terça-feira, 25 de novembro de 2008

Carta aberta à ministra da Educação

Senhora Ministra da Educação

Começando pelo cumprir do mais elementar dever de apresentar as minhas desculpas por, sem que Vª. Excia me conheça, e só a conhecendo eu pela T.V., vir usar deste meio para lhe apresentar dois problemas que creio pertinentes, ouso justificar-me com o facto de ser um cidadão votante, já aposentado, sem ser do seu Ministério, pai de docentes, avô de discentes e também casado com uma docente aposentada.

Serei, provavelmente, algo presunçoso ao julgar-me em posição de poder focar os assuntos que irei expor. Creio, porém, que quarenta e quatro anos de serviço público, todos eles (à excepção do período de menos de um ano e pouco do serviço militar) face a face com algum semelhante meu, perante o qual representava o Estado, e sempre na difícil tarefa de, sob alguma forma, procurar compor litígios jurídicos em que com outrem estivesse envolvido, me terão dado alguma experiência da vida que, com a referida presunção, ouso colocar à disposição de Vª. Excia.

Assim, e passando ao que interessa, uma coisa, de todas as vezes que a vi ou ouvi, me impressionou profundamente. Foi ela o ar de cansaço e de quase tristeza que Vª. Excia manifesta e uma muito particular crispação no expor das suas razões, sugerindo uma aparente convicção de que quem à sua frente se encontra pertence à “espécie inimiga”, sempre à espera de a poder rasteirar.

Ora Vª. Excia tem, ninguém duvidará, uma mais que espinhosa missão de argumentar simultaneamente com professores e seus sindicatos, com pais e sua confederação e com alunos e suas associações e, ainda, com órgãos executivos das escolas e se conselho, cada um com seus interesses e suas dúvidas, cada um a desconfiar possivelmente de todos os outros. Não é preciso raciocinar muito para adivinhar um ambiente de “cortar à faca” com o ar carregado de electricidade. E em qualquer reunião, naturalmente, cada um exibindo o rosto mais lúgubre que imaginar se possa. Será uma verdadeira velada fúnebre.

Aqui surge, então, a minha primeira ideia. Será, por certo, necessário um grande esforço para o conseguir, mas um sorriso aberto, descontraído, inculcando a convicção de que todos têm as melhores das intenções, e até pode ser verdade, e de que tudo vai correr às mil maravilhas é desarmante. Creia-me, Senhora Ministra, poucas vezes consegui, na vida, ver as outras partes, face a um sorriso aberto “de orelha a orelha”, aguentarem afiveladas as máscaras que traziam.

Segundo ponto, Senhora Ministra, e mais atrevido, pois não é crível que o ignore quem, na sua vida anterior atingiu os patamares que Vª. Excia atingiu, não o podendo também eu desconhecer: se é facto que a progressão automática numa carreira com responsabilidades é o pior dos males na administração pública, uma classificação do servidor do Estado, que se impõe para efeitos de progressão na dita carreira, pode ser também uma arma letal, e digo-o com toda a consciência. Uma classificação dentro, por exemplo, de uma secretaria, não terá, em princípio, efeitos secundários. Simples juízo sobre produtividade ou perfeição no trabalho, pode envergonhar quem não alcance determinadas bitolas mas tenderá a ficar dentro de portas, A classificação, porém, de um docente, como a de um magistrado, de um médico, de um notário (quando era servidor do Estado) e de outros profissionais que, na sua actividade, só poderão ser credíveis e só poderão ser respeitados se tiverem impoluta a sua reputação, qualquer nódoa nesta corresponderá a uma morte, digo e repito, morte funcional. Quem respeitará um juiz, um médico ou um professor, ou respeitaria um notário, sabendo-o mal classificado? Quem irá ou iria procurar os seus serviços se tiver a faculdade de escolher?

Quererá isto dizer que o seu trabalho não deverá ser classificado? Nem por sombras. Mais que quaisquer outros deverão ser julgados, mas pelos reflexos práticos que a sua classificação terá perante os destinatários dos seus serviços, esta classificação deverá ser programada e executada “com pinças”, tendo toda a filosofia dessa classificação de ser pensada por todos sem excepção, em conjunto, sem ideias feitas e com a maior calma e reflexão.

De resto, e pelo menos desde Copérnico e de Galileu, quem poderá garantir que uma solução é a única?

Tudo querer fazer numa legislatura, e isto já nem será com a Senhora Ministra, só induz a convicção de que o apressado tem consciência plena de que, no momento do apuro de contas, o seu destino será a rua, o que o obriga a andar depressa para tentar um lugarzinho na História.

Mas quem sabe se, numa manhã de sexta-feira, com ou sem nevoeiro, não irá surgir, ainda este mês, qual D. Sebastião, alguma novidade que possa devolver às nossas escolas aquele mínimo de calma que os seus alunos justificam.

E desculpe, uma vez mais, Vª. Excia toda a mais que evidenciada presunção.

deste humilde votante que, até aqui, o foi
João Mateus

NOTA; Caro João Mateus, não tenho palavras para traduzir o prazer da leitura de um texto em estilo tão eloquente e bem estruturado. Mas quero salientar um ponto: embora não seja dito de forma muito clara, está subentendido que todas as negociações e reuniões entre as partes em «conflito» não deixarão, certamente, de ter permanentemente presente os objectivos da acção de todas e de cada uma das entidades abrangidas como agentes da formação das crianças de hoje, cidadãoas de amanhã.
A obsessão estatística dos resultados escolares oculta esses objectivos que devem ser orientados para criar um corpo sólido de cientistas, gestores, técnicos, etc. preparado para garantir o desenvolvimento do futuro País e o bem-estar da população. Nunca será demais chamar a atenção para os reais objectivos do ensino. A propósito da tristeza e crispação, julgo que a educação das crianças deve ser feita com alegria, entusiasmo, e olhos postos na aprendizagem de coisas enriquecedoras propiciadoras de uma vida cheia de sucessos.

5 comentários:

Anónimo disse...

Adorei o artigo e igualmente o teu comentário. Uma vez mais demonstras as tuas qualidades de síntese. O "bom senso" apresentado pelo autor do artigo e pelas tuas palavras contrapôe-se à forma como a Srª Ministra o faz sempre que pretende justificar-se! Julgo que essa forma de actuar demonstra bem que ela própria não se sente segura no que está a dizer! Será assim? Fica a pergunta no ar......

A. João Soares disse...

Caro Luís,
Muito obrigado pela visita e o comentário.

Há cerca de 53 anos, frequentei um curso em que ouvi repetidamente que em funções de preparação da decisão, planeamento, organização, programação e controlo, são necessários generalistas (que sabem pouco de muitas coisas – sabem nada de tudo) que saibam dialogar com os especialistas (que sabem muito de poucas coisas – sabem tudo de nada) dos vários sectores. As notícias que nos chegam mostram que na organização dos gabinetes ministeriais, não há tal sensibilidade de que não resulta os assuntos não serem devidamente estudados e as decisões adequadamente preparadas por forma a não ter de ser alteradas pouco tempo depois, por falta de aplicabilidade.

Depois há a teimosia de adiar os ajustamentos indispensáveis, em bom estilo autoritário, arrogante, enfim, ditatorial. E quanto mais tarde demorar a reparação dos erros mais desprestígio cai sobre o Governo e menos confiança se gera no povo eleitor.

Este tema tem sido muito do meu agrado, desde aquela data atrás referida, e já aqui, em vários posts abordei a metodologia. Por exemplo.

Disse aqui:

Parece que no País não existe mentalidade de gestão que privilegie a preparação das decisões com base em estudos cuidadosos que se antecipem aos acontecimentos, uma espécie de previsão, que se traduza em actos de planeamento, programação e organização, com vista à eficácia dos serviços e ao bom emprego dos recursos que lhe são inerentes, tendo sempre em vista os melhores efeitos nos utentes e beneficiários. Falta a consciencialização da necessidade de conhecimentos de gestão. E isso tem sido notório principalmente nos serviços do ministério da Saúde, mas não apenas aí, pois na Educação, na Justiça, na Economia, na Administração Interna, abundam os casos.

E pormenorizei aqui a referida terminologia:

Em termos resumidos, as normas de planeamento, ou de preparação da decisão passam por
1) definir com clareza e de forma que ninguém tenha dúvidas, o resultado pretendido.
2) Em seguida, por um conhecimento perfeito do ponto de partida, isto é, da situação vigente, com análise de todos os factores com influência no problema que se pretende resolver.
3) Depois, esboçar todas as possíveis formas de resolver o problema para atingir o resultado, a finalidade, o objectivo ou alvo; nestas modalidades não deve se preterida nenhuma, por menos adequada que pareça.
4) A seguir, pega-se nas modalidades, uma por uma e fazem-se reagir com os factores referidos em 2) e verificam-se as vantagens e inconvenientes; é um trabalho de previsão de como as coisas iriam passar-se se essa fosse a modalidade escolhida.
5) Depois desta análise das modalidades, uma por uma, faz-se a comparação entre elas com vista a tornar possível a escolha.
6) O responsável pela equipa, o chefe do serviço, da instituição, o ministro, o primeiro-ministro, conforme o nível em que tudo isto se passa, toma a sua decisão, isto é, escolhe a modalidade a pôr em execução.

Um abraço
João

Anónimo disse...

O tempo é escasso para um comentário longo que este belo texto exige, não só no aspecto formal mas, e sobretudo, no conteúdo. Parabéns ao autor. Mas, gostei também do seu comentário, João. As estatísticas têm de, rapidamente, justificar escudos e euros mal canalizados, legislaturas diz-que-não-disse e alguns lugares efémeros(?)na História. Há, no entanto, algo que nunca espelharão: o verdadeiro desenvolvimento deste país!
Um beijinho
Manuela

A. João Soares disse...

Cara Manuela,
O uso abusivo das estatísticas, com a obsessão do dinheiro, ignorando os objectivos e interesses nacionais, que devem ser orientadores da missão educativa, formativa, do ensino, deturpa tudo.
Uma obsessão distorcida porque se, realmente pensassem seriamente no numerário, deviam começar por terem a competência de constituir uma equipa de assessores, pouco volumosa mas eficiente, competente, dedicada aos interesses conducentes aos verdadeiros objectivos nacionais, evitando gastar dinheiro (recursos nacionais) em volume desproporcionado com o pouco de útil que fazem.
É certo que errar é humano, mas não podem esquecer-se de que cada erro corresponde a prejuízos de toda a ordem, quer no rombo que produzem no erário, quer na quebra da confiança dos cidadãos, quer no tempo que se perde, quer nas repercussões que tudo isso tem no futuro do País.
Os funcionários do ministério da Educação deviam estar verdadeiramente conscientes de que do Ensino depende a preparação de base dos futuros líderes nacionais, não só na política mas, principalmente, na ciência, na técnica, na gestão e na laboração.
Depois, há o aspecto caricato do comportamento antidemocrático do ministério que, em vez de decidir depois de estudar bem a razoabilidade da solução e de a analisar em pormenor com aqueles que a irão pôr em prática com entusiasmo e eficiência, limitam-se a tomar decisões por «inspiração divina», sobre o joelho, sem qualquer análise séria que garanta a sua viabilidade, usando processos próprios de ditaduras, em que a metodologia é «quero, posso e mando».
Não pode ser esquecido que a adesão a uma decisão exige que os executantes sejam esclarecidos e, antes de ela ter sido tomada, tenham podido apresentar dúvidas e discordâncias a fim de serem esclarecidos, de poder sugerir alterações que melhorem a forma de agir, a fim de serem obtidos melhores resultados. Só assim se pode produzir uma determinação razoável e com aplicabilidade prática.
Sem essa participação activa na preparação das decisões o País continuará a andar aos solavancos do pára-arranca, dos avanços e recuos, como se tem visto em vários sectores.
Beijos
João

Anónimo disse...

1 ponto para si pela "visão":)
Para a semana prometo um pequeno artigo (não me falte o tempo para o escrever ou até...a paciência)
Beijinho
Manuela