domingo, 3 de novembro de 2013

PORTAS E O GUIÃO «IRREVOGÁVEL»


Eis uma apreciação cuidada e com pormenor, do «guião» que vinha sendo prometido, desde há mais de dois anos, para a REFORMA DO ESTADO, a qual, por este andar, será «irrevogável» com o significado dado a este adjectivo por Paulo Portas há cerca de 4 meses: Vejamos um artigo e links para outros.

A redacção do Paulo
DN. 131103. por PEDRO MARQUES LOPES

Portas terá todos os defeitos do mundo, mas é um homem inteligente. Gosta de fazer os outros de parvos, mas não é parvo. Ele sabe que aquela espécie de redacção de aluno de terceira classe atrasada intitulada "Um Estado melhor" é um documento duma indigência confrangedora.

Portas pode achar toda a gente estúpida, mas não é estúpido. Ele sabe que nós não deixaríamos de sorrir quando ouvíssemos o slogan "Nem estatização, nem Estado mínimo" ou o "Um Estado forte não é um Estado pesado". É que nem nos sound bites Portas se esforçou.

Portas pode achar tudo e mais alguma coisa sobre nós e sobre ele, mas sabe que ninguém levaria a sério a repetição do que têm sido as intenções de todos os governos e de todos os documentos do género: "reduções da burocracia", "renovações da administração pública", "avaliações do Estado, "inspecções com prestígio", "mais controle nas entrevistas para emprego", "descentralizar".

Portas pode achar-nos um bando de grandessíssimos idiotas, mas até ele sabe que alguém havia de reparar no disparate das escolas independentes ou que pelo menos dois ou três de nós iríamos perguntar que raio será aquilo da reforma da arquitectura do sistema judicial, dito assim de chofre e sem qualquer explicação. E até estou capaz de pensar que ele perceberia que alguém iria perguntar por esses pormenores chamados números, esses detalhes apelidados de enquadramentos, esses preciosismos designados como comparações com outros países, essas insignificâncias conhecidas por metas ou objectivos.

Vá lá dr. Portas, não quer que acreditemos que aquele arrazoado de banalidades, aquele conjunto de truísmos, aquele corte e colagem de bocados de programas de partidos, de conclusões de think tanks e, pasme-se, de artigos de opinião, seja sequer considerado um guião ? Nem sequer um programa dum partido de vão de escada, quanto mais um guião para a reforma do Estado.

Um projecto de reforma de Estado não é propriamente um papelito mal amanhado, com letras muito grandes para parecer que tem muitas páginas, sem o mínimo de coerência, sem o mínimo de enquadramento, sem o mínimo de análise, sem o mínimo de reflexão sobre as funções do Estado, sem o mínimo pensamento de qual deve ser o papel do Estado na comunidade.

Uma reforma do Estado é um projecto para marcar um político, para ter até o seu nome, um projecto que muda a comunidade. Quase um documento fundador.

Claro que Portas não quer o seu nome naquela coisa, nem próximo.

Portas, consciente ou inconscientemente, mostrou de forma clara algo que já é evidente para todos: um grupo recreativo-revolucionário, liderado por Passos Coelho, formou um Governo sem ter a mais pálida ideia para o País, e que se agarrou a um plano feito às três pancadas, com um desconhecimento total da realidade portuguesa, porque era o único que existia. Pior, dois anos e meio volvidos, continua a não saber minimamente o que fazer e limita-se a expelir algumas banalidades, insistir em intenções mil vezes repetidas e a seguir cegamente as ordens suicidas dos incompetentes credores.

Paulo Portas foi empurrado para este número de circo, em que fez o papel do palhaço a que tudo acontece. Sabia que enquanto o não fizesse, o primeiro-ministro, o PSD, a oposição e os media não o largariam. Ninguém ligaria a nada que fizesse enquanto este obstáculo existisse. Mas foi mau demais. Tão mau, que não será completamente despropositado pensar que o vice-primeiro--ministro não se importou de cair no ridículo para humilhar também Passos Coelho. Já foram tantas as rasteiras, as facadas, as humilhações mútuas, que seria apenas mais um episódio nesta triste farsa que ambos protagonizam.

Portas só pode estar a contar com o facto de a memória não ser o nosso forte. Agora mete-se o Orçamento, a troika, o Tribunal Constitucional e ninguém se lembra mais disto. Daqui a uma semana, foi como se o papelito nunca tivesse existido. E daqui a duas nem Portas se lembrará do título. Foi só mais uma irrevogabilidade, mais uma linha vermelha. Enfim, mais uma mentira, mais um acto de dissimulação.

O problema mais grave é que assim se esvazia também a palavra reforma. Daqui em diante, quando alguém falar de reforma do Estado, uma parte dos portugueses rirá às gargalhadas e a outra encolherá os ombros. E assim se adia indefinidamente algo de fundamental para o futuro da nossa comunidade. E assim se brinca com os portugueses.

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