Os últimos dois dias, por via das notícias dos jornais e televisões, foram vividos em constante perplexidade. A actividade da ministra da saúde tinha-me deixado indiferente, até agora, e não fora o ar sorridente com que enfrenta as câmaras, feito da convicção, que tem, coitada, de que os jornalistas fazem perguntas disparatadas às quais só um sorriso divertido e trocista responde, não gastaria o meu tempo a ouvi-la e, muito menos, a vê-la.
Só que a discussão do orçamento tem-me colocado mais vezes à frente das televisões e quis o acaso que tivesse tropeçado - passe a imagem - na inefável senhora e no seu ainda mais inefável secretário de Estado. E então, pasmei!
O quadro era, na comissão parlamentar respectiva, a discussão na especialidade daquele documento (cuja entrega no Parlamento se rodeou de episódios ridículos!) e a curiosidade dos deputados ia para o conhecimento, que se achava determinante, das dívidas do Serviço Nacional de Saúde... Coisa simples, já que os senhores deputados também gostam de saber coisas!
Pois bem, a ministra, com o ar paternalista, bem humorado (à vista, pelo menos!), que usa com os jornalistas (eu se fosse deputado era capaz de afinar!) e que, se calhar, lhe ficou do exercício da sua especialidade de pediatra, disse: “Não sei." E disse ainda: "O sr. secretário de Estado poderá responder melhor do que eu, porque tem estado a acompanhar de perto."
Mereceu toda a minha compreensão a senhora ministra! Isto de fazer contas é tarefa subalterna e a sua especialidade é o estetoscópio!
E o secretário de Estado, que acompanha o assunto de perto (palavra de ministra!), adiantou, agora com ar sério (sorri a ministra e chega!) que a dívida dos hospitais é de mil milhões e quanto ao restante “... bom, é só fazer as contas", parafraseando uma célebre frase, como frisou! (acho que até os srs deputados perceberam a quem ele ... parafraseava!)
Note-se outra vez: discutia-se o orçamento do Estado! Pois bem, de uma das suas rubricas importantes, as dívidas do SNS, a ministra nada sabia – isso era com o secretário de Estado! -, que mandou os deputados fazerem as contas! E estes não gostam que lhe mandem fazer coisas!
E ficaram os eleitos na ignorância! E os eleitores? Bem, estes apenas servem para contribuir para o despesismo do Estado e para garantir o lugarzinho do seu eleito! Não chega?
Pois bem! Ainda não tinha recuperado da minha perplexidade, e eis que “tropeço” outra vez com a ministra da saúde, já fora do hemiciclo e rodeada de jornalistas, uns teimosos!
Ainda lá dentro, uma deputada quis ouvir explicações sobre o INEM e Saúde24 e atreveu-se a perguntar-lhe se “dorme descansada”. Não apanhei, por inteiro, as respostas, mas ficou-me, isso sim, a garantia de que as “chamadas não atendidas no INEM estão próximas dos 5% tidos como seguros”.
Os jornalistas insistem, impertinentes!
A ministra debita outra vez, com o tal sorriso, a estatística!
Isto é, 5 desgraçados, em 100, mesmo não atendidos pelo INEM, são tidos “como seguros” e, portanto, se forem “desta p’ra melhor”, apenas são um número estatístico!
Ministra disse!
Ferreira Pinto
NOTA: Recebido do autor, por e-mail. Admiro o estilo queirosiano, a ironia bem domesticada, o estilo gramaticalmente correcto, os verbos a condizer com o resto da frase, evidenciando que pertence a uma geração em que nas escolas se aprendia, além do mais, português. Mas, para lá do estilo literário, há a perspicácia da observação, a tónica colocada no lugar certo. Registo o «sorriso divertido e trocista» e terei presente essa alta qualidade para o momento de votar na «lady Europa» ou «lady mundo». Como os portugueses se devem sentir felizes por terem carinhas bonitas deste género no Governo. Que Deus lhes proteja a beleza!
O regresso de Seguro
Há 55 minutos
2 comentários:
Junto a minha prece à tua, meu Amigo João Soares. Mas e porque Deus é infinitamente bom, porque não Lhe pedir também, para a excelsa senhora, alguma humildade e, mais, tempo e sabedoria para fazer os trabalhos de casa?
Toma lá um abraço do Ferreira Pinto
Meu caro,
A falta de humildade, de sabedoria e de vontade de estudar e analisar os problemas, tendo em vista os interesses nacionais, é uma vulgaridade que abrange todos os governantes, como se vê pelos resultados. As árvores avaliam-se pelos frutos que dão.
Parece que já nem milagres salvarão o rectângulo.
João
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