segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Jornalista fala de jornalistas

Transcrição de artigo de Orlando Castro na revista «Vida Lusa» nº 94

20% dos portugueses ainda acreditam em nós - como são puros e simples estes portugueses

Em Portugal, segundo um estudo da consultora Gallup, os professores merecem a confiança de 42% dos inquiridos, muito acima dos 24% que acreditam nos líderes militares e na polícia, dos 20% que confiam nos jornalistas e dos 18% que optam pelos líderes religiosos. Os políticos são os que menos têm a confiança dos portugueses, já que contam com o apoio de apenas 7%.

Como jornalista espanta-me que 20% dos portugueses acreditem, ainda acreditem, em nós, tantos são os maus exemplos que diariamente por aí aparecem e que revelam (mas, ao que parece, os portugueses desconhecem essa realidade) a nossa total subversão da ética, da deontologia, da moral e da competência.

Ainda não há muito tempo, há no activo quem disso se lembre, havia a censura. Hoje não há censura, há autocensura. Antes havia a censura, hoje há os critérios editoriais. Antes havia censura, hoje há audiências. Antes havia censura, hoje há lucros. Antes havia Jornalismo, hoje há comércio jornalístico.

Ainda não há muito tempo, há no activo quem disso se lembre, a única tarefa humilhante no Jornalismo era a que se realizava com mentira, deslealdade, ódio pessoal, ambição mesquinha, inveja e incompetência. Hoje nada é humilhante desde que dê lucro.

Ainda não há muito tempo, há no activo quem disso se lembre, um Jornalista nunca (nunca) vendia a sua assinatura para textos alheios, tantas vezes paridos em latrinas demasiado aviltantes. Hoje é tudo uma questão de preço.

Ainda não há muito tempo, há no activo quem disso se lembre, se o Jornalista não procurava saber o que se passava no cerne dos problemas era, com certeza, um imbecil. Antes, se o Jornalista conseguia saber o que se passava mas, eventualmente, se calava, era um criminoso. Hoje há cada vez mais imbecis e criminosos.

Ainda não há muito tempo, há no activo quem disso se lembre, os Jornalistas erravam muitas vezes. Hoje não erram. E não erram porque há cada vez menos Jornalistas.

Ainda não há muito tempo, há no activo quem disso se lembre, os Jornalistas sabiam que estavam todos os dias em cima de um tapete rolante que andava para trás. Se queriam ganhar terreno tinham de correr. Não bastava caminhar. Hoje os operários da imprensa ou se limitam a andar nesse tapete e quando derem fé não saíram do mesmo sítio ou, em muitos casos estimulados pelos chefes da linha de enchimento, resolvem andar no sentido do tapete…

Mas como os portugueses são gente simples, ainda há 20% que acreditam em nós. Ou dizem que acreditam.

Orlando CASTRO

2 comentários:

José Lopes disse...

Ainda há jornalistas que têm a noção exacta da situação que se vive naquele meio. O retrato é bastante fiel e reflete um pouco a influência cada vez maior do poder económico sobre todos os outros poderes, da imprensa, da política e do trabalho. Este notório desequilíbrio só pode resultar no aumento da conflitualidade social, e os sinais começam a surgir por todo o lado.
Cumps

A. João Soares disse...

Guardião,
E isto torna mais evidente que o dinheiro, o vil metal, veio derrubar valores e princípios éticos e morais que eram essenciais no relacionamento das pessoas. Esta transformação social foi demasiado rápida e provavelmente não tratá consequências muito positivas.
Temo pelas gerações que têm menos de 10 anos, porque vão viver e crescer numa sociedade viver desumanizada.
Cumprimentos