Vivemos numa época de cega obediência à moda, não só no vestir mas também em tudo o mais, inclusivamente, no uso obsessivo das palavras «politicamente correctas». E quem não conhecer um «chavão» entrado em circulação há pouco tempo, poderá ser apelidado de ignorante e analfabeto. O artigo que a seguir se transcreve foca, com a habitual clareza e frontalidade do autor, um caso que ilustra esta introdução.
Cuidados
João César das Neves
Jornal gratuito Destak, de 23 | 10 | 2008
Notícia recente: «Só três em cada dez portugueses sabem o que são cuidados paliativos» O que significa isto? Que o jornalista é parvo!
Toda a gente sabe o que é cuidar de uma pessoa a morrer. O que muitos portugueses desconhecem é o termo técnico que um punhado de especialistas deu a algo que se faz desde que o mundo é mundo.
Os jornais hoje acham que devemos saber estas coisas. O nosso tempo tem uma confiança cega nas possibilidades científicas de regulação da nossa existência. A vida tem de ser vivida dentro de um espartilho de teorias e modelos, técnicas e diagnósticos, regulamentos e sondagens, rigor científico e solidez epistemológica.
Tudo muito bem intencionado, só querendo melhorar a nossa existência. Que vida tão boa eles querem que nós vivamos! A verdade é que já nem temos poder sobre o nosso almoço. Amontoam-se os especialistas que sabem tudo o que deveríamos comer.
Directivas comunitárias já se arrogaram o direito de eliminar alguns dos nossos petiscos favoritos. Agora, pelos vistos, até querem ensinar-nos a morrer. Peço desculpa, mas até fico contente por tanta gente em Portugal não ligar à moda cultural do momento.
Isto não significa desprezo pelo valor daquilo que as ciências, técnicas e políticas têm para nos dar. Quando eu morrer espero ter por perto um especialista em cuidados paliativos.
Mas, muito mais importante, espero estar rodeado da minha família e amigos, num clima de amor e elevação. Não afogado em peritos que andaram anos na universidade para aprenderem a maneira como eu devia “bater a bota”.
El País
Há 56 minutos
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