a população e tornam-se obrigatórios padrões de comportamento individual.
O CATÁLOGO É ENORME. De fora, chegam ameaças sem conta e que reduzem efectivamente as liberdades e os direitos dos indivíduos. A Al Qaeda, por exemplo, acaba de condicionar a vida de parte do continente africano, de uma organização europeia, de milhares de desportistas e
de centenas de milhares de adeptos. Por causa das regulações do tráfego aéreo, as viagens de avião transformaram-se em rituais de humilhação e desconforto atentatórios da dignidade humana. Da União Europeia chegam, todos os dias, centenas de páginas de novas regulações e directivas que, sob a capa das melhores intenções do mundo, interferem com a vida privada e limitam as liberdades. Também da Europa nos veio esta extraordinária conspiração dos governos com o fim de evitar os referendos nacionais ao novo tratado da União.
MAS NEM É PRECISO IR LÁ FORA. A vida portuguesa oferece exemplos todos os dias. A nova lei de controlo do tráfego telefónico permite escutar e guardar os dados técnicos (origem e destino) de todos os telefonemas durante pelo menos um ano. Os novos modelos de bilhete de identidade e de carta de condução, com acumulação de dados pessoais e registos históricos, são meios intrusivos. A vídeo vigilância, sem limites de situações, de espaços e de tempo, é um claro abuso. A repressão e as represálias exercidas sobre funcionários são já publicamente conhecidas e geralmente temidas A politização dos serviços de informação e a sua dependência directa da Presidência do Conselho de Ministros revela as intenções e os apetites do Primeiro-ministro. A
interdição de partidos com menos de 5.000 militantes inscritos e a necessidade de os partidos enviarem ao Estado a lista nominal dos seus membros é um acto de prepotência. A pesada mão do governo agiu na Caixa Geral de Depósitos e no Banco Comercial Português com intuitos evidentes de submeter essas empresas e de, através delas, condicionar os capitalistas, obrigando-os a gestos amistosos. A retirada dos nomes dos santos de centenas de escolas (e quem sabe se também, depois, de instituições, cidades e localidades) é um acto ridículo de fundamentalismo intolerante. As interferências do governo nos serviços de rádio e televisão, públicos ou privados, assim como na 'comunicação social' em geral, sucedem-se. A legislação sobre a segurança alimentar e a actuação da ASAE ultrapassaram todos os limites imagináveis da decência e do respeito pelas pessoas. A lei contra o tabaco está destituída de qualquer equilíbrio e reduz a liberdade.
NÃO SEI SE SÓCRATES É FASCISTA. Não me parece, mas,sinceramente, não sei. De qualquer modo, o importante não está aí. O que ele não suporta é a independência dos outros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições. Não tolera ser contrariado, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as suas poderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação. No seu ideal de vida, todos seriam submetidos ao Regime Disciplinar da Função Pública, revisto e reforçado pelo seu governo. O Primeiro-ministro José Sócrates é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra autonomia das iniciativas privadas e contra a independência pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas.
TEMOS DE RECONHECER: tão inquietante quanto esta tendência insaciável para o despotismo e a concentração de poder é a falta de reacção dos cidadãos. A passividade de tanta gente. Será anestesia? Resignação? Acordo? Só se for medo...
António Barreto \ Público"
sábado, 18 de outubro de 2008
Sócrates e a liberdade
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12 comentários:
É desta forma que os governantes falando da liberdade (só, claro, considerando a sua...) criam as Ditaduras quer de direita quer de esquerda!!!!!
Caro Amigo Luís,
Em geral, as ditaduras aparecem com o apoio ou. pelo menos, o consentimento da população, por se apresentarem como a melhor solução para a situação difícil que vivem. As pessoas são vulneráveis à acção dos vigaristas - muita simpatia, e palavras lindas que dão gosto de ouvir - e aceitam e ate podem apoiar abertamente os ditadores, até que acordam e vêm que estão a ser exploradas devido à sua ingenuidade. Depois dá-se a revolução, que será mais ou menos sangrentas.
O que se passa agora? O que irá passar-se? è um bpom tema para ser meditado.
Abraço
João
Meu querido amigo João
Se Sócrates é ou não fascista...pois também não sei.
É, sem qualquer margem para dúvidas, um ditador em potência!
É só dar-lhe asas e teremos o absolutismo implantado em Portugal.
Impecável, esta análise de António Barreto.
Deveria ser lida por toda a gente.
Bom fim de semana
Beijinhos
Mariazita
Cara Amiga Mariazita
A Natureza humana faz de cada detentor do poder um potencial autoritário ou ditador.
A solução não pode ser encontrada dentro das pessoas que ocupam os lugares de chefia, mas sim naqueles que os rodeiam ou lhe estão subordinados, que devem impedir abusos. Para facilitar esse controlo deve haver regime que permita a crítica e a intervenção que paralise os exageros.
Mas uma coisa é certa: o homem do poder deve ter autoridade e capacidade para a exercer com transparência, legalidade e moralidade. Sem autoridade cai-se na bagunça e na indisciplina pública com a pequena criminalidade que depressa sobe a grandes dimensões.
Sócrates, apresenta muitas debilidades na gestão da ordem pública, da segurança interna e na Justiça, com ministros que pensam demasiado em Euros quando se trata de benefício para o público em geral, e são uns mãos largas nas despesas com eles, os seus assessores e os amigos consultores que privilegiam com contratos pouco úteis com demasiada frequência. Na OTA gastaram milhões em estudos encomendados para justificar decisões tomadas por palpite, e tudo se mostrou inútil e prejudicial para o Estado.
Beijos
João
Caríssimo João,
Só conheço a Mariazita pelos seus comentãrios mas reconheço-lhe grande qualidade nos mesmos e muita veracidade no que diz. Sócrates na sua mediocridade é um ditador em potência e tem-se rodeado de ministros tipo "Yes man" que, por comparação com eles o tornam um "iluminado" e com isso tem vindo a enganar o "povinho". Usa a fórmula: "com papas e bolos se enganam os tolos"! Só que cada vez mais há menos "papalvos"!
Caro Luís,
Gostava de partilhar a tua convicção da última parte do comentário. Os papalvos podem estar a diminuir em quantidae mas ainda são demasiados para permitir o que está a passar-se.
E viva o «migalhães»!!!
Um abraço
João
Um excelente artigo de opinião do António Barreto.
Vou transcrever no Papa Açordas os dois últimos parágrafos do texto, com link para este blogue.
Obrigado
Compadre Alentejano
Caro Compadre,
Qualquer artigo de António Barreto tem um valor especial, pela clareza das ideais e pela forma perfeita de as expressar. Este blog só pode ter o mérito de dar ênfase a boas peças de análise e de opinião. Por isso a sua gentileza de referir este blog, é uma prova de apreço que muito agradeço.
Tenho pena de não poder corresponder a tanto visitante que aqui vem dar uma olhadela e, por vezes, deixar comentários de bom nível. Tenho o tempo muito ocupado com o esquema que escolhi e que nos últimos dias foi agravado pela noite que caiu no computador, devido a uma actualização do Vista Home Basic qiue foi mais do que actualização pois o sistema é muito diferente do inicial e tornou inoperacionais todos os programas e todos os ficheiros guardados deixaram de poder ser abertos. Foi uma prova muito dura para quem respeita o software de tal forma que receia tocar em coisas tão sensíveis. Neste momento já funciona mas tenho de refazer muita coisa e resignar-me a ficar sem outras.
Um abraço
João
Apreciando, embora, todos os comentários, reduzo a expressão mais simples quer o artigo de António Barreto - notável, mais uma vez, pela clareza e objectividade, tão raras -, quer o “retrato” da “personalidade” em apreço.
Se estiverem atentos - como estarão, claro -, às fotos do indivíduo, nos jornais e nas TV, já registaram os seus esgares, trejeitos, olhares, dedos raivosamente apontados! É! Qualquer psicólogo - e já não é necessário o “especialista” da leitura dos rostos que, há tempos, me divertiu num programa da TV - Vos dirá que está ali, nesses sinais, o perfil do ditador, mesmo de comédia, que detesta os seus adversários e as suas opiniões, além de o enraivecerem (os debates no parlamento - o que temos! - são mostra disso), que vê os deputados da Nação como figurantes, apesar de nem sempre úteis, e que se está borrifando para o povo de quem se diz porta voz e defensor! Assim mesmo, com esta simplicidade toda!
Se o Vosso coração se inclinar para apreciação mais generosa, fiquemos então ( e nisso não cedo!) pela arrogância do senhor, pelas “certezas” do político - onde não cabe a humildade -, e pelo manifesto autoritarismo do governante. É a imagem de fundo do ditador, não acham?
Curioso, vieram-me à ideia os discursos que, em Berlim e em Roma, nos anos 30 e 40 do século passado, arrastaram os incrédulos (ou os que queriam acreditar...). A nossa mente percorre, às vezes, caminhos estranhos!
Caro Artur,
Agradeço o teu baptismo neste espaço, com um comentário muito bom e com nível técnico de conhecimento da mente humana e daquilo que ela deixa transparecer, através do corpo. Uma análise muito interessante que irá enriquecer o blog. Vê-se que estás seriamente atento aos sinais, coisa rara na população anestesiada ou em coma induzido que sofre de uma resignação doentia, apesar dos alertas dados por Cavaco e já em tempos ditos por Mário Soares. O saber não ocupa lugar e é pena o povo não se preocupar e saber o que se passa de forma a poder decidir pela sua cabeça no momento de votar, ou de emitir opinião.
A tua referência à AR, coincide com umas palavras que já aqui escrevi: É um circo em que um indivíduo vai ali para dar contas ao órgão de soberania n.º 2, acima do Governo, da sua acção governativa, mas, em vez dessa posição de segundo plano, e de arguido (!), veste a pele do lobo e procura esmagar os cordeiros da oposição, com insultos, ataques pessoais, vergastadas despropositadas e impróprias de um Governante a prestar contas à AR.
Enfim, a falta de civismo não é exclusiva da «geração rasca»!
Volta sempre.
Um abraço
João
A propósito da AR, notem bem este delicioso parágrafo da crónica semanal de Clara Ferreira Alves no último Expresso:
" ...onde invariavelmente surgem deputados sonolentos que bocejam, rabiscam e só saem do torpor para aplaudir a mãos cheias uma intervenção da bancada. Intervenção que parecem não ter ouvido, de entretidos que estavam a ensimesmar, bocejar e rabiscar."
E mais à frente:
"Muita gente fala no telemóvel, suponho que para diluir o tédio das sessões, e muita gente nem sequer lá põe os pés, contribuindo para aqueles grandes planos do hemiciclo deserto. Com a sua voz cadenciada e martelada, o maçadíssimo Jaime Gama vai presidindo a esta modorra, com muita actividade regulamentar para compensar a ausência de actividade."
Que delicioso retrato!
Isto é gente para levar a sério?
Artur Pinto
Caro Artur,
Gosto da tua perspicácia, que se mantém com a mesma acutilância do início da década de 50 (desculpa estar a tornar público que és velho!)em que coabitámos (até há pouco não se podia empregar esta palavra!) no mesmo quarto.
Quanto à quantidade dos deputados e sua inutilidade, ou pouca utilidade, sugiro que visites o post de 10 de Outubro, Disciplina de voto, deputados a mais?
Também gosto da análise da Clara Ferreira Alves e da escolha que fizeste do texto dela.
Um abraço
João
João
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