quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Decisões devem ser bem preparadas

Um amigo de há mais de meio século que muito admiro e respeito não gosta de se expor em comentários nos blogs, como acontece com muitos outros, mas costuma enviar por e-mail comentários muito relevantes e profundos sobre temas de grande interesse nacional.

No último, a propósito de um tema que anda a circular por e-mail, diz:«Vê-se que a coisa não tem cor, vê-se que há muita gente sem decoro, vê-se que é – ou parece – um trabalho profundo de jornalismo num objectivo louvável, mas que contém muita mesquinhez e populismo jornalístico (…) Acho que se deve olhar para a questão com um olhar muito crítico e corrector, em que estou suficientemente à-vontade. Queres considerar um aspecto positivo no meio de tanta porcaria ? (…)»

Em resposta, disse-lhe que a troca de e-mails é um direito e, nalguns casos, dever dos cidadãos. Faz parte da democracia, da ética de cidadania. O cidadão não é obrigado ao rigor dos dados nem da sua apresentação. Quanto a rigor, os nossos legisladores e governantes, apesar de serem responsáveis, também não o conhecem em absoluto e, depois de decisões, têm de fazer sucessivas alterações e recuos. E hoje negam o que disseram ontem.

Vejo estes casos que podem repugnar os mais radicais na adoração do rigor, com tolerância interpretando-os como alertas, embora toscos, para que os responsáveis os esmiúcem e ponham de lado ou aproveitem, nas suas preparações da decisão, se é que preparam as decisões.

Aos responsáveis pela preparação das decisões é imperiosa a ponderação dos problemas, dos dados condicionantes, dos efeitos previsíveis, para não empurrarem os responsáveis finais para decisões desastrosas. Porém, não devem deixar de ter em atenção dicas que permitam ver aspectos que inicialmente poderiam ficar ignorados. Isso deve passar-se agora com o orçamento e com a prometida revisão constitucional

Esse amigo teve, como eu, um professor que, quando se tratava da preparação de decisões, ao chegar ao ponto 3. da metodologia referida em «Pensar entes de decidir» dizia «agora, durante cinco minutos a asneira é livre», a fim de na elaboração da lista das hipóteses de solução, nada ficasse por analisar por parecer menos lógico. Mas depois, nos pontos seguintes, tais hipóteses são analisadas com pormenor, comparadas, quanto a custos, a resultados previsíveis e efeitos subsequentes, a fim de ser escolhida a melhor que depois é esmiuçada por forma a elaborar o planeamento, a programação para a cabal concretização.

Com isto quer dizer-se que convém deixar que «a asneira seja livre», deixar que as pessoas se habituem a criticar tudo o que lêem e ouvem, para não se deixarem enganar por artimanhas de propagandas falaciosas. Esta maneira de ver a ética da cidadania repercute-se no voto para que não caia, cegamente, no candidato bafejado pelas sondagens, pela boa aparência, pelas palavras que, pelo tom são mais convincentes mesmo que não sejam compreendidas, mas sim que ele traduza o resultado de um raciocínio livre de cada cidadão, com base na informação de que disponha e num raciocínio orientado para os interesses nacionais. E assim, só deve acreditar-se naquilo que se compreenda e seja aprovado pelo crivo do próprio raciocínio.

2 comentários:

José Lopes disse...

Infelizmente a falta de rigor existe mais do lado de quem é pago para decidir. As condicionantes do poder deviam ser contrariadas pela integridade e competência, e infelizmente não são.
Também conheço quem passou por lugares de poder e tomou decisões erradas porque foi pressionado e aliciado, e perdi o respeito por gente dessa, sendo que alguns foram meus amigos e colegas.
Cumps

A. João Soares disse...

Caro Guardião,

Se como diz, não podemos ter confiança nos que foram eleitos para actuarem responsavelmente, não há autoridade moral para se exigir a perfeição absoluta aos jornalistas e aos simples cidadãos que emitem «palpites» sobre aquilo que os preocupa.
É certo que há muita gente a lançar a confusão, por vezes com intenções inconfessadas. Mas cabe ao poder proporcionar às pessoas bases correctas para poder ajuizar o que estará certo ou não. Por exemplo, de todos os «casos» de que a Justiça se tem ocupado, os resultados foram uma desilusão, mas o povo mantém as suas convicções, e é compreensível que sublinhe os sinais em que as fundamenta. Esse é um ponto que muito dói aos senhores do poder e que constitui o recheio de muitos e-mails.
A solução é ter mais transparência nos actos públicos e dar à Justiça independência total que a liberte de pressões como, por exemplo, as tão faladas nos casos Freeport e da Casa Pia.

Um abraço
João
Só imagens