sábado, 31 de janeiro de 2009

Burocracia nacional

Recebi este texto por e-mail de Artur F. Pinto. Muito elucidativo!
É esta a "matéria-prima" de que falava Prado Coelho. Lembram-se?

(...)
"Conto, aliás, uma história que ouvi recentemente. Um cidadão português, que sempre desejou ter uma casa com vista para o Tejo, descobriu finalmente umas águas-furtadas algures numa das colinas de Lisboa que cumpria essa condição. No entanto, uma das assoalhadas não tinha janela.

Falou então com um arquitecto amigo para que ele fizesse o projecto e o entregasse à câmara de Lisboa, para obter a respectiva autorização para a obra. O amigo dissuadiu-o logo: que demoraria bastantes meses ou mesmo anos a obter uma resposta e que, no final, ela seria negativa. No entanto, acrescentou, ele resolveria o problema.

Assim, numa sexta-feira ao fim da tarde, uma equipa de pedreiros entrou na referida casa, abriu a janela, colocou os vidros e pintou a fachada. O arquitecto tirou então fotos do exterior, onde se via a nova janela e endereçou um pedido à CML, solicitando que fosse permitido ao proprietário fechar a dita cuja janela.

Passado alguns meses, a resposta chegou e era avassaladora: invocando um extenso número de artigos dos mais diversos códigos, os serviços da câmara davam um rotundo não à pretensão do proprietário de fechar a dita cuja janela.

E assim, o dono da casa não só ganhou uma janela nova, como ficou com toda a argumentação jurídica para rebater alguém que, algum dia, se atreva a vir dizer-lhe que tem de fechar a janela! [...]

Nicolau Santos, in "Expresso online" [...]

NOTA: Este é um dos possíveis retratos de um País que quer ser civilizado, desenvolvido e digno de ser um parceiro europeu!!!

4 comentários:

Pata Negra disse...

Incrível mas acredito, sinceramente, que tivesse acontecido, já tive uma situação idêntica!
Um abraço kaftiano

A. João Soares disse...

É realmente uma história curiosa, que mostra a complexidade da burocracia, que não sucumbirá a qualquer simplex. Incoerência. Se pedisse uma licença para abrir a janela, como não tem o «poder» do Freeport, esperaria muitos meses até receber um grande relambório que terminaria: Em face do exposto, o pedido é indeferido.
Como fez um pedido para fechar a janela, o relambório é também extenso, deve citar os mesmos artigos da legislação e o final é precisamente o mesmo.
Trabalho de gabinete sem ter a noção da realidade sobre que está a cair a decisão. Toda essa a burocracia incita a corrupção, à gorjeta. Fica-se com a impressão de que a grande burocracia é construída para proporcionar os benefícios da corrupção, de que resulta mal para os cofres do Estado e para a mentalidade que se generaliza e que apodrece o estofo moral dos cidadãos.
Um abraço
A. João Soares

Eurico disse...

A análise do pedido deveria ter em conta, no mínimo, a traça e planta original do edifício, e assim a "habilidade" era descoberta. Isto evidencia bem a burocracia e incompetência das instiuições que não fazem a mínima ideia do País real em contraste com o arquitecto que trabalha no terreno. Como referes estas situações só describilizam os Serviços e fomentam a corrupção. Quando conseguiremos começar a convergir com os países desenvolvidos?
Um abraço
Eurico

A. João Soares disse...

Caro Eurico,
A burocracia, na justa medida, é indispensável quando se refere à necessidade de actos administrativos necessários para organizar e facilitar a vida dos cidadãos. Mas quando as pessoas se referem à burocracia e outras palavras terminadas em «cracia» referem-se a um poder que pressiona as pessoas, que abusa e torna a vida cada vez mais dependente desse poder atrofiante. A burocracia tem tendência em se tornar crescentemente complicada, exigindo, sadicamente, para assuntos simples a acção e as assinaturas de vários funcionários, demorando o despacho decisivo.
A legislação é minuciosamente elaborada para exagerar os controlos e vai ao ponto de se tornar inoperante e nociva à vida individual e colectiva.
Ontem, o Correio da manhã trazia uma notícia que citava Cavaco Silva que disse que os legisladores devem ir para o terreno antes de elaborar as leis, para que estas sejam feitas para o País em concreto e não para utopias.
Mas a burocracia interessa aos beneficiados pela corrupção, porque recebem a «atenção» de quem procura abreviar um assunto que está a ser demasiado demorado. Daí que se tenha levantado o caso Freeport que foi decidido com invulgar celeridade o que levou muita gente a pensar que deve ter havido «luvas», e não está esclarecido se houve ou não.
A história deste post, que é verosímil segundo diz quem tem experiência de casos semelhantes, mostra que a burocracia aguça a criatividade para contornar as dificuldades levantadas pelos mangas de alpaca que não vão ao terreno nem fazem a mínima ideia daquilo sobre que estão a decidir.
É urgente que se crie um SIMPLEX de verdade e não um simulacro.
Há poucos meses, esteve na nossa TV um emigrante que estava de férias e tem na Austrália uma grande empresa de construção. Ficou espantado com o tempo que aqui se demora para construir um prédio, o que o torna muito caro. Lá, um País civilizado, desde que se pensa construir o prédio até ele poder ser habitado passa-se uma pequena fracção do tempo que cá se demora e tudo tem de ficar com as devidas condições de qualidade, porque a fiscalização é oportuna e minuciosa, mas rápida, como tudo o mais.
Entre nós, existe o sadismo de dificultar a vida aos cidadãos. Repara nos sinais de trânsito de 30 Km/h em locais em que se pode andar com segurança a 60 e que é a esta velocidade que, na realidade, lá se circula. Só servem para a caça à multa e agora até já há notícias de os polícias serem promovidos em função das multas que passam e não pelo grau de segurança que garantem à população como a sua missão devia exigir.
Um abraço
A. João Soares