Uma transcrição de artigo do DN, de autor credenciado, que, em linguagem acessível para a generalidade dos leitores, explica as causas da actual crise financeira global e deixa pistas para evitar a sua repetição.
Economia internacional: Uma lição mal estudada
DN. 090604. por António Lopes, Economista, Professor de Matemática, E.U.A.
A crise económica e financeira que recentemente deflagrou no mundo inteiro, particularmente em países como os Estados Unidos da América, a Rússia e o Japão e na União Europeia, não é fruto do acaso ou do infortúnio, e vem finalmente ao encontro daquilo que, mais tarde ou mais cedo, já se esperava.
Tanto eu, como alguns dos mais ilustres economistas, alertámos para a real possibilidade de, a curto prazo, o mundo se vir a confrontar com uma hecatombe financeira de proporções ainda desconhecidas. Que o digam os círculos académicos, familiares e de amizade que, ao longo destes largos anos, têm sido testemunhas de tão acertadas e atempadas previsões. Quais as verdadeiras raízes desta crise e porque razão os políticos, líderes das principais organizações mundiais, dirigentes empresariais e financeiros não aprenderam com as lições de um passado ainda não muito distante?
Sempre entendi que as políticas económicas, fiscais e monetárias insustentáveis e levianas, empreendidas, entre outros, pelos países acima referidos iriam conduzir inevitavelmente a uma recessão cujas causas são equiparáveis às que originaram a Grande Depressão nos Estados Unidos e no resto do mundo nos anos trinta.
Se nos dermos ao cuidado de consultar as publicações da época, facilmente concluímos que os vírus que contaminavam as economias dos anos vinte são essencialmente os mesmos que a partir dos anos oitenta passaram a infestar as economias dos países mais influentes do mundo. Aqui estão algumas das causas que minaram as economias desse nefasto período:
I. Ausência de regulação dos mercados;
II. Gritantes assimetrias na distribuição da riqueza;
III. Insuportáveis níveis de endividamento dos sectores público e privado, incluindo as famílias;
IV. Políticas salariais assentes em baixos salários para a maior parte dos empregados por conta de outrem; e
V. Frenética especulação nos mercados bolsistas e imobiliário.
Mais uma vez a história se repete sem que os principais responsáveis pela condução dos destinos das principais instâncias supranacionais e nações do mundo fizessem alguma coisa para a evitar. A acrescentar às causas de então, tão actuais e semelhantes às do presente, existem outras que passo a referir:
1. Manifesta incompetência política e governativa dos principais líderes do mundo civilizado a partir da década de oitenta;
2. Ameaças à estabilidade económica, financeira e social do mundo moderno decorrentes da globalização;
3. Políticas fiscais irresponsáveis e levianas;
4. Políticas monetárias laxistas e negligentes;
5. Idolatração do materialismo, da fama e do dinheiro em prejuízo do ideal, da justiça e dos valores.
Decorrente desta conjuntura tão complexa, perniciosa e explosiva como a que acabei de descrever, facilmente se percebem os reais motivos porque o mundo da economia e das finanças entrou em iminente histeria, colapso e incerteza. Os dogmas económicos do neoliberalismo, assentes na mão invisível e no laisser faire, formulados pelo escocês Adam Smith (1723-1790) e adoptados a rigor, mais tarde, pelo prémio Nobel Milton Friedman (1912-2006) e outros discípulos, sucumbiram finalmente perante a penosa e dura realidade. Esta constatação não devia causar espanto a ninguém, já que outras teorias económicas e sociais tão radicais, como o feudalismo e o comunismo, conheceram o mesmo trágico e inglório fim.
Contudo, atribuir ao sector privado todos os males de que padece o mundo actual, da economia e das finanças, como muito boa gente pretende, não é correcto, justo e factual. Os governos de algumas das principais potências económicas do mundo, paralisados pelo abuso, corrupção e desperdício, foram incapazes de adoptar políticas fiscais e monetárias destinadas a promover o crescimento, a estabilidade do emprego e dos preços e a justiça social.
Como é possível, em tempos de vacas gordas, as contas públicas apresentarem défices crónicos sucessivos tão negativos?
Porquê os governos não aproveitam as grandes receitas, que deviam ser acumuladas em reservas, fundos de emergência, durante os ciclos económicos favoráveis, para depois as poderem disponibilizar em alturas conturbadas e difíceis como a que estamos a viver?
As respostas a estas interrogações evitavam muitas das turbulências económicas, financeiras e sociais do passado e do presente.
Afinal, o antigo Egipto e a Mesopotâmia, entre outros, e presentemente a China conseguiram acumular, os primeiros enormes reservas de cereais em tempos de abundância para as disponibilizarem em tempos de manifesta escassez, e o último sucessivas receitas fiscais excedentárias que lhe permitem enfrentar a actual crise com massivos meios financeiros que outros países não têm, a não ser que recorram ao agravamento acelerado das suas já incomportáveis dívidas públicas.
A presente crise ensina-nos a repensar os modelos dogmáticos preconcebidos e a adaptá-los às novas circunstâncias e realidades do mundo actual. O neoliberalismo económico ou economia pura de mercado, baseado no lucro fácil e a qualquer preço, na competição predominantemente especulativa dos mercados imobiliário e de capitais, na anarquia e indiferença dos mercados e na ausência de princípios legais, éticos e de justiça está a ser definitivamente enterrado, como aconteceu a outras teorias económicas do passado, de tão má memória. A resposta científica e pragmática à actual crise do modelo económico e social passam por aproveitar as contribuições positivas, as sinergias e a vitalidade do capitalismo e do socialismo. Estes sistemas económicos não são incompatíveis, bem pelo contrário, podem ser fundidos numa economia social de mercado, compósita e mista, onde a inovação, o lucro justo e fundamentado, a ética e a solidariedade social possam coexistir em plena harmonia, reciprocidade e complementaridade.
Aguardo, com esperança, que os ensinamentos de um dos maiores economistas de todos os tempos, John Maynard Keynes (1883-1946), incorporados no seu mais importante trabalho publicado em 1936, Teoria Geral do Emprego, Juros e Dinheiro, assim como, das políticas macroeconómicas superiormente definidas pelo irreverente John Galbraith (1908-2006) contribuam para a construção dum novo modelo económico e duma nova ordem económica internacional. Convém adoptar políticas tributárias bem mais progressivas a fim de penalizar, controlar e evitar as remunerações sumptuosas e exorbitantes como as de muitos gestores de cargos públicos e privados e de alguns dos protagonistas do mundo do espectáculo por forma a atenuar as gritantes assimetrias sociais e, desta forma, contribuir para o aumento do poder de compra das classes mais desfavorecidas e estimular o crescimento económico. Como, com enorme sabedoria, pregava sua Santidade o Papa Paulo VI, sem justiça nunca haverá paz e estabilidade no mundo.
quinta-feira, 4 de junho de 2009
Crise financeira. Lições a tirar
Publicada por A. João Soares à(s) 10:19
Etiquetas: crise, estabilidade, gestão, justiça social
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1 comentário:
Um dos artigo mais interessantes escritos sobre a crise financeira.
Este equilíbrio ideológico que se fala já foi várias vezes enunciado, não é preciso procurar muito longe, pois é algo que o pai da Gestão - Peter Drucker - sempre apregoou.
Para ele a gestão devia ser ponderada, equilibrada e sustentável. A organização devia ser uma mais valia na sociedade, geradora de riqueza para todos os envolvidos na mesma, desde funcionários, a cliente e fornecedores. E é por isto mesmo que o Prof. Henry Mintzberb insiste em dizer que esta não é uma crise económica, nem financeira, mas sim uma crise de gestão. Se após esta crise as empresas continuarem com a mesmas práticas, tudo continuará igual...
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