segunda-feira, 15 de junho de 2009

Verdade e transparência é imprescindível

O silêncio dos culpados
JN. 090615. 00h30m, Por Mário Crespo

O estridente protesto de Paulo Rangel por causa da roubalheira no BPN foi idêntico aos sonoros ultrajes de Sócrates por causa do Freeport.

Além de serem questões criminais, o Freeport e o BPN são temas políticos. Exigem dos políticos participação na denúncia e na condenação. Porque foram abusos de valores públicos. Porque interpelam violações da ética republicana. Por isso não toleram os pactos de silêncio. A abordagem pública descomplexada e livre tem que ser feita em debate político nos locais onde a política se debate.

No Freeport e no BPN há áreas que nada têm a ver com segredos de justiça e onde a Presunção de Inocência não pode ser usada como uma espécie de asilo onde os poderosos se resguardam do escrutínio público. É impossível aceitar a relutância que todos os partidos têm manifestado em abordar os dois grandes casos de corrupção que envolvem as que (ainda) são as maiores forças políticas do País. Das vezes que o caso Freeport surgiu no Parlamento, logo Sócrates vociferou ultrajado que era insultuoso abordar a questão e, um a um, os partidos da oposição recolheram-se em embaraçados silêncios pelo atrevimento de terem abordado tão incómodo tema para o Primeiro Ministro. Na campanha das Europeias o estridente protesto de Paulo Rangel por causa da "roubalheira" no BPN foi idêntico aos sonoros ultrajes de Sócrates no Freeport, denotando que o bloco central continua a viver de pactos informais onde, por ética perversa, a regra é não falar dos crimes uns dos outros.

Por força da maioria socialista, o Freeport não vai ter, nesta legislatura, direito sequer a uma comissão de inquérito sobre, por exemplo, boas práticas dos governos de gestão em despachos de última hora. Não que uma comissão de inquérito seja substituto adequado ao contraditório vigoroso e plural que só o Plenário permite. É uma espécie de do-mal-o-menos. Quando muito, poderá ter uma função complementar no apuramento de factos se o problema já estiver suficientemente denunciado em termos políticos, o que não é o caso nem do Freeport nem do BPN.

Aqui a Presunção de Inocência que os prevaricadores reclamam tem funcionado não como garantia de direitos, mas como abuso de privilégios, resguardando transgressores e dando-lhes tempo para continuar em actividade enquanto prejudicam o apuramento de verdades frequentemente indemonstráveis, como o atestam os inúmeros arquivamentos insólitos e os prazos convenientemente prescritos. É devido à ausência de debate franco, duro e leal sobre estes casos políticos que aos media foi deixado o trabalho "sujo" de esgravatar pormenores, tentando compor uma imagem do que se passa, milhão a milhão, num mundo de falsidades e aparências onde é normal comprar casas a offshores e ter rendimentos com juros nas centenas que nem a Dona Branca prometia. Nesta busca, os media têm operado num ambiente tóxico de ameaças de processos e condenações da Entidade Reguladora da Comunicação Social e do Sindicato dos Jornalistas, que já chegaram ao pormenor sinistro de produzir análise crítica da semiótica da gestualidade dos jornalistas que dão as notícias mais incómodas. Enquanto isto, o mundo da política obscura sobrevive em convenientes silêncios criando inocências a prazo em que se perpetuam práticas de ilicitude. Ficam intactas as "roubalheiras" que, eu confio, sejam bem debatidas, sem medos, nas próximas eleições e em próximos parlamentos.

NOTA: E assim se compreende que o combate à corrupção e ao enriquecimento ilícito, há anos proposto por João Cravinho, tenha ficado em banho-maria, porque como diz o Mário Crespo «o mundo da política obscura sobrevive em convenientes silêncios», «o bloco central continua a viver de pactos informais», «a Presunção de Inocência» significa «abuso de privilégios» e é «uma espécie de asilo onde os poderosos se resguardam do escrutínio público». Estas palavras de síntese são demasiado intoxicantes para poderem manter-se verdadeiras, devendo as suas causas ser atacadas pela raiz com séria «denúncia e condenação».

5 comentários:

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Amigo João,

Ontem passei por aqui a correr... a verdade é que só li este texto há minutos... mas o artigo do Mário Crespo não podia ser mais esclarecedor... "«o mundo da política obscura sobrevive em convenientes silêncios», «o bloco central continua a viver de pactos informais», «a Presunção de Inocência» significa «abuso de privilégios» e é «uma espécie de asilo onde os poderosos se resguardam do escrutínio público». Estas palavras de síntese são demasiado intoxicantes para poderem manter-se verdadeiras, devendo as suas causas ser atacadas pela raiz com séria «denúncia e condenação»."

Pessoalmente, eu creio que já toda a gente sabe o que se passa neste país, falta apenas a coragem para se tomarem medidas.
Até os menos elucidados em questões de política, sabem que estão a ser roubados e perante uma corja de gente sem escrúpulos onde reina a impunidade. Eles protegem-se, encobrem-se e continuam a dar a cara como se de santos se tratassem e a proclamarem-se perseguidos...SIMPLESMENTE VERGONHOSO, INDECOROSO, NOJENTO!!!

Já sabe que sou muito atrevida e nada temerosa, por isso atrevo-me a pedir que rolem cabeças, que se mate (literalmente) o mal pela raiz.

Beijinhos
Fernanda Ferreira

A. João Soares disse...

Querida Ná,
Compreendo os seus sentimentos. Porém, trata-se de pessoas, da sociedade, o que é diferente de coisas ou vegetais. E mesmo estes só devem ser colhidos depois de atingido o melhor grau de maturação.
O povo, os mais desprotegidos, devam acordar, começar a pensar na própria vida como cidadãos, acordar e depois organizarem-se para agir da forma que lhes parecer mais adequada.
Em democracia, a vontade de cada um manifestada através do voto tem a mesma força que a do cidadão mais rico e mais politizado. Deve saber usar esa força segundo o que pensa melhor para si e para Portugal, o seu Portugal, e não aquele que os políticos lhe pintam. Deve aprender a crivar as palavras que lhe chegam, por que poucas são merecedoras de crédito.
Não é fácil compreender, mas deve fazer-se um esforço para isso, sem ficar dependente dos políticos, sejam eles de que cor forem. Viu-se na votação da lei do dinheiro vivo que se puseram todos de acordo, porque era um assunto importante para os partidos e os políticos e mau para Portugal. Felizmente, o PR esteve atento e vetou.
E quanto ao voto branco, contou com mais do que o BE e a CDU juntos !!!

Beijos
João

ANTONIO DELGADO disse...

Caro A.joão Soares,
Subscrevo plenamente este artigp do MC. Um análise muito correcta e clara que não necessita de dicionários nem de augures para interpretações.
PS. Não sabia desta revelação feita pelo MC que o sindicato do jornalistas produziu …cito: “Nesta busca, os media têm operado num ambiente tóxico de ameaças de processos e condenações da Entidade Reguladora da Comunicação Social e do Sindicato dos Jornalistas, que já chegaram ao PORMENOR SINISTRO DE PRODUZIR ANÁLISE CRITICA DA SEMIOTICA DA GESTUALIDADE DOS JORNALISTAS QUE DÃO NOTICIAS MAIS INCÓMODAS”. Afinal em que país vivemos? Será que os resíduos de outros tempos estão em cada esquina e metamorfoseiam-se como os novos vírus? Será que Portugal é mesmo órfão da LIBERDADE ? Ideias e doutrina não existem nos partidos e estes contentam-se apenas com “slogans” estribilhos ? Não haverá nas filas dos partidos, ou fora deles pensadores dignos desse nome? Serão estas perseguições sintomas do “gran hermano” ou entramos definitivamente na novela, 1984 de George Orwell, para bem do que MC critica e óbviamente péssimo para a nossa vida comum?

A. João Soares disse...

Caro António Delgado,
O panorama não é nada animador. Bem aventurados os pobres de espírito porque não olham para isto e não pensam!!!
É impressionante a ideia que ressalta dos textos publicados nos posts a seguir linkados. Nenhum deles é violento ou exagerado, mas o conjunto evidencia uma situação pouco democrática e demasiado preocupante
Eis os links, prontos a receber um clic:
- Observar e Observatórios
- Obras Públicas sem controlo ???
- Fantasia, ilusão e voto em branco
As sete maravilhas
- Discurso de António Barreto no Dia 10 de Junho

Um abraço
João

A. João Soares disse...

Comentário recebido por e-mail de F.V.

Lapidar ! Tanto o artigo como a Nota.
É a escola do "eu não te denuncio a ti para tu não me denunciares a mim". Nalguns países isto não funciona porque há sempre outros que estão fora do acordo tácito e levantam as questões. Cá em Portugal quase não há "outros". O poder sempre esteve muitíssimo concentrado numa minoria onde todos se conhecem desde há muitos e muitos anos.
Se um jornalista noticiar em Portugal casos como o Watergate, em vez de ganhar o prémio Pulitzer como nos USA, o mais natural é que acabe no desemprego, ou "reestruturado" numa prateleira.

É evidente para todo o País que em Portugal os poderosos nunca são castigados. Nunca. Só se perderem o poder. É assim há séculos. O povo que não lê jornais, vai ao futebol e vê as telenovelas, já há muito que percebeu que "as coisas são como são".

E não é só no Freeport e BPN, é também no Apito Dourado (lembram-se ?), no caso Moderna (onde isso vai !), no caso UGT, na compra dos submarinos, no caso do abate dos (sobreiros ? já não me lembro qual era a árvore), etc, etc, etc, etc, etc, e há muitos mais.

Todos eles começaram nos jornais, vegetaram anos no segredo de justiça (que tem a vantagem de limitar a sua divulgação) e terminaram na absolvição ou prescrição.

Se a gente os ouvir falar, chega-se à conclusão que em Portugal, em processos envolvendo poderosos o único crime é a violação do segredo de justiça. Não há mais nenhum.

Condenações são só para o povo, e mesmo este se for esperto pode negociar os seus silêncios com os poderosos, de tal maneira que mesmo o "mexilhão" acaba por levar uma pena meramente simbólica.