sexta-feira, 27 de junho de 2008

Justiça. Qual a estratégia?

A Justiça sempre foi considerada um factor insubstituível para a segurança das pessoas e o bom relacionamento social. Quando alguém lamenta a demora e outras imperfeições do sistema, aparecem logo críticos a atirar-lhe as maiores culpas do estado em que o Estado se encontra.

O actual Governo, tal como foi feito em vários outros ministérios, em vez de reformar a Justiça com a colaboração dos seus agentes e servidores, começou por considerá-los adversários e rivais, ou em termos tácticos, o inimigo a abater. Acabar com as férias judiciais foi o primeiro golpe mesmo antes de se procurar saber o que isso representa no funcionamento da Justiça, em relação aos cidadãos.

Também com a obsessão das estatísticas, havia que reduzir a quantidade de processos pendentes e a solução «inteligente» foi descriminalizar uma variedade de «pequenos crimes» e alterar o Código do Processo Penal, o que não agradou a quem o conhece e com ele lida e logo viu inconvenientes em muitas alterações.

Mas, como os governantes decidem dentro das paredes douradas dos gabinetes, «apoiados» por assessores pouco eficazes, não faziam ideia das condições de trabalho dos juízes e funcionários judiciais, ao ponto de muitos tribunais, terem infiltrações de águas da chuva, processos amontoados nos corredores sem segurança contra animais predadores, poeiras e até roubos. Muitos julgamentos, por falta de espaço nos tribunais, são realizados em salões de bombeiros e pavilhões multiusos, sem segurança nem dignidade. A falta de segurança dos juízes é tal que têm acontecido agressões em sessões de julgamento. (Ver a notícia «Aprender com o caso do Tribunal de Vila da Feira» e «Juízes sem desculpa para desculpar»)

O jornalista Ferreira Fernandes considera, e bem, que o juiz como um ser todo-poderoso que, no tribunal, manda calar ou levantar - como não faz nem um patrão, nem o Presidente da República, nem polícia armado nenhum -, esse, que pode fazer isso e as pessoas aceitam que faça, tem de ser intocável. Intocável, ponto final. Sem qualquer desculpa de salas pequenas ou impróprias. (Ver «Juízes sem desculpa para desculpar»)

Após as agressões a dois magistrados, os juízes do Tribunal da Feira suspenderam os julgamentos até haver novas condições de trabalho. A associação de juízes admite mesmo que a interrupção pode ser alargada a outros tribunais onde não exista segurança. Com incidentes como este, "estamos a assistir a uma perda de autoridade do Estado", disse António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). Segundo ele, «o Estado não é sensível aos problemas de segurança nem lhes dá a devida atenção".

E os criminosos?

Mas, do lado oposto, os criminosos estão a receber as maiores atenções do ministério. Com o pretexto de melhorar as estatísticas do funcionamento dos tribunais, deixaram de ser considerados crimes situações que beneficiam os criminosos que são uma ameaça à segurança da população, o processo penal veio facilitar a vida aos que infringem a lei, a troca de seringas nas prisões, etc, etc. E agora a notícia «Novas 'prisões-hotéis' com cinema e sala de encontros» diz-nos que das 50 prisões existentes, 28 vão ser encerradas e dez construídas de raiz.
Em 2013, Portugal terá um total de 32 prisões.

As novas prisões, disporão de actividades de lazer, como salas de cinema, bibliotecas recheadas, campos de futebol e haverá mais salas de aula, espaços autónomos para visitas de amigos, família e advogados. E, mais concreto ainda, uma unidade de regime fechado para os casais, recluso e cônjuge, de forma a terem mais privacidade.

Estas "melhores condições para os reclusos" pretendem ter «o objectivo de ressocializar» e facilitar a reinserção social. Porém, resta saber se, para a mentalidade portuguesa, a prisão continuará a ter um efeito dissuasor do crime, ou se, pelo contrário, será um incentivo ao crime para irem passar uns anos num «hotel» que está nos antípodas da sua pobre casa, a qual não dispõe de nada comparável com as comodidades prisionais, quanto a condições de alojamento, de segurança e de tratamento.

Em conclusão: Os juízes são obrigados a trabalhar em condições deploráveis e aos criminosos é dado o privilegio de instalações luxuosas.

4 comentários:

Camilo disse...

Eu sabia...
Eu sabia que logo que um -ou dois- juízes, levassem uns tabefes, cairía o Carmo e a Trindade.
Eu sabia...

A. João Soares disse...

Caro Camilo,
Com os políticos acontece o mesmo. Vivem numa redoma rodeados de seguranças e isolados do povo, pensam e agem em circuito fechado, nas nuvens, muito longe das realidades, e é preciso que alguém os coloque perante a ira do povo, para abrirem os olhos. Só quando lhes toca é que acordam.
A propósito, em 1983 (mais ou menos) as FP 25 faziam pelo País uns atentados que preocupavam os responsáveis pela Ordem Pública, mas nada era feito para acabar com tais abusos. Em conversa com o brigadeiro segundo comandante geral da GNR, este disse que o Governo só decidiria agir se «apalpassem o rabo» a uma familiar de um ministro.
Aconteceu que, pouco tempo depois, mataram o administrador da Fábrica de Louças Sacavém que era amigo do primeiro ministro. De imediato, este fez uma reunião com os responsáveis pelas forças de segurança, judiciária, etc, para, o mais rapidamente possível, se prenderem todos os activistas daquele movimento.
Passa-se agora semelhante acordar por parte dos juízes, mas, infelizmente, em benefício próprio, corporativo e não do povo em geral.
Se alguém atirar uma pedra ao carro de um ministro, vamos assistir à substituição de todos os carros por blindados à prova de canhão!
Entretanto continua a dizer-se que no País há segurança, ninguém tem fome nem dificuldades de qualquer ordem. Comparem-se as palavras «optimistas» dos governantes com os números que vêm de relatórios internacionais!!!
Abraço
A. João Soares

ANTONIO DELGADO disse...

Parece que estas realidades sórdidas e injustas nao existem oficialmente.

um abraço
António

A. João Soares disse...

Caro António,
Cada facto tem várias justificações. E isto passa-se no âmbito do direito em que os agentes estão habituados a defender uma qualquer das partes, conforme o contrato que for feito. Oficialmente tudo se explica, com a voz da autoridade oficial!
Mas, para quem não está empenhado em qualquer das partes, parece haver algo discordante.
Um abraço e bom fim-de-semana
João