Os portugueses assistiram através de todos os meios da Comunicação Social (e muitos viram com os seus olhos e sentiram na própria pele) à sucessão de crimes violentos que em Agosto criou um sentimento de insegurança generalizado.
O primeiro-ministro José Sócrates, segundo a notícia Segurança: Sócrates diz que Governo respondeu à situação , refutou as críticas ao seu silêncio e disse que «o Governo respondeu à situação», e sublinhou que «o que se impunha é que se agisse, muito mais do que se falasse». E disse que o povo fora informado pelo MAI, mas este apenas procurou ocultar dos cidadãos realidades que eram demasiado conhecidas e preocupantes, só mudando de atitude depois das palavras do PR.
Estas palavras do PM são sábias, politicamente correctas, as esperadas pela população. Mas convém provar a comida antes de a ingerir descontraidamente. Convém pensar qual o verdadeiro conteúdo dessa resposta do Governo? Para um cidadão vulgar, longe dos «mentideros» da política, poderemos encontrar três conteúdos da resposta.
O primeiro aspecto da resposta, a nomeação de um superpolícia, coordenador de todas as instituições com funções de investigação de segurança, parece não constituir resposta porque é um cozinhado que já estava em lume brando há mais de meio ano e veio levantar vários gritos de alarme a chamar a atenção para os inconvenientes de tal solução. Não é por acaso que Alegre critica concentração de poderes policiais, alertando para riscos de governamentalização da investigação criminal que "poderá pôr em causa o princípio constitucional da separação de poderes". Segundo ele "trata-se de uma solução que suscita preocupações numa área tão crucial como a dos direitos, liberdades e garantias".
Os jornais continuam a chamar a atenção para o desconforto dos juízes, os agentes mais especializados e credíveis do funcionamento da Justiça e do reforço da segurança, como se pode ver nos artigos Uma guerra surda por causa das leis penais e < Juízes querem preventiva mais clara nas leis penais.
E estes alertas dos juízes, resulta bem claro na notícia que diz que Traficante de armas ficou em liberdade caso que, como muitos outros, anula o esforço dos agentes das Forças de Segurança e reduz a sua motivação para correr riscos de vida ao deter criminosos, armados e violentos.
Quanto à nova estrutura superior da Segurança Interna, recordo-me da noção, aprendida há várias dezenas de anos, de que em organização tudo deve ser simples de modo a ser fácil traduzir a estrutura num organigrama de linhas verticais e horizontais, em que uma posição depende hierarquicamente apenas de outra, isto é, cada pessoa tem apenas um chefe de quem recebe ordens e a quem presta contas.
Por isso parece-me confusa a criação de mais uma entidade na já complexa estrutura da segurança. As Forças de Segurança dependem do MAI, a PJ e os tribunais dependem do MJ, as Forças Armadas (eventualmente com funções de segurança) dependem do MDN. Até aqui, a confusão é relativamente controlável com um bom sistema de ligação entre os ministérios e, por sua delegação, entre as instituições com informação, oportuna às respectivas tutelas.
Mas, entretanto, foram criados o Gabinete Coordenador de Segurança (GCS) e o Observatório de Segurança, que devem sentir imensas dificuldades no exercício das suas actividades, sem definição de dependência e sem clareza na sua autoridade e no efeito dos seus relatórios. A solução mais adequada teria sido classificá-los como órgãos de apoio e de consulta ao serviço do Chefe do Governo ou mesmo do PR, aos quais relatariam as suas observações sobre os diferentes aspectos da segurança, e esses relatos serviriam de base aos seus chefes (PM, ou PR através do PM) para alertarem os ministros respectivos para os problemas existentes e a necessidade de adoptar as medidas por eles consideradas convenientes. Não haveria atropelos de hierarquia, nem promiscuidades de ingerências menos respeitosas.
Presentemente, para maior confusão, surge um Secretário-geral da Segurança Interna, com uma posição mal definida. Depende do PM mas tem acção sobre quem? Se tiver acção sobre as FS está a colocar em curto-circuito o MAI, se se imiscuir no SIED está a curto-circuitar o MDN, se meter o nariz na PJ está a desconsiderar o MJ. Se estas instituições lhe obedecerem estão a cometer uma falta grave perante a respectiva tutela. Como reagirão estas instituições se receberem ordens, directivas ou sugestões contraditórias da tutela e do SGSI? A quem devem obedecer? Quem tem o direito de lhes puxar as orelhas se falham? Isto põe em risco o sábio princípio de cada elemento tem apenas um chefe de quem recebe ordens e a quem presta contas, a definição de um comando único
O Secretário-geral da Segurança Interna só pode funcionar se for considerado um órgão de apoio e de consulta do PM, com autoridade para observar em pormenor e por dentro o funcionamento das referidas instituições, relatar ao PM e propor-lhe recomendações que ele, se concordar, dirigirá aos respectivos ministros. Não se trata, por isso, de um superpolícia, não manda nas polícias, não desautoriza MAI, nem MDN, nem MJ. É apenas um órgão de «staff» do PM, para questões de segurança.
O segundo aspecto da resposta, a promessa do MAI de em fins de 2009 entrarem para os efectivos das polícias largas centenas de agentes não pode ser considerada uma solução para a onda de criminalidade actual, pode parecer uma solução para curto (a mais de um ano) prazo, mas torna-se altamente explosiva a médio prazo, pela escalada da violência e da repressão, coisa que era muito estudada na estratégia nuclear durante a guerra fria, cerceia a liberdade geral, mas deixa intactos os factores geradores da violência, que é a total ausência de valores cívicos e a injustiça social.
Quanto às polícias, o problema não está na quantidade, mas na qualidade e na forma como está organizada. Há muitos agentes sem a formação adequada e ocupados em funções administrativas e burocráticas, em vez de actuarem como agentes da ordem. Cerca de metade dos efectivos estão nos gabinetes e não saem para o cumprimento das missões de segurança. Outro factor é a má utilização dos equipamentos, em que a informática, do choque tecnológico, nem sequer permite uma boa utilização da informação obtida por todas as polícias para criar sinergias e multiplicar o resultado do trabalho realizado por qualquer delas. Basta ler os jornais para detectar o amadorismo da organização e do funcionamento, apesar de o MAI ter descido ao papel de chefe de esquadra a ensinar como se faz uma escala de serviço!
Mas, além do que vem ao conhecimento público, haverá muitas mais deficiências, coisa que se espera seja melhorada pelo futuro Superpolícia!
O terceiro aspecto da resposta poderá ter sido uma discreta alusão à intensa actividade de rusgas e outras operações dos dias mais recentes que resultaram em apreensões de droga, armas, explosivos, e detenção de muita gente. Mas quanto a isso, há que estar atento. Pode perguntar-se, se as polícias têm capacidade para tal actividade, porque razão não a têm desenvolvido com regularidade para evitar o agravamento vivido no recente mês? Até parece que toda esta azáfama foi desenvolvida porque os ‘maus’ distraíram-se a assaltaram o escritório do advogado do deputado porta-voz do PS, Vitalino Canas. E, tendo tocado num politico do partido do Governo, as forças da segurança foram activadas, à semelhança do ocorrido no fim da primavera de 1983, quando as FP25 andavam a fazer tropelias de gravidade, mas nada se lhes opunha, até que mataram o administrados da Fábrica de Louças Sacavém, amigo do PM Mário Soares, altura em que foram desenvolvidos todos os esforços para meterem à sombra os elementos da organização.
Ou será que a azáfama dos dias recentes serviu apenas para que o discurso do PM tivesse argumento de força para provar que o seu silêncio foi uma táctica e que o importante foram as medidas. Depois desta meditação, embora feita ao correr do teclado, mantenho o ponto de interrogação do título.
terça-feira, 2 de setembro de 2008
Governo responde à insegurança?
Publicada por A. João Soares à(s) 09:51
Etiquetas: justiça, polícias, superpolícia, violência
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9 comentários:
A propaganda do governo é espantosa, quanto estamos a pagar por ela?
A criminalidade continua em grande conforme hoje noticiada e os protagonistas do crime devem estar-se a rir das palavras do "nosso" primeiro...
É preciso uma criança dizer que o "rei vai nu" para o tal primeiro lhe dar ouvidos.
Realmente, ele vai nu e vaidoso mostrando o traseiro, mas não ousa admiti-lo.
Ele é o marketing meus senhores, o marketing… alienação, engano… rondas e operações anti-crime (violento, palavra chave) de ocasião…
Um abraço
Carlos Rebola
Caro Carlos,
Já não basta ser uma criança a dizer «o rei vai nu». Temos de ser todos. E os blogs têm papel importante a desempenhar dando o alerta que acorde os distraídos.
Mas os portugueses, são masoquistas, gostam de sofrer, de ser vítimas e têm medo de se lamentar em voz alta. Nos últimos dias, este blog aumentou o número de visitantes quase para o dobro da média que vinha tendo. Mas quanto a comentários é o que vê. Há medo de ter opinião, há medo de escrever algo a favor ou contra, de apresentar uma visão diferente do problema, de indicar novas pistas de análise e novas soluções.
Mas em qualquer parte em que as pessoas se sintam em grupo de confiança abrem-se de uma forma por vezes dramática.
Ontem um indivíduo que estava em Moçambique no momento da troca de bandeiras nos mastros, contou que um dos responsáveis da Frelimo lhe fez um desabafo acerca das dificuldades que já estavam a sentir com as responsabilidades que passaram a ter e para as quais não estavam preparados: «Isto veio tarde demais para vocês e demasiado cedo para nós».
E agora parece que está a tornar-se demasiado tarde para pôr fim à descida para o abismo e iniciar uma recuperação séria deste País mártir que tem sido tão mal governado.
Abraço
João
Olá, João :)
Embora de acordo com as 3 leituras, inclino-me muito para a 3ª interpretação, visto que o "bem falante" (que nunca me vendeu nada)já está na fase do "vale tudo, só para me manter cá"!
Recordo-me do post de Junho, "Tiros para assustar" e de muitos coment´rios que aí foram colocados então...
Cumprimentos,
Manuela
Deus permita que a violência e o descontrole cheguem aí como já se instalaram no Rio de Janeiro há tempos.
Beijocas
Cara Mnuela,
Tenho imenso apreço pela atenção que dá a este blog. Não seu como lhe testemunhar a minha gratidão.
Para os leitores não terem muito trabalho na procura desse post vou tentar deixar aqui um link. Tiros para assustar.
Beijos de muita gratidão
João
Querida Gisele Claudya,
A sorte por vezes é muito ingrata. Uma amiga apaixonada por Portugal, mais do que muitos portugueses foi traída pos esta gralha. Mas, para que ninguém fique com dúvidas, a Gisele queria escrever NÃO antes da palavra cheguem.
E depois desta emenda, agradeço a atenção de uma brasileira, portuguesa do coração, deste voto para o nosso País.
Obrigado
Beijos
João
O Sr. primeiro-ministro, disse que foram tomadas medidas, foi enfrentada a onda de violência, o que era de maior interesse do que as palavras.
Mas que medidas? Como o que deve interessar são os resultados, tal como a árvore se avalia pelos frutos, não temos razão para satisfação.
Hoje, o jornal gratuito GLOBAL Notícias traz na página oito título «Grande Lisboa, cinco assaltos em madrugada muito agitada». Refere que «Cinco assaltos à mão armada, em que foram roubadas duas viaturas de grande cilindrada, dois postos de combustível e um café».
É este o clima de segurança que nos é garantido. Para quê palavras? Concordo com o Sr. primeiro-ministro, os factos dispensam palavras e são mais expressivos do que a melhor propaganda.
A. João Soares
Olá,
Meus caros, vivo num destes dormitórios gigantes na àrea periférica de Lisboa, e tenho vindo a notar que cada vez mais os criminosos se vão apercebendo que nada se faz e se alguma coisa for feita, nao há que temer pois não vai haver nenhuma punição. Há uns tempos atrás, isto por aqui até andava relativamente limpinho, entretanto voltou a extremos, tendo havido até casos de violação, agressão(espancamento) a idosos e mulheres por não colaborarem com os criminosos, e até roubos de lojas e etc. E é também engraçado como tantas coisas aqui acontecem e ninguém sabe de nada e não entra nas estatisticas. O que acontece é que apesar disso não se viu mais patrulhamento por aqui, só durante o dia, em espaços em que nenhum criminoso seria capaz de fazer coisa nenhuma. Mas nos sitios mais "escondidos", zonas mais perigosas, e especialmente à noite!! Nada se vê e nada se faz... E quais as soluções que nós, enquanto cidadãos, temos? A revolta? Votar noutro partido?(pfff...)
Caro Gonçalo,
Para o futuro do País e dos nossos descendentes, qualquer reacção é preferível a ficar parado sem fazer nada.
Os políticos só actuam sob pressão, de contrário, primam pela omissão. Criar grupos de cidadãos bons interessados numa causa favorável à segurança e ao bem estar da população pode ser um primeiro passo para apresentar reclamações com várias assinaturas às autoridades locais, concelhias e até ao MAI. Se não obtiverem respostas, levam o papel aos jornais e às TVs em que sejam abordados assuntos de interesse para o povo.
Nada pior do que ficar calado.
Cumprimentos
João
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