quarta-feira, 11 de junho de 2008

Encontro dos Combatentes, 2008

Transcrição da alocução proferida pelo Sr. Professor universitário Doutor João César das Neves na sessão comemorativa. Não faço qualquer introdução ou nota final, porque o autor é bem conhecido e o texto está perfeito, não carecendo de apreciação minha. O meu sincero bem-haja ao Sr. Professor pela gentileza de ter disponibilizado o texto.

Sessão comemorativa dos Combatentes
Monumento aos Combatentes do Ultramar, 10 de Junho de 2008
João César das Neves

Meus amigos

Estamos aqui reunidos por causa do sangue. É o sangue que aqui nos chama todos os anos. Um sangue longínquo, um sangue de multidão, um sangue de violência. Espalhado por múltiplas terras, ao longo de muitos anos, é este sangue que aqui está reunido neste Monumento. É este sangue que aqui nos reúne neste dia.

Todos os anos vimos aqui falar ao sangue. Todos os anos dizemos palavras a este sangue antigo, distante, múltiplo. Desta vez, em vez de falarmos ao sangue, ouçamos o sangue. Ouçamos o que o sangue tem para nos dizer. Em vez de dizermos os sentimentos que este sangue nos suscita, pensemos no que este sangue diz dele mesmo. O que este sangue nos quer dizer.

1. A grandeza do sangue

Será que o sangue nos fala de coragem? De valor? De heroísmo? Algum, sem dúvida! Mas muito dele, não. A maior parte certamente, não. Algum deste sangue foi derramado em feitos notáveis, actos valorosos, gestos memoráveis. Mas a maior parte não.

Será que o sangue nos fala de colonialismo? Geo-estratégia ? Modelos políticos? Algum, sem dúvida! Mas muito dele, não. A maior parte certamente, não. Algum deste sangue foi derramado por razões ideológicas, propósitos tácticos, consciência mundial. Mas a maior parte não.

A maior parte, certamente, foi sangue que não queria ser derramado, que não concordava com aquela guerra, que não compreendia bem porque estava ali, que não desejava estar ali. Grande parte desse sangue jorrou por azar, por engano, sem vontade. É normal o sangue jorrar contra vontade.

Quando falamos de tanto sangue, em tantos locais e em tantos anos, derramado em condições tão diferentes, por pessoas tão distintas, temos de admitir que a maior parte do sangue não era especial. Sangue de multidão dificilmente é especial. Sangue de tão grande multidão tem de ser sangue comum, sangue normal, sangue de gente como nós.

Se este sangue não nos fala de heroísmo e valor, de colonialismo e ideologia, de que é que ele nos fala, então? Porque razão afinal estamos nós aqui? O que torna tão especial este sangue que todos os anos nos reúne neste lugar, a dizer coisas ao sangue? Qual a grandeza extraordinária deste sangue que, afinal, por ser sangue de uma multidão, não pode ser especial?

O sangue que aqui nos reúne nem sempre nos fala de coragem e de heroísmo, ideologia e sistemas. Mas fala-nos sempre de dever. O que este sangue nos diz, o que este sangue tem de grande, é o dever cumprido. O que há de comum em toda essa enorme multidão é que estava lá. Tinha sido enviada, tinha-lhe sido ordenado e tinha ido. Foi onde tinha de ir e cumpriu o dever que tinha de cumprir. Cumpriu o dever até ao fim. Cumpriu o dever até ao sangue.

Grande parte desse sangue não queria estar ali. Grande parte desse sangue não concordava com aquela guerra, não apoiava sequer o regime que a declarara. Mas estava ali e combatia. Por ser o seu dever. Sacrificava a sua vida. Não porque quisesse sacrificá-la, não porque apoiasse a causa, porque fizesse feitos notáveis, únicos. Simplesmente porque devia ali ir e tinha de cumprir o seu dever. E foi. E cumpriu. Até ao fim. Até ao sangue.

Esta é a grandeza deste sangue. Esta é notável elevação deste sangue que aqui nos reúne todos os anos. Simplesmente estar onde tinha de estar, cumprir aquilo que era o seu dever. Sem querer, sem concordar, sem apoiar, mas cumprindo. A grandeza deste sangue é aquela grandeza extraordinária de que são capazes as multidões. A única grandeza das multidões, a grandeza de estar, a grandeza de cumprir, a grandeza de se dar, mesmo àquilo com que não se concorda. Por ser o seu dever.

2. As razões do sangue

É difícil hoje compreender as razões deste sangue. Num tempo de direitos, este sangue fala-nos de deveres. Num tempo de ambições, este sangue fala-nos de entrega. Num tempo de realização pessoal, este sangue fala-nos de sacrifício. É difícil neste tempo compreender porque o sangue foi derramado. Para o nosso tempo é difícil até compreender porque vimos aqui, todos os anos, honrar o sangue derramado. Este sangue hoje não é compreendido. Este sangue hoje é invocado, é chorado, é lamentado, mas não é compreendido.

O nosso tempo compreende o heroísmo, compreende a coragem, compreende o valor. Aquilo que o nosso tempo tem dificuldade em entender é o silêncio, a entrega. O nosso tempo tem dificuldade em entender o sacrifício. Como é possível dar o sangue por algo com que não se concorda? Como se entende o sangue derramado por uma multidão? Isto hoje não sabemos. Hoje temos de o perguntar a este sangue.

O sangue fala-nos de algo maior que ele. Este sangue de multidão, este sangue comum, sangue normal, sangue de gente como nós, fala-nos de algo maior do que ele. Algo a que se entrega. Algo a que se sacrifica. Porque até o sangue sem feitos notáveis, até o sangue que não quer ser derramado, que não concorda com a guerra, que não quer estar ali, até esse sangue é sempre derramado por algo maior do que ele. É por isso que está ali. Por isso cumpre o seu dever.

Essa razão maior é muito diferente de uns para os outros. Mas existe em todos. A causa maior que inspira o dever é diferente em todos eles. Mas está presente em todos eles. Uns lutavam pela pátria, outros pela família, pelos amigos. Lutavam pela sua aldeia, pela sua terra. Alguns pela Fé e pelo império, outros pelos operários e pela sociedade sem classes, outros ainda pelo progresso e a civilização. Havia os que lutavam pela justiça, pela liberdade, pelo bem comum. Todos sabiam porque estavam ali, cada um com as suas razões. Mesmo os que não queriam estar ali. Mesmo os que não compreendiam bem porque estavam ali Mas cumpriam o seu dever.

Assim vemos a extraordinária grandeza deste sangue. Uma grandeza que, se virmos bem, é ainda maior que a da coragem, do heroísmo, da valentia. É notável alguém entregar a sua vida de forma nobre, num gesto elevado. Mas é mais notável ainda dar o seu sangue no silêncio e no esquecimento, numa guerra com que se discorda. Mas dá-lo por uma causa nobre, por uma razão maior. A sua razão. A razão da sua vida.

Esta é a grandeza das multidões, a grandeza de estar, a grandeza de cumprir, a grandeza de se dar a algo maior.

3. O que o sangue ouve

Isto é o que o sangue nos diz. Que podemos nós dizer-lhe? Que quer o sangue que lhe digamos? Que podemos nós dizer diante de tanto sangue?

Diante deste sangue, diante de tanto sangue, calam-se as retóricas e as figuras de estilo. Diante de um sangue longínquo, um sangue de multidão, um sangue de violência espalhado por múltiplas terras, que podemos nós dizer? Emudecem as ideologias e os discursos, empalidecem as exigências e as irritações.

Diante de tanto sangue a única coisa a dizer é o silêncio. O mesmo silêncio com que o sangue foi derramado. E nesse silêncio, o que há a dizer é o que nós dissemos hoje. A única coisa que há a fazer é rezar. Humildemente baixar a cabeça e rezar.

Rezar a Deus para lhe agradecer o que estas vidas nos deram. Agradecer tudo o que este sangue nos deu. Rezar a Deus para lhe entregar este sangue. Entregar-lhe tudo o que este sangue é. Rezar a Deus para lhe pedir que sejamos dignos daquilo que o sangue nos pede. Pedir que sejamos dignos deste sangue.

Rezar é o que o sangue nos pede que digamos.

4. A lição do sangue

É isto que o sangue tem hoje a dizer-nos. A nós que vimos cá todos os anos, é isto que o sangue diz dele mesmo. E isto é algo que devemos ouvir, porque é algo que raramente ouvimos. Algo que mais ninguém nos diz nos dias de hoje.

Hoje, felizmente, não nos pedem o sangue. Hoje já não se vê o sangue. O sangue que hoje existe é sangue escondido. Hoje já não há o sangue que o regime nos pede, pela guerra. O sangue que hoje há é aquele que nós pedimos ao regime, pelo aborto. E esse sangue não nos fala de dever. Fala-nos de prazer, de desespero, de abandono, de solidão, de infâmia. Este é o sangue do nosso tempo. Este é o sangue de um tempo de direitos, de ambições, de realização pessoal. Este é o sangue de quem não se quer dar.

Nos nossos dias a questão já não passa pelo combate, pela luta, pela morte. Por enquanto, não passa pelo combate, pela luta, pela morte. Não nos pedem sangue. Pedem-nos suor. Hoje o nosso dever não é o sangue, mas é o suor. Pedem-nos suor, pedem-nos lágrimas, pedem-nos impostos, pedem-nos regras e regulamentos. O nosso dever não nos exige que partamos para longe e lutemos até à morte. Já não é esse o nosso dever. Mas o dever pede-nos que trabalhemos, que procuremos emprego no desemprego, que paguemos, que cumpramos, que soframos.

Grande parte de nós não quer viver assim. Grande parte de nós não concorda com esta crise, não apoia sequer o regime que a declarou. Discordamos da política, condenamos a crise, criticamos os chefes, acusamos os erros. Regateamos o suor, as lágrimas, os impostos, as regras. Exigimos apoios, promoções, subsídios, aumentos. Não cumprimos o nosso dever.

Vimos diante deste sangue Vir aqui não é uma memória do passado, um nostálgica celebração de feitos antigos. É uma presença no presente e um compromisso para o futuro. Um compromisso para o nosso sangue.

Partimos daqui depois de celebrar este sangue. O sangue que, numa guerra muito pior que a nossa crise, estava ali e combatia. Por ser o seu dever. Sacrificava a sua vida. Não porque quisesse sacrificá-la, não porque apoiasse a causa, porque fizesse feitos notáveis, únicos. Simplesmente porque devia ali ir e tinha de cumprir o seu dever. E foi. E cumpriu. Até ao fim. Até ao sangue.

João César das Neves

2 comentários:

Anónimo disse...

Junto um artigo sobre este assunto, que considero ter interesse.
Cor. Manuel Bernardo

A Raça e o Sangue no Dia de Portugal

Por Cor. Manuel Amaro Bernardo

(…) Hoje já não há o sangue que o regime nos pede ,
pela guerra. O sangue que hoje há é aquele que nós pe-
dimos ao regime pelo aborto. E esse sangue não nos fala
de dever. (…)
Discurso de João César das Neves, no Encontro de Com-
batentes (Restelo), em 10-6-2008

O ocorrido no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, neste ano de 2008, pautou pela imponência das bem organizadas cerimónias, em Viana do Castelo e Lisboa, mas também pela originalidade das intervenções.
Logo na véspera o Presidente da República, interpelado pelos jornalistas, afirmou que estávamos a comemorar o Dia da Raça, com vista ao projecto comum deste Portugal com 600 anos de História, dando assim o alento para suplantar a crise actual e as que se avizinham. Poderia parecer que estava a recuperar a terminologia do Estado Novo salazarista e caetanista, como foi lembrado por partidos, como o PCP e o Bloco de Esquerda (até exigiram publicamente uma retratação do Presidente, que os ignorou), mas, na opinião generalizada dos portugueses, não foi isso que sucedeu. Para alguns políticos foi uma gaffe, enquanto que para outros, onde me incluo, tratou-se de um apelo à “raça portuguesa” nestes tempos tão difíceis e bastante complexos, que atravessamos.
Curiosamente o pressuroso comentador de “serviço” Rui Tavares (julgo que professor universitário ou historiador) viria logo fazer afirmações deste tipo (“Público” de 11-6-2008): (…) Onde estava a raça? No aniversário da morte de Camões, que morreu abandonado”.
É questão para lembrar a este e outros senhores que a raça lusitana esteve bem visível nos grandes feitos dos Portugueses, nos Descobrimentos, cantados por Luís de Camões, nos Lusíadas. Ou não será?

O Encontro de Combatentes, cada vez mais pujante e com maior participação, voltou a realizar-se nos Jerónimos e junto do Monumento aos Combatentes do Ultramar (Restelo). Nele tenho participado desde o início, onde, na Comissão Executiva, se incluíam militares, como o José Pais (querido amigo já falecido) e os “Comandos” Caçorino Dias, Vítor Ribeiro e Francisco Van Úden. Eles têm continuado imperturbáveis com o seu esquema alternante de ser, em cada ano, um distinto oficial general de cada um dos três Ramos das Forças Armadas, a organizar a cerimónia.
Desta vez esmeraram-se na organização com a realização, na véspera, pela primeira vez, de um colóquio na Fundação Gulbenkian, para onde foram convidados conceituados conferencistas, como Adriano Moreira, João Ferreira do Amaral, Joaquim Aguiar, Jaime Nogueira Pinto e Vítor Bento, além dos militares General Espírito Santo e Almirante Vieira Matias. O tema “Os Valores da Nação e o Papel das Forças Armadas nas Sociedades Desenvolvidas”, foi apreciado e desenvolvido sob as diferentes perspectivas dos participantes. Vários deles concluíram que continua a faltar um projecto estratégico para Portugal, com as inevitáveis nefastas repercussões nas Forças Armadas.

No dia 10 de Junho, e tendo sido conseguida a participação do Cardeal Patriarca, D. José Policarpo, na presidência da Missa no Mosteiro dos Jerónimos, com vários padres coadjutores, como um vindo de Damão e outro africano, levou a que, também pela primeira vez, esta monumental Igreja se enchesse de público e de combatentes do Ultramar.
A afluência junto do Monumento aos Combatentes do Ultramar, no Restelo, também excedeu as expectativas. Lá fui encontrar o meu amigo Coronel Jaime Neves, ainda em convalescença de um acidente de viação ocorrido havia alguns meses e a grande maioria dos restantes militares condecorados com a Ordem da Torre Espada, postados em local de honra.
O Presidente da República enviou uma mensagem, que foi lida pelo locutor de serviço, o Coronel Piloto Aviador António Lobato.

Um sanguinário discurso…

Para destoar do sucesso destas cerimónias, numa altura em existe uma grande desmotivação cívica para empreendimentos deste género, acabaria por surgir um discurso despropositado, que ninguém (nem eu) esperava da parte da entidade convidada, o Prof. universitário João César das Neves.
Já o tinha ouvido numa palestra feita na Associação de Comandos, sobre temas da economia nacional e internacional, o que me satisfez plenamente.
No texto deste discurso, que tive ocasião de apreciar posteriormente num blog, acabou por fazer, na minha opinião, uma autêntica provocação aos combatentes do Ultramar, em vez de homenagear os seus mortos, como julgo devia ter sido a sua obrigação. No meio do bulício de amigos e camaradas de armas, eu e outros já tínhamos reparado que aquilo tinha “sangue a mais”. Esta palavra foi repetida até à exaustão – cerca de 100 vezes, acrescentando termos como o “sangue da violência”, o “sangue de multidão” e afirmando a certa altura:
“Será que o sangue nos fala de coragem? De valor? De heroísmo? Algum, sem dúvida! Mas muito dele, não! A maior parte certamente, não. Algum deste sangue foi derramado em feitos notáveis, actos valorosos, gestos memoráveis. Mas a maior parte não.”
E acrescentou: A maior parte, certamente, foi sangue que não queria ser derramado, que não concordava com aquela guerra, que não compreendia bem porque estava ali, que não desejava estar ali. (…)

Este discurso do tipo pacifista, não devia ter sido feito naquele local, e onde significativamente não foram dirigidas as palavras devidas de homenagem aos que tombaram pela Pátria. Não é falando no “sangue das multidões”, que, como refere, agora é “sangue escondido”, que essa homenagem seria feita. À semelhança de António Barreto e de Pacheco Pereira, que não compreendem devidamente o sucedido na Guerra de África, nas décadas de 60 e 70 do século passado, e também pouco conhecedores das relações humanas e sociais neste continente, sempre desgastado por guerras tribais, César das Neves não devia ter generalizado o ocorrido na guerra na primeira metade com o da segunda. Dada a sua idade, percebe-se que seja maior conhecedor em relação à parte final, quando os seus amigos e conhecidos procediam à conhecida contestação académica. Apenas quem passou por acções de combate poderá melhor avaliar como ocorrem os actos valorosos, quer no cumprimento da missão, quer na defesa dos camaradas que combatem ao seu lado. Quantos, arriscando a vida, não tiveram um arranque notável para ajudar a salvar um amigo, que antes caíra numa mina ou armadilha, ou tinha sido alvo de uma rajada de tiros? E isto não tem nada a ver com a defesa do regime, do colonialismo ou de qualquer ideologia. Tem a ver com a solidariedade, a amizade e a camaradagem bem característica dos elementos que constituem as Forças Armadas.

A Guerra não é uma figura de retórica…

Dos 8.290 elementos do Exército, oriundos do Continente e dos territórios africanos, que a Comissão de História Militar diz terem morrido na Guerra do Ultramar (Angola Moçambique e Guiné), desde 1961 e até à sua independência, 48% (3.947) foram considerados como falecidos em combate. Os restantes terão sido motivados por acidentes com arma de fogo, acidentes de viação, doença, etc. Todos os seus nomes foram colocados no paredes do Forte do Bom Sucesso, junto ao Monumento. Também lá está (contra a vontade do então CEME, General Martins Barrento), o do Ten-Coronel Maggiolo Gouveia, fuzilado pela FRETILIN, nas vésperas do Natal de 1975, enquanto decorria a guerra civil em Timor. A Associação de Comandos, com o apoio do actual CEME, General Silva Ramalho pretende que os nomes dos 53 combatentes guineenses (20 oficiais, 29 sargentos e quatro praças) fuzilados pelo PAIGC, por terem combatido do nosso lado, também lá sejam colocados, como já o foram junto ao Monumento ao Esforço Comando, recentemente transferido da Amadora para o recém-constituído Centro de Instrução de Tropas Comando, na Serra da Carregueira. Por isso, juntamente com as flores, lá colocaram um painel com a relação desses militares para lembrar à Liga dos Combatentes que tal acto de homenagem, a quem deu a vida por Portugal, continua por fazer.
Recordo, com emoção, a presença, nesta cerimónia, de Regina Djaló, viúva do fuzilado Furriel “Comando” Demba Seca, que me cedeu um pequeno ramo das suas flores brancas; dividi-as com o meu amigo invisual Coronel Caçorino Dias, antes de as colocarmos no Monumento.

Chegando aqui, poderá perguntar-se qual é actualmente a essência da Forças Armadas, de Portugal e de qualquer outro país civilizado. É que nos nossos dias, apesar de não ser tão visível ou destacado pela Comunicação Social, a questão continua a passar pelo combate e pela luta a travar no terreno, e pela sua preparação para estarem prontas para o fazer. É isso que actualmente fazem os “Comandos” no Afeganistão e onde for necessário. O risco de guerras localizadas continua a estar na ordem do dia, face às situações de crise que se avizinham. E nesse aspecto, África continua infelizmente a ser um palco possível e provável, além do Médio Oriente

Agora, se me permitem, queria dar um conselho a este professor universitário. Assista a uma cerimónia de homenagem aos Mortos “Comando”. Vai ocorrer uma já no próximo dia 29 de Junho, “Dia do Comando”. Pode ter a certeza que ficará deveras impressionado, como eu fico sempre que tenho ocasião de estar presente num cerimonial desse tipo. Enquanto um oficial, um sargento e um soldado, marcham em passo cadenciado, em direcção ao mastro da Bandeira Nacional, transportando uma Espingarda G3 e uma boina “comando”, o locutor de serviço afirma:
Caíram …, no campo da Honra …, no cumprimento do Dever …, pela Pátria …, e pelos “Comandos”. Oficiais (presente) …, Sargentos (presente) …, e Praças (presente).

Lisboa, 15 de Junho de 2008

A. João Soares disse...

Caro Bernardo,
Obrigado por esta achega para uma visão mais abrangente do tema. Gosto de publicar opiniões divergentes porque são elas que nos espicaçam o raciocínio. O Prof. João César das Neves, numa época em que a maioria das pessoas se arrastam passivamente, indiferentes aos grandes problemas nacionais, aos valores que tornaram grande Portugal, faz-nos pensar na bipolaridade dos sentimentos, nem sempre sendo valorizados aqueles que a mais alto nos elevam.

Talvez não caísse bem a insistência do sangue, mas num local em que está uma larga lista de vítimas da guerra, é lógico que se medite na perda de sangue por dever, em defesa da Pátria.

Ao colocar em confronto, por um lado, o sangue derramado no cumprimento do dever, com sacrifício, em favor do interesse nacional, e por outro lado, o sangue roubado por «prazer, desespero, abandono, solidão, e infâmia», sendo este distraidamente apoiado pelas massas apáticas, coloca em evidência as transformações das sociedades, nem sempre na melhor direcção.

O sentimento do dever, com sacrifício e risco da vida tornou grande o Portugal de há cinco séculos. Pelo contrário o egoísmo, a ambição pessoal, o prazer e o desrespeito pelos valores éticos arruinaram o Império Romano. Será este segundo exemplo que, agora, os portugueses querem seguir? Nem todos, pois o encontro de combatentes mostra que Portugal não sucumbirá nas mãos de apáticos e derrotistas, anestesiados. Portugal não é só futebol!

O Bernardo não gosta de encarar o facto de a maior parte dos militares, não ter feito esse sacrifício por convicção e doação à Pátria, mas, é incontestável que o SMO levou ali, compulsivamente, milhares de jovens para quem esse foi um grande sacrifício, que contavam os dias que faltavam para o regresso, mas que não desertaram por dever, por subordinação à hierarquia e ao RDM.
São realidades que não podem ser escamoteadas.
Mas não podemos, por outro lado, menosprezar a alegria dos encontros de ex-combatentes que se fazem por todo o País a demonstrar os laços de amizade criados nas condições difíceis, que os tornaram mais homens, no cumprimento desse dever.
Um abraço
A. João Soares