O notário reformado João Mateus reagiu à maneira como jornalistas do DN trataram o caso do assalto ao banco BES e sequestro de trabalhadores. Amigo de há muitas décadas e com quem não me encontrava há muito, esteve presente num convívio para que fui convidado e, sabendo da minha condição de blogger, falou-me da sua discordância em relação à forma como o DN tratou o caso e de uma carta que escreveu ao director que não foi publicada. Sei por experiência que os jornais nem sempre publicam as cartas recebidas dos seus leitores, mas estes ao verem preteridas as suas e considerando que estas abordam temas mais interessantes do que outras publicadas, nem sempre se conformam. Neste caso, João Mateus mostrou a sua indignação, de forma muito correcta, com duas novas cartas que aqui transcrevo.
Ass: Uma pergunta a João Miranda
Data: Sat, 16 Aug 2008 16:59:26
Lendo a crítica constante do seu artigo no 'D.N.' de 16 deste mês, gostaria de lhe fazer uma pergunta simples. Que desejava que a autoridade fizesse no assalto ao BES de Campolide? Que pedisse aos dois 'presumidos inocentes' uma trégua no sequestro dos dois 'empatas' dos bancários e lhes perguntasse como se chamavam para, via NET, requisitar os seus certificados de registo criminal e ver se tinham cadastro? E que os emissários fossem agentes da polícia sem treino de tiro?
Mas quem não saberia, dos milhões de Portugueses que olhavam a TV, que eles eram primários sim, mas primários como seres humanos?
Que pensaria se fossem familiares seus os reféns? E, já agora,por que não se prestou para, com a jornalista Ana Sá Lopes, que o aplaude, substituírem aqueles, esclarecendo que não queriam que se disparasse sobre os inocentes 'presumidos', mas sim que lhes pusessem à ordem um helicóptero para fugirem convosco a respaldá-los...?
Se não era original a oferta para substituir reféns, era, ao menos, uma razão válida para me obrigar a ir logo comprar um chapéu só para me descobrir respeitosamente perante a vossa memória.
Cordialmente
João Mateus—Viseu
Segunda carta:
Ass: Carta 'off record'
Date: Tue, 19 Aug 2008 14:43:23
Velho leitor de algumas dezenas de anos de um jornal que admiro pela abertura às diversas correntes de opinião, e autor há dias de uma carta denominada 'uma pergunta a João Miranda', que não espero já ver publicada, mas que terá cumprido a missão principal de manifestar a desilusão com uma opinião que reputo de injusta, não posso hoje deixar de, com uma maior liberdade de expansão, manifestar o particular regozijo com o artigo que li, de João Miguel Tavares, revelador de uma grande capacidade de análise e com que só não posso concordar num pormenor.
Não creio que o jornalista deva considerar de direita a sua posição de regozijo pela salvação dos sequestrados.
Católico e monárquico convictamente de esquerda, não considero que alguém, que pacificamente trabalha para o sustento próprio e dos seus, deva estar sujeito a ver alegremente apontar à cabeça ou ao pescoço uma arma carregada por outro alguém que escolheu o caminho do crime enquanto ele optou pelo do trabalho para a satisfação dos seus eventualmente legítimos anseios.
Dezassete anos e meio de magistratura, seguidos de vinte e seis e meio de notariado, um total de 44 anos a procurar compor conflitos, primeiro em situações em que não se procurou a solução por acordo, e depois na situação oposta, o longo contacto com delinquentes, com vítimas, com acusados inocentes, com pessoas que procuram compor amigavelmente os seus conflitos de interesses, não posso deixar de gritar que nem só as minorias têm direitos. Lamento as vidas perdidas, a do sequestrador abatido, a do jovem ciganito conduzido ao mundo do crime pelos seus e vítima do tiro de um guarda não devidamente preparado, a do negro assassinado em sua casa por bando rival, e quantas outras que vão acontecendo.
É difícil o papel da autoridade, mas a legítima defesa própria e alheia, proporcional a perigo criado, é um direito do cidadão e um dever da autoridade.
E não se pode esquecer o problema do copo meio cheio ou meio vazio. Se na acção dos 'snipers' se vê uma morte que podia (poderia?) não ter havido, também se pode ver, pelo contrário, a salvação de dois trabalhadores e o profissionalismo dos polícias que ainda permitiu evitar a morte de um daqueles que optara, sabe-se lá porquê, pela marginalidade.
Na vida, todos temos que fazer opções quantas vezes cruciantes.
E termino com uma última questão:
Alguém se lembrou já de perguntar qual será o estado psicológico do 'sniper' cuja obrigação era agir num segundo e que agiu?
Atenciosamente
João Mateus-- Viseu
Terceira carta:
Ass: Criminalidade
Date: Sun, 31 Aug 2008 17:27:18
Corria o ano de 1941 e, perante vaga legiferante que atacara o Governo, erguera-se a voz autorizada do Mestre de Direito Barbosa de Magalhães (filho) acusando aquele de sofrer de diarreia legislativa. Respondeu o Poder, como o sistema impunha, calando o ousado com uma aposentação compulsiva.
Vem esta evocação a propósito do artigo do Dr. António Cluny (D.N. de Domingo), que se aplaude, e que reconduz creio, ao que traduzo livremente por estado de espírito emocional sob que terão sido produzidos os actuais Código Penal e de Processo Penal e Lei de Política Criminal, derivado de abusos no decretar de prisão preventiva e que a prolongada detenção de um político exacerbara.
Reagiu-se a quente e, um ano depois, são patentes as consequências.
É um facto, mas alguma coisa se deve aprender com o passado: a uma tolice não se deve responder com outra que alguns parece exigirem.
São demasiado importantes aqueles Códigos, e mesmo aquela Lei, para servirem de campo a jogadas de batalha naval. Há que parar para reflectir, não continuando a agir a quente. O velho remédio para as diarreias (um dia de jejum só ingerindo líquidos) parece-me recomendável. Suster as consequências mais graves da lei, como sugeriu o Ministro Doutor Rui Pereira, com a iminente legislação sobre as armas, e outras que se possam impor, e acalmar antes de alterar os Códigos parece-me essencial.
E, já agora, recordando, da mesma era de 40, o filme 'Casablanca', e a ordem final do comandante da polícia para se prenderem os suspeitos do costume, alheios à morte que houvera, esperemos que a reacção em curso das polícias, que se apoia, não resulte, da mesma forma, na prisão apenas dos suspeitos usuais, prostitutas imigrantes, aceleras alcoolizados, condutores não encartados ou passadores de droga, enquanto ao lado, à mesma hora, se assassina um jovem de 22 anos em sua própria casa.
João Mateus—Viseu
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